Ato marca três meses da expulsão do Largo São Francisco

Igor Felippe Santos
de São Paulo

O protesto dos movimentos populares e estudantes, que ocuparam a Faculdade de Direito do Largo São Francisco em agosto deste ano, deve ficar na memória coletiva da comunidade acadêmica e da sociedade brasileira. A ocupação foi realizada durante a jornada em defesa da educação e foi marcada pela truculência da tropa de choque da Polícia Militar, que invadiu o prédio na madrugada de 22 de agosto para expulsar os manifestantes.

Ontem, dia 22, os estudantes e militantes dos movimentos sociais realizaram um ato público na Sala dos Estudantes, onde há exatos três meses os manifestantes foram encurralados pela tropa de choque. Na ocasião, a ordem para a ação da polícia partiu do diretor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), João Grandino Rodas.

O advogado Aton Fon Filho, da Rede Social de Justiça, considerou o ato como uma celebração para a reconsagração das Arcadas do Largo São Francisco como Território Livre. Ele disse que ficou assustado quando leu no processo judicial da ocupação a acusação de esbulho possessório, segundo o qual os ocupantes teriam interesse de tomar para si o espaço.

Se o diretor acreditava mesmo que os estudantes e os movimentos populares quisessem permanecer nas Arcadas para sempre, disse Fon, os estudantes “terão muito trabalho para ensinar direito a esta faculdade”. O advogado popular disse que “ficou chocado” com o procedimento da polícia de liberar os manifestantes que tinham carteira de estudantes e levar para a delegacia para fichamento aqueles que não tinham, os integrantes dos movimentos sociais.

O integrante da coordenação nacional do MST, João Paulo Rodrigues, destacou o simbolismo de voltar ao lugar do qual os movimentos sociais foram expulsos pela PM em menos de 12 horas da ocupação, que acabaria no dia seguinte. “Não foi a última vez que essa faculdade foi ocupada. Ela será ocupada de novo por 80% do povo brasileiro que não está nas universidades”, afirmou. Em relação à articulação com os estudantes do Fórum de Esquerda, que dirigem o Centro Acadêmico 11 de agosto até a próxima semana, declarou que “sentimos muito orgulho dessa parceria”.

João Paulo disse que a ocupação do Largo São Francisco e a jornada de lutas pela educação, realizada em agosto, que articulou mais de 40 entidades estudantis e movimentos sociais, promovendo ocupações de universidades, manifestações e marchas em pelo menos 11 estados, entrou para a história do MST. “A ocupação continua e o debate continua, porque as forças conservadoras tiveram que debater o problema da educação pública e dos problemas do Estado de Direito com a sociedade” disse João Paulo, citando que a imprensa empresarial e até uma novela da Rede Globo trataram do tema.

O procurador Damião Trindade, que era um dos estudantes que fizeram a tomada de 1968 do Largo São Francisco em protesto contra a Ditadura Militar, apresentou elementos que esclarecem mitos que foram criados sobre a ocupação em que participou para desqualificar a deste ano. A comparação, segundo ele, “foi uma manobra de ignorantes ou uma manobra de mal intencionados”. Trindade contou que a ação de 68 foi violenta e, inclusive, os estudantes estavam armados – para enfrentar a polícia e o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – e pretendia se estender por tempo indeterminado. Foram arrebentados os portões, desarmados os guardas e produzidos mais de 200 coquetéis molotov.

O procurador contou que a organização e definição da ocupação foram decididas por um grupo de estudantes e em sigilo, sem aprovação em assembléia geral dos estudantes. Uma das principais diferenças, segundo Trindade, foi a postura dos diretores da faculdade. Em 1968, o diretor não era um homem de esquerda, mas um liberal tradicional que respeitava as tradições do iluminismo, sendo o qual na universidade a polícia não entra.

O diretor de então levou em banho-maria até quando foi possível, inclusive dialogando com os estudantes e informando das ações de repressão. Quando foi decidida a expulsão, que aconteceu depois de 25 dias, avisou aos estudantes. O diretor João Grandino Rodas, 39 anos depois, pediu à Secretaria de Segurança Pública que expulsasse os estudantes e movimentos sociais e encerrasse o protesto que denunciava o fato de apenas 11% da população ter acesso ao ensino superior.

O presidente do Centro Acadêmico 11 de agosto, Ricardo Leite, defendeu que “os movimentos sociais não precisam pedir licença para entrar na universidade, que é um espaço público”. A gestão Fórum de Esquerda, que termina em dezembro, inaugurou uma placa em memória à invasão da polícia em agosto na sala do CA. “Temos que ter direito à nossa memória. Isso ninguém vai tirar da gente”, garantiu Leite.

Segundo ele, aquilo que parecia impossível, a entrada da polícia na USP para expulsar os alunos que ocuparam a reitoria em maio, se tornou algo natural, com a invasão do Largo São Francisco, Fundação Santo André e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Também participaram do ato o professor da faculdade, Sérgio Salomão Shecaira, e o representante da Educafro, Frei Leandro.