Bahia bate recorde de ocupações no estado em 2007

Por Paulo A. Magalhães

O MST da Bahia teve em 2007 um número recorde de ocupações, segundo avaliação do membro da direção estadual, Evanildo Loures Costa. As 93 ocupações ocorridas durante o ano, em 72 municípios, mobilizaram mais de 18 mil famílias. São mais de 25 mil famílias em cerca de 228 acampamentos. O MST-BA tem ainda 123 assentamentos, com cerca de 9 mil famílias.

“Pretendemos dobrar o número de famílias nos acampamentos e fazer grandes lutas de massa para que possamos pautar a reforma agrária no estado e pressionar os governos estadual e federal a cumprirem com seus compromissos assumidos”, projeta Evanildo para este ano.

Ainda há no estado casos emblemáticos, como os acampamentos Santa Luzia em Arataca, que em seus 10 anos sofreu 16 despejos violentos, Itatiaia em Guaratinga, que em 10 anos sofreu 16 despejos, Carlos Marighela em Ipiaú, que em 12 anos sofreu 17 despejos, e o Rosa do Prado, no Prado, com mais de 15 anos e 19 despejos.

Evanildo acredita que o Nordeste concentra a maioria dos acampamentos do Brasil porque “o nordestino é um povo mais sofredor, menor priorizado em educação e emprego”.

A Bahia lidera em quantidade porque é um dos estados que mais possui concentração de terra, como afirma: “Só a Veracel e a Aracruz têm mais de 700 mil hectares de terra só com eucalipto, a cana também está chegando na região. São monoculturas que não geram emprego e expulsam o povo do campo, criando um grande contingente de desempregados, que vão pros centros urbanos inchar as favelas”.

Segundo ele, “o nosso desafio aumenta a cada dia, de organizar o povo menos favorecido, pois só com organização e mobilização popular é que os trabalhadores conquistarão sua dignidade”.

Descenso nos movimentos sociais

Evanildo analisa que houve um aceleramento do descenso dos movimentos sociais durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. “FHC trabalhou com três táticas: cortar os recursos da reforma agrária, cooptar os movimentos sociais e liquidar quem não aceitava a cooptação, com tentativas de desmoralizar e criminalizar, a fim de justificar qualquer tipo de repressão”.

Neste período, em 17 de abril de 1996, aconteceu o emblemático massacre de Eldorado dos Carajás, quando 19 trabalhadores rurais sem terra foram barbaramente assassinados pela polícia, em um saldo sinistro que ainda deixou 69 mutilados e centenas de feridos. O professor Bernardo Mançano Fernandes denuncia também a manipulação de dados feita pelo governo da época, em que assentamentos da década de 80 eram apresentados como novos para rechear as estatísticas: “A clonagem representou a astúcia do governo FHC em produzir dados para atender as metas”.

Expectativas e frustrações

A eleição de Lula, segundo Evanildo, provocou uma grande expectativa, e muitas pessoas que tinham “se inscrito para fazer a reforma agrária pelo correio” decidiram se juntar ao movimento e participar de ações de massa. “Fizemos grandes ocupações em beira de BR, mas muitos companheiros se frustraram pela falta de conquistas e dificuldade de produzir nestas condições”. Outro fator de desmobilização foi a Medida Provisória editada por FHC em maio de 2001 e ainda não revogada por Lula, que impede o latifúndio ocupado de ser desapropriado por dois anos. Analistas apontam ainda que a ampliação de programas sociais como o Bolsa Família pode ter contribuído para a acomodação e arrefecimento da luta por parte de um setor da população.

A reeleição de Lula e a eleição de Jacques Wagner na Bahia, que sepultou uma hegemonia de 16 anos de “carlismo” no Estado, criaram uma nova expectativa para os movimentos sociais, que voltaram a massificar suas ações em atividades como o II Fórum Social Nordestino, que reuniu de 6 a 10 mil participantes em agosto de 2007, em Salvador. O MST-BA, além de ampliar as ocupações e voltar a fazê-las dentro do latifúndio, efetuou uma série de ocupações simbólicas de prefeituras, órgãos públicos e multinacionais.

A ocupação da Petrobrás em S. Sebastião do Passé garantiu os recursos para a abertura do curso de Agronomia. A do Projeto Salitre e da Suzano Papel e Celulose vieram questionar a exportação de água via agronegócio, em detrimento da agricultura familiar. A ocupação da Fazenda Mariad, em Juazeiro, veio pressionar o governo pela desapropriação de terras envolvidas com o tráfico de drogas. A marcha de Feira de Santana a Salvador (a maior já realizada no estado, com cerca de 5.000 pessoas) conseguiu aprovar uma ampla pauta de reivindicações com o governo estadual, debater e propagandear a reforma agrária com a sociedade. As lutas contra a transposição do Rio São Francisco tiveram contribuições de movimentos e entidades de todo o país.

Repressão

O início do governo Wagner também foi marcado por uma das mais violentas desocupações já ocorridas no estado, a da Fazenda Conjunto Aliança, em Itapitanga. As 150 famílias que estavam no local receberam a reintegração de posse e começaram a se retirar pacificamente. A Companhia de Ações Especiais da Região Cacaueira (CAERC) cercou o último caminhão e começou a agredir os trabalhadores com spray pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha e golpes de cacetete, espancando-os em plena praça pública.

Vinte e quatro militantes foram detidos e quatro deles foram sistematicamente torturados na delegacia de Itapitanga durante quatro horas. O dirigente regional Isaías Nascimento teve sua prisão preventiva expedida na hora, e passou 13 dias na Penitenciária de Ilhéus.

“Pocaram minha cabeça com o cacetete, sangrou tanto que me levaram pro hospital onde levei 14 pontos. Depois continuaram nos batendo na delegacia, fazendo pressão psicológica, durante mais de quatro horas. Aí me botaram em cima da Ranger da Caerc pra sair desfilando pela cidade e ir me batendo na frente do povo, pra que o povo da cidade visse e não voltasse pro acampamento. Queriam que eu repetisse uma palavra de ordem que eles inventaram na hora: não ‘vamo’ invadir terra não, a Caerc é porradão!”, conta Isaías.

A traumática desocupação, articulada por fazendeiros locais, aliados a políticos e juízes, gerou uma troca de comandos na região e alguns oficiais deixaram de ser promovidos. O governo da Bahia, por meio da Casa Militar, vem construindo uma mediação de conflitos, dialogando com os movimentos sociais e tentando esgotar as possibilidades de diálogo antes de usar a força policial em ações de reintegração de posse.

“Pelo seu perfil e origem, o governo popular fica inibido de tratar os movimentos através da polícia, e tem criado mecanismos para esgotar o dialogo antes de usar a repressão”, comenta Evanildo Costa. “O Poder Judiciário, através da sua estrutura montada há 500 anos, a serviço da propriedade privada, do capital estrangeiro e das grandes elites, sempre concede liminares de despejo, além de ameaçar de processo administrativo os comandos de polícia que buscam a negociação”.

Com a globalização do capital, os velhos latifundiários vêm se unindo cada vez mais às grandes empresas multinacionais, tornando o agronegócio um inimigo cada vez mais poderoso e perverso. Onde não conseguem mobilizar o Estado para reprimir os trabalhadores, contratam os tradicionais pistoleiros ou as modernas empresas particulares de segurança, como ocorreu em outubro passado no Paraná, quando forças de segurança a serviço da “Syngenta Seeds” invadiram um acampamento a tiros, assassinando o companheiro Keno (Valmir Mota de Oliveira) e deixando inúmeros feridos.