América Latina: crise e oportunidades

Por Jorge Pereira Filho, Agência Brasil de Fato O poder dos Estados Unidos está ameaçado. E em um cenário como esse, nada como antecipar as soluções históricas: fazer a guerra para evitar a depressão econômica. Essa é a análise do economista Win Dierckxsens, costa-riquenho que participou da primeira mesa de debate da 1ª Conferência Vozes de Nuestra América, realizada em Fortaleza e no Rio de Janeiro, entre 21 e 16 de outubro.

Por Jorge Pereira Filho,
Agência Brasil de Fato

O poder dos Estados Unidos está ameaçado. E em um cenário como esse, nada como antecipar as soluções históricas: fazer a guerra para evitar a depressão econômica. Essa é a análise do economista Win Dierckxsens, costa-riquenho que participou da primeira mesa de debate da 1ª Conferência Vozes de Nuestra América, realizada em Fortaleza e no Rio de Janeiro, entre 21 e 16 de outubro.

Segundo ele, são crescentes as dificuldades para a maior potência capitalista manter sua hegemonia unipolar, o que coloca a possibilidade de uma grave crise do dólar e do aparato político-militar que sustenta a força dos Estados Unidos pelo globo. “A pergunta não é se esse modelo vai entrar em colapso, mas quando entrará”, afirma Win. Para ele, essa conjuntura poderá impulsionar experiências como a da Alternativa Bolivariana das Américas (Alba) e o chamado Socialismo do Século 21 na Venezuela.

Em sua exposição, o senhor fala em uma crise da hegemonia dos Estados Unidos e do próprio capitalismo.

Win Dierckxsens – Temos, hoje, um sistema monetário internacional baseado no dólar, que não está lastreado com o ouro. Assim, pode-se criar dinheiro indiscriminadamente a partir de uma pirâmide de empréstimos. O sistema financeiro ampliou a liberação de dinheiro para pessoas com capacidade cada vez menor de pagamento. E nesse processo de endividamento contínuo, os Estados Unidos são os líderes globais. Emitem bônus atrás de bônus – a maior parte comprada pelos chineses. Há uma interdependência. Se um dia os chineses disserem que não querem mais esses papéis, as exportações asiáticas se estancam, já que prejudicariam seus principais clientes. É por isso que os próprios Estados Unidos estão comprando, por sua vez, os novos bônus emitidos pela China, como apontam estudos recentes. Mas como fazem essa operação? Imprimindo dólares. O Tesouro dos EUA já não publica, desde 2006, o volume das impressões de dólares.

Isso não provoca uma queda do valor do dólar pelo planeta?

Win Dierckxsens – Sim. Mas se internamente eu não posso multiplicar os dólares, a saída tem sido fazer com que cresça a necessidade pela moeda em outros países. Um exemplo é a Guerra no Oriente Médio. Saddam Hussein ameaçou converter suas reservas e a venda de petróleo para o euro. Agora é o Irã. Trata-se de complexo industrial-militar que precisa defender o dólar, oferecido ao mundo quase de forma ilimitada.

Agora, apesar do declínio econômico, esse poderio militar não pode compensar ou mesmo reaquecer a economia dos Estados Unidos?

Win Dierckxsens – Ocorre que o poderio militar também está hipotecado. Em última análise, hoje, a China financia o complexo industrial militar norte-americano assim como também o fazem os países do Terceiro Mundo. A pergunta não é se esse modelo vai entrar em colapso, mas quando entrará. E o cenário é evitar isso a todo custo, imprimir dólares continuamente e fazer a guerra. Não é uma ofensiva apenas contra o Irã, mas também contra a China – principal consumidor do petróleo iraniano – e contra a Rússia, o país que mais tem negócio com o projeto de energia nuclear. É uma crise mundial, diga-se de passagem. Se o dólar cair, os europeus entram em crise, os chineses também. Isso explica em parte porque o presidente da França está alinhado com os interesses dos Estados Unidos. No século passado, primeiro vinha a depressão; depois, a guerra. Agora, a guerra vem em forma preventiva para evitar a depressão.

Há também teóricos que discordam dessa tese de que o imperialismo dos Estados Unidos cairá por suas contradições internas, quase que naturalmente…

Win Dierckxsens – Os Estados Unidos já mostraram que vão defender seu poder global de uma forma muito clara. Nesse sentido, não se pode dizer que é inevitável uma nova guerra mundial. Mas isso está no ar e os norte-americanos não vão renunciar a seus privilégios pacificamente. A questão é que, se não conseguem avançar nessa estratégia bélica, porque há contra-poderes muito fortes, vão entrar em colapso internamente. É o que eu sustento. Essas contradições não vão ser resolvidas em uma mesa de diálogo, mas no campo de batalha.

Esse foco dos Estados Unidos em sua atuação no Oriente Médio, na Ásia, não abre novas possibilidades para a América Latina?

Win Dierckxsens – Ocorre que se há guerra ou depressão econômica, haverá menos comércio regular. E não resta saída a não ser voltar para si. Os países da América Latina vão precisar fazer produtos novos ou reparar aquilo que antes era importado.

Mas isso já não está ocorrendo?

Win Dierckxsens – O que ocorre agora é a pura luta. A desconexão da Venezuela, do projeto da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), segue na contra-corrente das negociações de tratados de livre comércio (TLCs) e outros projetos de anexação declarada. Em um cenário de depressão do comércio internacional, é maior a possibilidade de esses processos transformadores se acelerarem. São sementes que podem brotar fortemente. A América Latina é a esperança.

O senhor ressaltou, em sua palestra, que a Venezuela discute o Socialismo do Século 21. Mas o país segue deixando as transnacionais explorarem seu petróleo, importam boa parte dos alimentos e seguem em direção a um modelo de desenvolvimento inspirado pelas idéias keynesianistas.

Win Dierckxsens – Aí a está a luta interna. Na Venezuela, não há um Socialismo do Século 21, mas um grito. Há forças que querem implantar um projeto hegemonizado pelo capital nacional. De todo modo, segue em curso um processo de desconexão. O socialismo não vai ser declarado da noite para o dia em nenhum país. Em Cuba, na Rússia, foi com o decorrer dos anos, e não de início.

A Venezuela é o país que mais importa alimentos porque tem a renda do petróleo. Mas aprenderam que, para ser menos vulneráveis a um bloqueio externo, tem que produzir internamente seus alimentos. Há um programa forte nesta direção. É preciso também capacidade de defesa. E a Venezuela está se armando. Os Estados Unidos e os europeus têm as mãos sujas e o exemplo de Salvador Allende está aí para mostrar que se unem em um banho de sangue, que freou aquele processo democrático chileno. Fábricas que foram fechadas durante o neoliberalismo estão sendo reativadas, por meio de cooperativas. Ocorre que esses e outros fatores apontam para um fortalecimento do poder estatal, em vez de mais poder para as bases populares. A discussão na Venezuela é: estamos rumo ao socialismo do Século 20 ou ao do 21? E a nova Constituição tem consciência disso. Propõe os conselhos comunais como fundamentais. Mas uma Constituição, sozinha, não muda nada. E o movimento social na Venezuela não era o mais forte da América, para dizer o mínimo. Esse é um problema a ser resolvido. O debate é: mais poder central ou conseguimos descentralizar o poder para que o povo, em última instância, defina as prioridades da sociedade.

Com relação a isso, a situação na Bolívia não seria distinta, na qual Evo Morales chega à presidência com o fortalecimento de organizações populares?

Win Dierckxsens – Sim, é o inverso da Venezuela. O interessante da Bolívia é que põe a tese “desenvolvimentista”, “neokeynesiana”. Os bolivianos dizem: “não queremos os nacionais como exploradores dos recursos naturais, do povo; queremos uma mudança civilizatório compatível com nossa forma de ser”. É muito radical. Bolívia deu ao Socialismo do Século 21 o ingrediente dessas comunidades indígenas que se põem a pensar em novos paradigmas socialistas de uma maneira distinta.

Em Cuba, está em curso um debate sobre os rumos da economia, como a publicação das Cartas de Che…

Win Dierckxsens – Isso é sinal muito positivo. Há um forte descontentamento popular, sobretudo após o desmembramento da União Soviética, que deixou Cuba isolada. Se não fosse pelo turismo, não teriam dólares para o comércio internacional. Isso fez com que a economia de mercado entrasse em Cuba. Quem trabalha com o turismo ou recebe remessas tem um poder aquisitivo muito superior que os trabalhadores dos setores da economia socialista clássica. Isso fomentou o consumismo e o descontentamento com a austeridade e a falta de tudo básico para a vida cotidiana. Por isso, cresce a necessidade desse debate de “para onde vamos?”. Mas falta no texto do Che a discussão sobre a democratização, como definir as necessidades a partir da vontade das bases.

Mas essa situação de carência não se deve apenas a fatores internos, há também o bloqueio dos Estados Unidos…

Win Dierckxsens – Bem, o bloqueio é verdade, mas a burocracia se refugia atrás desse argumento. O bloqueio dificulta a vida em Cuba, mas não é toda a verdade. É claro que essa ofensiva exige um poder central. Não é possível que amanhã, todas as decisões sejam tomadas por referendo, em uma caricatura absurda. Mas há setores da burocracia resistentes a mudança, sobretudo porque perderiam poder.

Na Costa Rica, o plebiscito popular aprovou o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. Foi uma derrota, apesar da pequena diferença?

Win Dierckxsens – Muito em breve, perceberemos o contrário. Se o “não” ganhasse, todas essas forças sociais se desarticulariam que se organizaram em campanha contra o TLC. Essa frente popular não teve acesso aos meios de comunicação, não tinha dinheiro. Todo o aparato do Estado foi utilizado para aprovar o TLC. O povo entendeu, nesse processo, que os meios de comunicação são dos ricos e para os ricos. E que o governo também serve aos ricos. Os Comitês Patrióticos que se organizaram nos bairros dos mais distintos municípios seguem existindo, agora, porque o TLC ainda não entrou em operação. Falta a aprovação de mais três leis que mudam a Constituição e derrubam os monopólios de telecomunicações e seguros. Se uma dessas leis não passar, não haverá TLC. Já o governo possui uma vantagem mínima no Congresso para aprová-la. Ou seja, a luta está em marcha.