Transnacional Bunge montou oligopólio no Brasil

De Iuri Dantas
Da Folha de S. Paulo

A multinacional Bunge, no Brasil desde 1938, montou um oligopólio no setor brasileiro de fertilizantes e vem sendo responsável por altos custos de produção de lavouras como soja e cana-de-açúcar.

Foi esse o diagnóstico do Ministério da Agricultura, após quatro meses de investigação sobre a conduta das empresas e o comportamento do mercado. O governo quer quebrar o suposto oligopólio, usando como base o estudo, obtido pela Folha. A Bunge nega a prática.

Segundo o estudo, o oligopólio é composto ainda pelas multinacionais Mosaic e Yara, que influenciam o preço interno decidindo ora sobre a produção nacional, ora sobre o fornecimento internacional. Isso porque as unidades dessas empresas no exterior vendem boa parte do fertilizante importado pelo Brasil.

O mercado de fertilizantes no mundo movimenta cerca de US$ 60 bilhões anuais -no Brasil, são US$ 7,5 bilhões. O grupo Bunge, com sede nos EUA, inclui ainda alimentos e faturou R$ 18,2 bilhões em 2006 no Brasil. Só a Bunge fertilizantes tem aqui 3.000 funcionários e 60 mil clientes.

O problema se arrasta há anos e indica ausência de uma fiscalização efetiva do governo. As empresas misturadoras de adubo aguardam há meia década que o governo permita a compra de matéria-prima pelo mesmo preço das empresas do suposto oligopólio.

O aumento dos custos agrícolas relacionado com o preço dos fertilizantes tornou-se um problema agudo no ano passado, quando minas da Rússia sofreram inundações. O aumento do plantio na China, que compra 70% dos fertilizantes do planeta, também eleva preços.

No Brasil, as lavouras de soja (33%), milho (17%), cana-de-açúcar (15%), café (8%) e algodão herbáceo (5%) são as maiores consumidoras de fertilizantes, respondendo por 78% do consumo nacional.

A tendência de aumento das cotações e possível escassez de fertilizantes para importantes lavouras como a soja em Mato Grosso levou o ministro Reinhold Stephanes a determinar a investigação.

As conclusões foram apresentadas em dezembro aos outros seis ministros da Camex (Câmara de Comércio Exterior) -integrada por Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento, Itamaraty e Desenvolvimento Agrário. Ficou definido que o assunto era de competência do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por envolver concentração de mercado.

De acordo com o estudo da Agricultura, o suposto oligopólio teve início em 1992, quando a produção de matéria-prima foi privatizada. Até então, a Petrobras detinha o monopólio da produção nacional, por meio da Fosfértil e da Ultrafértil.

As duas empresas foram vendidas para uma única companhia, a Fertifós. A partir daí, a Bunge adquiriu o controle acionário da empresa comprando outras companhias menores. Hoje, a Bunge possui 52,31% da Fertifós e 58,62% da Fosfértil, de acordo com o estudo. A Yara (13,76%) e a Mosaic (23,98%) são minoritárias na Fosfértil, mas têm poder de veto.

No ano passado, o lucro da Fosfértil cresceu 93% em relação a 2006, fechando o ano em R$ 443 milhões. A receita da empresa aumentou 17% -chegou a R$ 2,421 bilhões.

Hoje, o Brasil importa cerca de 74% dos fertilizantes que usa. A forte demanda no setor, aponta a Agricultura, tem feito com que alguns produtores rurais façam contratos mais vantajosos, pagando preços mais baixos. A Bunge diz que possui uma única política de preços.

“Com a união da Bunge e da Fosfértil, a mesma empresa controla a matéria-prima e a indústria. Corre-se o risco de amanhã uma empresa conseguir controlar o mercado”, avaliou Carlos Eduardo Florence, diretor-executivo da Associação dos Misturadores de Adubos do Brasil.

Para Eduardo Daher, da Associação Nacional de Distribuidores de Adubos, o mercado internacional dita o preço dos fertilizantes no Brasil. “O aumento da demanda de fertilizantes, sobretudo nos últimos dez anos, fez com que o Brasil viesse aumentando cada vez mais a dependência dos fornecedores internacionais.”

Empresa está em 30 países e tem 22 mil empregados

Presente em 32 países, a Bunge -um dos maiores processadores de sementes mundial- abastece o mercado sul-americano com fertilizantes e transporta e processa sementes, grãos e outras commodities agrícolas em todo o mundo.

O grupo, que tem mais de 22 mil funcionários, atua na produção de alimentos para indústria e consumidor e abastece com alimentos e serviços a indústria de biocombustível.

A divisão de fertilizantes da empresa está focada e sediada no Brasil e tem operações na Argentina.
No ano passado, a empresa teve lucro líquido de US$ 778 milhões, aumento de 49% em relação a 2006. Também em 2007, houve expansão das operações na China, nas Américas e na Europa, a compra da primeira usina de cana e a formação de uma joint-venture com a empresa marroquina de fertilizantes OCP, que fornecerá matéria-prima para fertilizantes.

Bunge nega a acusação e vê erro em estudo

O presidente da Bunge, Mário Barbosa, negou a acusação de oligopólio, defendeu a posição de liderança no mercado com investimentos que superam US$ 1 bilhão e disse que empresa investe há 70 anos no país.

“Faz 70 anos que estamos investindo no Brasil, em fertilizantes. É evidente que, nestes 70 anos, a gente tenha uma posição razoável. Se não tivesse, teria alguma coisa completamente errada”, disse.

Segundo Barbosa, o Ministério da Agricultura cometeu erros em seu estudo, principalmente em relação à participação da Bunge na Fosfértil. Segundo a Agricultura, a Bunge teria 58,62% da empresa, mas Barbosa diz que é algo em torno de 41%.

Ele considerou “estranha” a acusação de oligopólio no setor. “Estranho isso, porque existem no Brasil milhares de empresas que podem importar fertilizantes”, disse.

Segundo o presidente da Bunge, o preço dos fertilizantes ao fazendeiro nacional segue os valores internacionais. “O Brasil é tomador de preço no mercado internacional. Há algum equívoco de interpretação. No Brasil nenhuma empresa consegue impor preço”, apontou.

Barbosa assinalou que a Mosaic e Yara, que também possuem participação acionária na Fosfértil, dificultavam a ampliação da produção nacional, já que ambas são multinacionais e possuem produção lá fora, que vendem ao Brasil. “Os interesses da Mosaic e da Yara geravam conflitos. A Bunge sempre defendeu o aumento da produção nacional”, disse.

As duas empresas teriam mudado o comportamento nos últimos dois anos, devido ao maior apetite da China pelos fertilizantes. Um aumento de 10% no consumo chinês representa metade do que o Brasil utiliza em um ano. Apesar de ser o maior produtor de grãos do planeta, o Brasil é o 4º consumidor de fertilizantes.

O presidente da Bunge não vê problemas na idéia do governo de estimular duas novas plantas industriais no Brasil para a produção de fertilizantes compostos. “Tendo as mesmas regras da iniciativa privada, não vejo problema. Cada um que faça o seu investimento e corra o seu risco”, disse.

A Mosaic, braço da Cargill em fertilizantes, e a Yara foram procuradas na sexta-feira, por intermédio de suas assessorias de imprensa. Nenhuma das duas se manifestou até a conclusão desta edição.
As marcas da Bunge conhecidas pelo consumidor são as margarinas Delícia, Primor, Soya, Cyclus; os óleos Soya, Primor, Salada e Cyclus; as maioneses Primor e Soya; e azeites Delícia e Andorinha.