Stedile vê contra-reforma agrária no País

Do Estado de S. Paulo

Após seis anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não cumpriu sua promessa de pôr em andamento uma ampla reforma agrária. Pelo contrário, houve um retrocesso: a propriedade da terra ficou mais concentrada no seu governo.Essa é a opinião de João Pedro Stedile, ideólogo e dirigente do Movimento dos Sem-Terra (MST) e amigo de Lula, a quem apoiou em todas as campanhas eleitorais.

Em entrevista ao Estado, transmitida ao vivo pela TV Estadão na internet, na quinta-feira, o dirigente do MST voltou a defender as invasões de terras e disse que qualquer propriedade com mais de mil hectares está sob suspeição. A seguir, os principais trechos da entrevista – que pode ser vista na íntegra no site www.estadao.com.br.

INVASÃO DE FAZENDAS

“A terra é um bem da natureza. Não é fruto do trabalho de ninguém. Eu duvido que algum fazendeiro com mais de mil hectares prove que comprou aquela terra pelo seu trabalho, porque isso é impossível. Todas as grandes propriedades do Brasil não foram originárias do trabalho. Ou são apropriação de terra pública, ou grilagem, ou compra fajuta ou expulsão de posseiro.”

PROPRIEDADE

“A terra deve ser de todos, não do capitalista. Não é uma propriedade absoluta. A Constituição brasileira estabelece que pesa sobre a terra uma função social, que é a produção de alimentos, a garantia de trabalho, o respeito ao meio ambiente. Ninguém pode fazer o que quiser com a terra – porque ela pertence à sociedade.”

GOVERNO LULA

“Os movimentos sociais e a esquerda brasileira passaram 20 anos idealizando que bastava o Lula chegar ao poder para que os problemas fossem resolvidos. Assumo a autocrítica. Fiz parte dessa geração que se iludiu. Agora caiu a ficha. Não basta o homem nem o partido. Para que um governo seja popular é necessário que as forças organizadas do povo exerçam pressão sobre o Estado e exerçam o governo de fato.”

REFORMA AGRÁRIA

“Nesse campo o governo Lula não avançou nada. Porque reforma agrária acontece quando são tomadas medidas de Estado que democratizem a propriedade da terra. Temos dados que mostram o contrário: nos últimos seis anos aumentou a concentração da propriedade agrária. O que está em curso no Brasil é uma contra-reforma.”

ENCONTRO COM LULA

“Ele nos ouviu durante duas horas e no final disse que iria encaminhar nossas reclamações aos ministros. Eu disse a ele para tomar cuidado com o milho transgênico, que só interessa à Monsanto e à Bayer. Se aprovar, eu disse, você vai entrar para a história como puxa-saco das multinacionais.”

ASSENTAMENTOS

“Existem alguns assentamentos que nos envergonham. Mas na grande maioria ninguém mais passa fome, todo mundo tem escola, há trabalho para todos.”
ESPERANÇA FRUSTRADA

“Nós do MST tínhamos esperanças de que o governo Lula fosse animar as massas. Mas aí nos demos conta de que os ciclos da luta de classes não dependem do governo.”

OS CICLOS DA LUTA

“Cada vez que um partido de esquerda ganha as eleições, é como parte do acúmulo de forças populares. E onde isso acontece é gerado um clima de maior agitação social, maior mobilização. Mas isso não aconteceu aqui. Por quê? Porque Lula ganhou no refluxo do movimento de massa. Na história recente da luta de classes no Brasil, tivemos vários ciclos. O primeiro foi de 1900 a 1935, quando se perdeu a luta. Houve então um refluxo, que durou até 1945, quando o movimento de massas tornou a ascender. Esse movimento durou até 1964, quando ocorreu uma disputa de projetos, na qual perdemos para a ditadura. Veio novo descenso, até 1979, quando a crise industrial no País resultou no ressurgimento da CUT, no nascimento do PT, do MST. Isso durou até 1990. A derrota do Lula para o Collor não foi uma derrota eleitoral – foi a derrota de um projeto. O neoliberalismo e a burguesia derrotaram a classe operária brasileira, produzindo o refluxo no qual estamos até hoje.”

APATIA

“O Bolsa-Família atende 20% dos mais pobres. Resolve um problema social, porque essas famílias estavam na miséria absoluta; mas, de certa forma, também acomoda essas famílias. O programa gerou apatia nas famílias pobres. Deveria ser um programa transitório, combinado com outro programa, que levasse empregos.”

JOSÉ RAINHA

“Ele chegou a ser da direção nacional do MST. Mas começou a trilhar um caminho que não respeitava mais as instâncias às quais estava vinculado. Optou pelo auto-afastamento e foi constituindo seu próprio grupo no Pontal do Paranapanema. É um líder de massas.”

MONOCULTURA

“O monocultivo do eucalipto e da cana pode dar muito lucro para o seu dono, mas não cumpre a função social da terra. Não gera emprego, agride o meio ambiente e exaure os recursos naturais. Por causa disso pode ser desapropriado.”