Jejum antecipa caráter das lutas sociais

O acontecimento político mais importante em 2007 foi a greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. Um acontecimento que terá desdobramentos neste ano. O gesto de Frei Luiz se tornou um divisor de águas na sociedade brasileira. Por quê? Porque o seu gesto mais do que a simples luta contra a transposição do rio São Francisco manifestou um embate maior: o do modelo de desenvolvimento que se deseja para o país.

A sua greve de fome sinalizou que estão em jogo, claramente, duas lógicas, dois projetos, duas maneiras de ver o mundo. Uma, a que se expressa em grandes projetos: a transposição, a construção de hidrelétricas no rio Madeira e em outros lugares, a aceleração do programa nuclear, a aposta do etanol, a ausência de restrição ao monocultivo do eucalipto e do pinus, apenas para ficar em poucos exemplos.

Esse projeto beneficia os grandes grupos econômicos ligados à exportação. Trata-se de uma lógica perversa na qual o Estado entra com recursos públicos para beneficiar negócios privados. Em síntese, um modelo de desenvolvimento incompatível com a urgência civilizatória de um novo padrão de relacionamento com o ambiente e, tampouco, capaz de reduzir a desigualdade social.

A outra lógica, o outro projeto, é aquele que coloca o povo em primeiro lugar, que se orienta para resolver os problemas mais urgentes dos pobres do nosso país. Foi essa sensibilidade que moveu a iniciativa do bispo.

A greve de fome de dom Luiz mostrou ainda quem está do lado de quem. Quem diria que tantos militantes, forjados nas lutas sociais, apoiados e incentivados pelas pastorais sociais, inclusive chegando a liderá-las, hoje estariam em campos tão diametralmente opostos?

Bastou que muitos chegassem ao poder e… tudo mudou. Militantes das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), de pastorais sociais, seguidores e seguidoras da Teologia da Libertação, que ontem liam a realidade sócio-política-econômica à luz dos textos do Êxodo, que narra a opressão do povo judeu no Egito, sob as garras do Faraó, e guiados por Moisés atravessam o Mar Vermelho, condenaram o bispo por ser ‘intransigente’, ‘fundamentalista’.

Ironicamente, parte da esquerda brasileira ficou com a direita. Ambas interpretaram o gesto do frei franciscano como fundamentalista. Ambas são conservadoras. É sintomático e vergonhoso ainda, o fato do PT, considerado o maior partido de esquerda do país, e da maior central sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), não terem se pronunciado oficialmente sobre a greve de fome do bispo.

Os partidos de esquerda, especialmente o PT, já não têm mais o que dizer e já não conseguem mais representar os interesses dos movimentos que estiveram em sua origem. Aliás, esta é talvez a maior lição, entre tantas outras, da manifestação do bispo de Barra: a crise da representação. Os partidos políticos, sem exceção, se anularam como canais de expressão da vontade popular.

A luta de Frei Luiz não foi em vão, pelo contrário, antecipa a dinâmica das lutas dos movimentos sociais. Ou seja, está claro que nada podemos esperar do governo. Lula já fez a sua opção: se orienta pelo que podemos chamar de Pós-Consenso de Washington.

Por um lado, a aplicação dos fundamentos da disciplina fiscal e monetária e, por outro, políticas sociais de caráter compensatórias. Sendo mais claro, os ricos – os banqueiros, o agronegócio, as grandes empresas nacionais e transnacionais – continuarão ganhando muito e, os mais pobres, ficam com as migalhas. Ainda pior, o governo Lula, ao contrário de fortalecer o movimento social, o enfraqueceu, fragmentou e dividiu.

Para os movimentos sociais, 2008 não será diferente de 2007. Os mesmos desafios se anunciam, sendo duas as suas principais tarefas. Por um lado, politizar o debate nacional – ainda mais em um ano eleitoral. Isso compreende a necessidade de aprofundar a disputa ideológica, o debate dos projetos para o país.

É nesse debate que perguntas fundamentais devem ser realizadas em contraponto ao projeto que beneficia os grandes grupos econômicos. Devemos perguntar: água para quem? Terra para quem? Energia para quem? São perguntas simples, mas que colocam os megaprojetos da transposição do São Francisco, das dezenas de usinas hidrelétricas, do etanol, da ampliação do monocultivo… em debate e, revelam a essência do projeto do poder.

O outro desafio é a continuidade das lutas sociais. As mobilizações, as ações diretas, as grandes jornadas de lutas unitárias. Engana-se quem pensa que o movimento social brasileiro é frágil. As grandes rupturas que aconteceram na sociedade brasileira tiveram o movimento social por detrás. Ele cumpre um papel civilizatório na perspectiva da inclusão social e não pode abrir mão desse papel. Dom Luiz Cappio sinalizou para o caráter das lutas de 2008. Ação e disputa ideológica caminhando juntos.

Cesar Sanson é pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores, doutorando de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná e militante da Consulta Popular.