Transgênicos para dominar agricultura

Por Igor Felippe Santos O Conselho Nacional de Biossegurança ratificou a decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), de fevereiro, e liberou o plantio e comercialização de duas variedades de milho transgênico. As sementes geneticamente modificadas são a Guardian, da Monsanto, e a Libertlink, da Bayer. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apresentaram recursos em defesa da proibição, porém foram ignorados.

Por Igor Felippe Santos

O Conselho Nacional de Biossegurança ratificou a decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), de fevereiro, e liberou o plantio e comercialização de duas variedades de milho transgênico. As sementes geneticamente modificadas são a Guardian, da Monsanto, e a Libertlink, da Bayer.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apresentaram recursos em defesa da proibição, porém foram ignorados.

“Os órgãos cometeram uma leviandade ao liberar o milho sem precaução de faixas e distâncias de diferentes cultivos, rebaixando os critérios a um nível que é impossível garantir que não vai haver contaminação”, avalia o integrante do setor de produção do MST, Pedro Christoffoli.

Para ele, os transgênicos têm impactos na biodiversidade, no consumo humano e, especialmente, operam uma alteração no modo de produção agrícola. “A transgenia é introduzida e controlada pelo grande capital, que tem interesse em apontar o rumo da agricultura para garantir a obtenção de lucro e a apropriação do trabalho das pessoas”, explica.

Leia a seguir a entrevista com Pedro Christoffoli, que também é pesquisador do curso de doutorado em desenvolvimento sustentável da Universidade de Brasília (UnB), onde estuda os efeitos da introdução de soja transgênica no país.

Qual a sua avaliação da aprovação de duas variedades de milho transgênico?

Houve uma alteração da lei de composição e votação da CTNBio, promovida pelo governo Lula, que facilitou o processo de autorização. Eles agora têm praticamente porteira aberta. A liberação foi irresponsável por causa do rebaixamento de todas as exigências em relação ao ambiente e à contaminação genética. Temos dois tipos de situação: plantas de fertilização com cruzamento entre plantas e outras que se auto-fertilizam de forma fechada. O milho tem uma fertilização aberta, com o pólen viajando a distâncias grandes.

O impacto da liberação do milho é maior que da soja?

A polinização da lavoura de soja com outras vizinhas é menor, sendo o impacto do milho mais grave. Como a América Latina é a região de origem genética do milho, a liberação pode contaminar as fontes naturais de genes, comprometendo o futuro da humanidade. No caso do Brasil, representa um risco de contaminação de um enorme estoque de sementes crioulas, com base genética ancestral dos povos indígenas.

O CNBS e a CTNBio levaram em consideração esse quadro?

Os órgãos cometeram uma leviandade ao liberar o milho sem precaução de faixas e distâncias de diferentes cultivos, rebaixando os critérios a um nível que é impossível garantir que não vai haver contaminação. Vamos, com certeza, verificar nos próximos anos, a ocorrência de registros de contaminação no país.

As pequenas propriedades produzem 54% do milho no país. É possível a coexistência da produção orgânica e transgênica?

Existe um risco muito grande de expansão da contaminação nestes casos. É só andar pelas estradas para observar que no transporte do milho em caminhões, há uma perda de sementes e grãos, que caem na beira de estradas, germinam e se reproduzem naturalmente. Não existe garantia de retenção. Há um problema de contaminação pelo pólen, ventos e pássaros. Também existe o plantio inadvertido, com a distribuição de sementes e grãos para agricultores que não sabem que se trata de transgênicos.

Quais são as conseqüências da expansão deste plantio?

Um problema é a perda da biodiversidade, com a contaminação do milho crioulo. Outro problema é que a transgenia é introduzida e controlada pelo grande capital, que tem interesse em apontar o rumo da agricultura para garantir a obtenção de lucro e a apropriação do trabalho das pessoas. O agricultor pode plantar seu milho crioulo, que pode ser contaminado e terá que pagar royalties à empresa que detém a patente. Isso encarece a produção, inviabiliza agricultores que não têm interesse no plantio de transgênicos e consolida a apropriação do trabalho do agricultor pelo grande capital.

Como se dá esse processo de consolidação?

Vamos analisar a seguinte situação: eu sou agricultor, estou no interior do país e produzo para o mercado local. Planto milho crioulo e, se houver contaminação, no momento de comercialização será feito um teste para identificar se é transgênico. Se for transgênico, mesmo via contaminação, terei que pagar royalties. Com isso, agricultores terão que destinar parte do seu trabalho para transnacionais, aumentando a taxa de exploração. Mesmo distante da sede da Monsanto, serei explorado sem a existência de qualquer relação formal. É o grande salto que os transgênicos representam da ótica do capital.

Também não existem estudos que garantam que os transgênicos não terão efeitos na saúde humana e na natureza.

Existem muitas dúvidas com relação à estas questões, pois a interação com a natureza é muito complexa. Depois da introdução dos transgênicos, não é possível retirá-lo da cadeia. Uma aplicação de agrotóxicos com o tempo perde o efeito. Já os transgênicos entram em processo de auto-reprodução, porque é um ser vivo. Não será possível reverter os efeitos da introdução de algum transgênico que cause problemas ainda não percebidos. A contaminação da natureza se apresenta em um patamar não conhecido anteriormente.

Os transgênicos estão avançando em uma velocidade que não é possível para o Estado e para a sociedade regular?

O governo tem condições de fazer um certo nível de regulação, mas o problema é que o Estado baixou a guarda e deixou de proteger a sociedade e tomar medidas de precaução. Existe o chamado “princípio de precaução”, aceito internacionalmente, segundo o qual é necessário tomar todas as medidas para proteger a população para evitar danos quando persistem dúvidas legítimas a respeito de determinado produto. Esse princípio foi abandonado pelo governo brasileiro e está sendo abandonado por outros países em benefício do grande capital e das grandes empresas.

O que você acha dos transgênicos como tecnologia?

Não sou contra a transgenia, enquanto técnica e processo, mas contra a apropriação privada da natureza e contra a liberação de transgênicos sem análise, pesquisa e fundamentação, que possa colocar em risco a saúde, o ambiente e também a sustentabilidade econômica das comunidades rurais. A transgenia pode representar um avanço, permitindo a manipulação de elementos da natureza em benefício do desenvolvimento, desde que cercada de uma série de preocupações. Pode-se utilizar a transgenia para desenvolver cultivos resistentes à seca no nordeste, para a salinidade do solo ou para aumentar a produtividade de determinados produtos. A questão colocada atualmente não é ser contra a transgenia em si, mas nos cercar de precauções em relação ao ambiente, à saúde e à autonomia econômica dos agricultores para que a sociedade possa direcionar a técnica. Temos como exemplo Cuba, que pesquisa transgênicos, mas tem uma rigidez forte em relação a esses princípios.

O que podemos fazer para resistir à expansão dos transgênicos?

Uma tática para minimizar os impactos é avançar na legislação para a criação de zonas de exclusão de transgênicos, reservando algumas regiões que tenham biodiversidade, sementes crioulas e uma base genética ancestral, onde poderemos produzir sementes livres e fornecer para outras regiões. Dessa forma, teremos chances de manter uma parte da agricultura livre da contaminação. No entanto, o Estado teria que ser extremamente rigoroso nessas regiões para coibir o plantio de transgênicos.

Você acredita que o Estado pode ter interesse em criar essas zonas?

Não percebemos vontade do Estado brasileiro, que tem sido conivente com o plantio ilegal de transgênicos. As transnacionais também têm silenciado nos casos de introdução ilegal, como fez a Monsanto com a soja. Fecharam os olhos para o uso ilegal e não tomaram nenhuma atitude. Logo depois, forçam a liberação dos transgênicos. O processo não tem controle, uma vez que é deliberadamente ilegal.

O uso de transgênicos por pequenos agricultores é viável dentro do modelo do agronegócio ou pode acabar com a própria natureza da produção em pequena escala?

O problema tem um fundo econômico por conta da dependência do cultivo de grãos, que inviabiliza a pequena propriedade. A mecanização abre a possibilidade de uma pessoa trabalhar em centenas de hectares. Ou seja, a produtividade dessa pessoa é violenta, comparada à agricultura familiar. Foi vendida a ilusão aos pequenos agricultores de que os transgênicos viabilizariam a produção. Isso é mentira, porque não se altera substancialmente a competitividade quando o transgênico se torna dominante.

Como assim?

O pequeno agricultor segue sendo inviável como produtor de grãos, como soja e milho. Não tem como se sustentar nessa base produtiva. A nossa estratégia deve ter duplo sentido: diversificação econômica e produção orgânica, que pode acrescentar um sobre-preço. Os transgênicos não criam condições para baixar preços e aumenta o custo. Há casos também de aumento de resistência ao herbicida glifosato, usado na soja, fazendo necessário o uso de doses maiores. A prioridade dada pelos pequenos agricultores à produção de grãos e transgênicos acaba por aprofundar o modelo que vai levá-lo à ruína.

Nesse quadro, qual o caminho para os pequenos agricultores?

Precisamos buscar estratégias de diversificação, que é mais viável dentro da agroecologia e da produção orgânica, permitindo baixar custos, produzir alimentos melhores e garantir o respeito à natureza. Além disso, precisamos trabalhar com cooperação, que pode criar condições para enfrentar a escala dos grandes, dentro dos nossos limites.

Já foi aprovado o cultivo e comercialização de soja, milho e algodão transgênicos no país. Qual o quadro geral desse tipo de produção?

A soja passou por um processo maior de expansão e, de acordo com estimativas do agronegócio, mais da metade da área plantada é transgênica. Os números são duvidosos, mas houve uma expansão. O milho tende a se expandir em regiões onde as pragas causam danos significativos. O problema não é a expansão direta, mas a contaminação. Tem também o algodão transgênico, que deve expandir em diversas regiões pelo impacto em relação aos inseticidas e deve se transformar em dominante.

Do lado das grandes empresas, qual o significado dos transgênicos?

A busca do capital é pelo maior lucro possível, que será obtido às custas de maior exploração do trabalhador ou da natureza. No dia-a-dia, nos deparamos com o uso de trabalho escravo, devastação da Amazônia, poluição de rio e fontes de água, pulverização de agrotóxicos de aviões, inclusive em cidades. A lógica do capital é extremamente problemática e dirige a tecnologia dos transgênicos. Não estamos falando do potencial positivo dos transgênicos, mas da ampliação de lucros das grandes empresas. O advento dos transgênicos foi possível por causa de dois movimentos: o desenvolvimento da engenharia genética e o controle legal com o patenteamento de seres vivos. A questão de fundo é a mudança na lógica da exploração do capital na agricultura, que chamamos de subordinação formal do trabalho do agricultor e da natureza, por meio da apropriação privada do capital.