Soberania na produção de alimentos é riqueza das mulheres camponesas

Da Via Campesina Internacional

Na Áustria, onde a agricultura é relativamente pequena, as mulheres são freqüentemente responsáveis pela produção, enquanto o homem trabalha fora. É assim na propriedade de Johanna. Ela tem aproximadamente 30 vacas leiteiras, alguns porcos e galinhas, principalmente para o consumo da família. Também tem uma horta.

A sua produção é orgânica, assim como 38% de todas as propriedades na região, o que é muito especial na Europa. A atividade de Johanna reflete a situação de milhões de mulheres no mundo, cuja principal atividade é garantir a subsistência da família e da comunidade.

Na verdade, muitas agricultoras observaram que quase sempre os homens estão envolvidos na produção agrícola quando esta se integra a “economia visível”, que traz dinheiro, integrada ao sistema de comércio, enquanto as mulheres participam da “economia invisível”, que é absolutamente essencial para a sobrevivência das pessoas, mas que não é nem economicamente viável nem socialmente reconhecida como tal.

A agricultura de “subsistência” alimenta o mundo, e não agricultura corporativa industrial. Mesmo assim, o poder está nas mãos do segundo grupo, na maioria das vezes liderado por homens. Essa contradição foi o centro de nossas discussões.

O poder está diretamente ligado ao controle sobre os meios de produção, principalmente a terra. Assim, muitas participantes sublinharam as dificuldades das mulheres em ter acesso aos recursos produtivos.

Por exemplo, na Nicarágua, somente 2% de toda a terra está em mãos de mulheres, o que leva a maior parte delas a depender de seus maridos para poder cultivar.

Em Burkina Faso, enquanto as mulheres são responsáveis pela maior parte do trabalho agrícola, ligado à produção de milho, elas não tem acesso a moedeiras e não recebem nenhuma receita pela venda.

Portanto, são totalmente dependentes do dinheiro que seus maridos decidem dar. No entanto, essa situação não ocorre somente nos países do sul. Na Europa também poucas agricultoras têm o status oficial de agricultora, apesar de fazer todo o trabalho na propriedade.

Por isso, elas só têm acesso a direitos sociais como esposa de um agricultor (principalmente para aposentadoria, seguro social etc), o que dificulta muito as coisas quando o casal se separa. Mesmo dentro das nossas organizações, se as mulheres não lutam por igualdade, não conseguem participar da tomada de decisões.

Economia de subsistência solapada

Não é somente a questão da luta por direitos em relação ao homem, mas também – e talvez principalmente -, a questão da luta para defender e fortalecer a economia de subsistência em relação a economia comercial.

No seminário sobre Alimento e Poder, organizado pela Via Campesina, na Áustria, entre 22 e 24 de fevereiro, cerca de 100 agricultoras de 16 países do mundo destacaram fortemente os ataques dos interesses corporativos pelo controle de recursos naturais (terra, água, sementes e conhecimento) e para evitar que os agricultores e agricultoras vivam da agricultura familiar sustentável.

Por exemplo, na Romênia, e na Galícia, a venda de produtos dos camponeses e camponesas nos mercados locais tem de cumprir com regras impossíveis de serem atingidas, após o seu ingresso na União Européia, o que tem impedido muitas mulheres de obter uma renda.

Em todas as partes do mundo, as empresas de sementes pressionam por novas leis que proíbam agricultores e agricultoras de usar as suas próprias sementes e, conseqüentemente, os tornam completamente dependentes da indústria.

A destruição da economia de subsistência está sendo feita também em nome do “conhecimento especializado”, que é mantido por cientistas que são mais ou menos dependentes dos interesses corporativos. Uma mulher austríaca nos descreveu a dificuldade em vender leite, porque as autoridades sanitárias austríacas estavam promovendo a idéia de que o leite cru é perigoso para a saúde.

Da mesma forma, muitas pequenas propriedades não podem mais abater animais, por causa de regras sanitárias. As mulheres são as primeiras vítimas deste “poder especializado”, que nega a sua capacidade de saber o que é bom ou mal e que proíbe que atuem fora da estrutura das corporações.

Diante desses obstáculos, todas as participantes enfatizaram que o poder que elas querem não é para controlar a vida das outras pessoas, mas, sim, para poder decidir sobre as suas próprias vidas. A produção de nossos próprios alimentos é, diante disso, um elemento chave. “Se podemos produzir nosso próprio alimento, então somos ricas!”, disse uma mulher.

As agricultoras compartilharam seu orgulho de produzir alimentos para a sua comunidade, cuidando da terra onde vivem e implementando e compartindo conhecimentos ligados à produção e processamento de alimentos. Elas se comprometeram a lutarem juntas para poder continuar cultivando a terra e criando animais, pela igualdade com os homens e para deter o poder corporativo contra os nossos sistemas alimentares.