Por ações de massa contra inimigos comuns a nível mundial

Da IPS Por Mario Osava O integrante da coordenação do MST e da Via Campesina João Pedro Stedile analisa o Fórum Social Mundial e a importância dessa articulação internacional, de caráter antineoliberal e anti-imperialista. "Os eventos do FSM serviram também para romper a hegemonia ideológica de total aprovação ao neoliberalismo. Agora, necessitamos gerar espaços de debate mais próximos dos movimentos, das pessoas, dos centros de estudo e das universidades", afirma.

Da IPS
Por Mario Osava

O integrante da coordenação do MST e da Via Campesina João Pedro Stedile analisa o Fórum Social Mundial e a importância dessa articulação internacional, de caráter antineoliberal e anti-imperialista.

“Os eventos do FSM serviram também para romper a hegemonia ideológica de total aprovação ao neoliberalismo. Agora, necessitamos gerar espaços de debate mais próximos dos movimentos, das pessoas, dos centros de estudo e das universidades”, afirma.

O desafio dos grupos que fazem parte do FSM, segundo Stedile, é fazer ações de massa a nível internacional contra inimigos comuns, que representem o imperialismo, as transnacionais, os bancos e os organismos internacionais.

“As manifestações nas ruas foram e são importantes como instrumentos de propaganda de idéias, mas são insuficientes para deter o neoliberalismo. É necessário avançar para concretizar ações de massa contra os inimigos comuns”, acredita.

Leia a seguir a entrevista.

Você acredita que foi uma boa idéia não realizar um encontro este ano, mas atos locais pelo mundo todo? Não existe o risco de dispersão, perda de identidade, desmobilização nos próximos anos?

A Via Campesina sempre defendeu no Comitê Internacional que deveríamos realizar um evento só a cada três anos para priorizar as atividades locais e regionais. Não podemos dispersar recursos, energias só em eventos mundiais. O futuro do FSM depende de termos espaços nos quais mais pessoas possam participar. Por isso, ao contrário, as atividades nacionais, regionais, congregam mais que os eventos mundiais.

Alguns membros do Conselho Internacional do FSM defendem a tomada de posições políticas em temas de consenso. O que você acha?

A Via Campesina Internacional compreende que o FSM é um espaço de debate e intercâmbio de idéias. Seria uma ilusão ou idealismo acreditar que seja possível estabelecer ali acordos mais práticos ou plataformas de maior unidade ideológica. Isso poderia resultar numa dispersão ou pura luta ideológica. Nós apostamos no FSM somente como um espaço de debate, uma chuva de idéias. Já é muito importante nesse período histórico ainda de descenso do movimento de massas mundial, que tenhamos espaços de debate de idéias para, pelo menos, consolidar visões comuns, antineoliberais e anti-imperialistas.

Não há um problema de representatividade no FSM e, inclusive, de democracia interna, com movimentos sociais que abrangem a milhões de ativistas em muitos países tendo a mesma voz que organizações não governamentais locais de poucos membros?

Não há problemas nem de representatividade nem de democracia se compreendermos o FSM como um espaço, onde todas as pessoas estão convidadas a participar e dar suas idéias. É um espaço de reflexão, não de decisão, de elaboração programática etc… Por isso, não necessitamos de cuidados de delegação de poder ou representatividade.

O dramatismo que ganhou a mudança climática não obriga o FSM a mudar suas prioridades, seus temas centrais?

Nossa principal preocupação, nesse momento é manter a agenda em torno da luta contra o neoliberalismo e contra o imperialismo. Obviamente que o tema da mudança climática, das agressões ao meio ambiente estão diretamente involucradas com o modelo de desenvolvimento neoliberal e com as necessidades imperialistas. Certamente esse tema terá maior espaço e preocupação de agora em diante, até porque suas consequências sociais e ambientais estão mais evidentes. Coisa que não eram evidentes há três ou quatro anos atrás. No máximo, para alguns investigadores ou profetas como Boff o enxergavam com maior clareza. Então, não é uma questão de prioridade, mas uma questão de enfoque.

A repercussão do FSM, depois do impacto da novidade dos primeiros encontros, parece haver se reduzido. O que falta para se conseguir uma maior incidência política, na vida das pessoas e das sociedades?

Aquilo que reduziu foi o impacto de um evento mundial, que teve a audácia de se contrapor ao evento de Dávos. Isto é verdade. Já passou a fase da novidade. Naquela época, em 2001, ninguém conseguia ter influência nos meios de comunicação, na opinião pública contra o neoliberalismo. Os eventos do FSM serviram também para romper a hegemonia ideológica de total aprovação ao neoliberalismo. Agora, necessitamos gerar espaços de debate mais próximos dos movimentos, das pessoas, dos centros de estudo e das universidades. Por isso, defendemos que o FSM tem que gerar espaços prioritários de debates nos países e regiões.

Além da sua continuidade e fortalecimento: quais são os ganhos do FSM? Influenciou em alguma coisa para modificar o modelo da globalização? Em que?

O principal ganho é congregar intelectuais e dirigentes dos movimentos sociais do mundo todo para refletir sobre os limites e consequências do modelo neoliberal e imperial. Estávamos num período histórico no qual até um amplo setor da esquerda, especialmente da esquerda partidaria, aderiu a certas teses do neoliberalismo. Outros setores se calaram. Em toda a Europa, e também na América Latina, governos de partidos ditos socialistas aplicaram programas neoliberais, a serviço do capital internacional e financeiro. Foi muito importante gerarmos um espaço de contra-hegemonia neoliberal e dar argumentos e reflexões para que os movimentos sociais pudessem sair da confusão ideológica.

Quais são os limites do FSM? Até onde pode chegar a sua contribuição para a mudança social a qual se propõe?

Os limites do FSM são claros e, por isso, não podemos ter a pretensão de ser uma internacional de trabalhadores. Porque não é. Nem tampouco será o comité central que define linhas políticas para todos os demais. Tem que ser um espaço de reflexão. O desafio é que ao redor do FSM, nós, os movimento sociais, e todas as diferentes formas de organização popular devemos aproveitar para articular ações de massa. Acredito que é mais do que necessário que os setores que possuem base social e influência nas massas devem passar para uma nova etapa que é fazer ações de massa, conjuntas, em nível mundial, contra um mesmo alvo. A unidade ideológica que temos é pequena, mas importantíssima: estamos todos contra o imperialismo, as guerras e o neoliberalismo. Agora, em torno dessa unidade mínima, devemos planejar ações de massa, que representem concretamente uma ação contra o Império, as transnacionais, os bancos, os organismos internacionais, como a OMC, Banco Mundial, FMI, TLCs. As manifestações nas ruas foram e são importantes como instrumentos de propaganda de idéias, mas são insuficientes para deter o neoliberalismo. É necessário avançar para concretizar ações de massa contra os inimigos comuns.

Pesquisas sobre o perfil dos participantes mostram que o FSM composto de uma elite cultural, com uma maioria de escolaridade universitaria e das camadas médias. Isso não contradiz os ideais de inclusão e de mudar o mundo?

É natural que seja assim, quando se analisa o Fórum como um evento mundial para debater idéias. Portanto, necessita de recursos econômicos e de certa formação intelectual. Por isso, é que defendemos reduzir esse tipo de atividades e priorizar atividades de outro tipo.

(Tradução do espanhol: Daniel S. Pereira – São Paulo/SP)