Sem controle, estrangeiros compram cada vez mais terras no Brasil

O esforço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em vender o Brasil como futuro pólo mundial do biocombustível está provocando uma explosão no mercado de terras, mas desnudou uma realidade grave para a soberania do país: o governo não tem qualquer controle sobre quem são e quantos milhões de hectares de terras estão nas mãos de estrangeiros hoje.

Nem tem mecanismos legais para controlar a voracidade de grupos estrangeiros que, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estão investindo pesado na compra de terras no Oeste da Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Pará e em São Paulo.

Preocupada com a falta de legislação explícita, a Advocacia-Geral da União (AGU) está elaborando um parecer para definir normas jurídicas que deverão dar aos órgãos públicos poder de controle sobre o setor.

As novas regras legais devem mexer no cadastro do Incra sobre proprietários estrangeiros -­ que atualmente não são obrigados a identificar a nacionalidade ou só o fazem quando têm necessidade de transacionar o imóvel ­- no volume e estoque de terras que podem ser compradas por empresas estrangeiras. A nova legislação deverá ser en caminhada ao Congresso para dar ao Estado algum controle sobre quem é quem no meio rural.

O governo não tem dados, mas sabe que, entre as estrelas do capital internacional que estão investindo no Brasil, estão empresas ligadas à Fundação Soros, do milionário grego George Soros, as americanas Microsoft, de Bill Gates, a Google, as suecas Precius Woods e Stora Enso (esta com capital finlandês também) e até seitas religiosas, como a Igreja Unificada, do reverendo Monn Sun Myung, que já era dona das extensas áreas em Mato Grosso do Sul. Ele está comprando mais terras no Centro-Oeste e Amazônia.

Entre os brasileiros, está chamando a atenção os grandes investimentos em terras e gado do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, cujo estoque já teria alcançado mais de 100 mil hectares na região de Marabá, no Sul do Pará. O governo sabe da presença estrangeira pela boca de ruralistas. ­

“A proposta é estabelecer limites por uma questão de soberania nacional. Não se trata de xenofobia”,­ diz o presidente do Incra, Rolf Hackbart. Ele admite que o governo não tem dados sobre investidores e pessoas físicas que já detêm terras, sobretudo na região amazônica, onde cobiça vem sendo acentuada pela perspectiva de o país desenvolver uma nova matriz energética com o plantio em grande escala da cana de açúcar, mas também em função do apelo ecológico propagado por ONGs internacionais, sob o pretexto de proteger a região. Uma delas, hospedada no site Cool Earth, vem a tempos disponibilizando áreas pela internet. Outras divulgam ofertas pela internet ou publicam anúncios em jornais brasileiros. ­

“Os compradores vão de ambientalistas radicais que compram para ninguém mais tocar na terra a picaretas que querem explorar madeira”, ­ diz o presidente do Incra.

O único registro do Incra é modesto diante da realidade e da explosão do mercado. Mostra que até julho deste ano 31.194 imóveis estavam em nome de pessoas físicas estrangeiras e outros 2.039 em nome de empresas ­ cada imóvel pode ter mais de um proprietário.

Segundo Hackbart, o número de proprietários deve ser bem maior em decorrência da falta de definição sobre a característica da empresa estrangeira e o limite que ela deve ter na aquisição de terras nacionais. ­ “Esse é um problema deixado pela Constituição de 1988, que não definiu com clareza o conceito da empresa estrangeira”,­ observa o presidente do Incra. ­”Basta abrir um escritório ou estar associado a um brasileiro, que pode comprar o que quiser de terras. É isso que precisamos consertar para nos precaver. ­ A sociedade precisa carimbar o seu território”.

Brasileiros perdem o interesse

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, disse que o aumento da procura e compra de terras por estrangeiros pelo interior do Brasil está afastando do mercado os investidores nacionais e criando dificuldades ao governo na aquisição de propriedades para formação de estoques destinados à reforma agrária, um dos eixos do programa de inclusão social do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ­

“Há uma competição forte com a reforma agrária porque os compradores estrangeiros pagam em cash, enquanto o governo usa Títulos da Dívida Agrária (TDAs) quando desapropria uma área”, conta o presidente do Incra. Além de dinheiro em espécie, os estrangeiros aparecem com moedas mais fortes, como o euro e o dólar e, em muitas regiões, quando não encontram terra barata, aumentam a oferta.

Hackbart revela que há poucos dias dois proprietários rurais de Naviraí, no extremo Sul de Mato Grosso do Sul, desistiram de vender suas terras para o Incra porque receberam ofertas melhores de estrangeiros e pagamento à vista. Os investidores nacionais, segundo Hackbart, também não têm estrutura financeira para competir com estrangeiros e acabam desistindo de negócios.

O boom imobiliário na área rural também está elevando o preço das terras e invertendo realidades regionais históricas sobre o valor da terra agricultável. É o caso de Mato Grosso do Sul, que há pouco mais de duas décadas era apenas uma fronteira agrícola e atualmente tem a hectare de terra mais valorizada do país.

Um dos maiores pólos nacionais do agronegócio, o Estado comercializa o hectare a cerca de R$ 12 mil, um contraste com o Rio Grande do Sul, que recebeu um impacto inverso no mesmo período e atualmente comercializa a mesma fração a valores que variam entre R$ 4 mil a R$ 5 mil. Os gaúchos que nas últimas décadas migraram, vendiam um minifúndio (10 a 20 hectares) e conseguiam comprar extensas terras no Centro-Oeste e Norte do país.

Na avaliação do Incra, o Brasil virou fonte de cobiça em função de sua imensidão territorial e pela fertilidade de seu solo­ são 800 milhões de hectares ­e porque a terra se transformou num investimento seguro para o capital internacional. Os estrangeiros têm demonstrado interesse em investir em várias regiões. O Incra já recebeu sondagens de empresários da Líbia interessados em terras no Nordeste e até de chineses à procura de outras regiões. (V.Q.)

PF investiga investimentos no Sul do país

A ameaça do capital estrangeiro à estrutura fundiária do país levou a Polícia Federal a abrir inquérito, em junho deste ano, para investigar em que circunstâncias a Stora Enso, empresa sueco-finlandesa, estaria adquirindo extensas áreas de terra numa faixa de fronteira entre o Rio Grande do Sul e Uruguai para a implantação de um mega-projeto de plantio de eucalipto para exploração de celulose.

A denúncia, feita por ambientalistas gaúchos, foi encaminhada ao Ministério da Justiça pelo deputado Adão Pretto (PT-RS). Há suspeitas de que a empresa teria feito negócios sem passar pelo crivo do Conselho de Segurança Nacional, o órgão ligado à Presidência da República e que dá a última palavra quando se trata de investimentos externos em faixas de fronteira por se tratar de uma questão relacionada à soberania do país.

Segundo a denúncia dos ambientalistas, a Stora Enso teria se associado a outra empresa, a Azenglever Agropecuária Ltda, que tem a totalidade do capital social em nome de pessoa física brasileira e estaria associada com a Derflin Agropecuária Ltda, de capital estrangeiro, que pertence à empresa sueco-finlandesa. Uma investigação preliminar havia sido aberta pelo Ministério Público do Estado, para apurar se os procedimentos foram legais.

Em 2005, a Stora Enso anunciou que faria um investimento de aproximadamente US$ 250 milhões para a aquisição destas áreas. A empresa pretendia começar, já no ano passado, o plantio de 5 mil hectares de eucalipto no município de Rosário do Sul, fronteira Oeste gaúcha. Essa área seria a primeira parte dos 100 mil hectares ­ de um total de 140 mil que devem ser comprados pela empresa ­ para o cultivo de eucalipto no Rio Grande do Sul. A multinacional tem projetos também no Uruguai.

Fonte: Vasconcelo Quadros, do Jornal do Brasil