Secretaria reavalia impactos de carvoarias da Vale

Da Agência Brasil

As imagens da ocupação da Fazenda Monte Líbano por militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ganharam o país, mas a motivação do protesto não teve a mesma repercussão. O empreendimento pertence à siderúrgica FGC (Ferro Gusa Carajás) que, por sua vez, faz parte do conglomerado da mineradora Vale.

Era sábado, 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Aquele final de semana fora escolhido para a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres do MST e da Via Campesina que abarcou manifestações em outros 17 estados do país. As centenas de famílias que moram no Assentamento Califórnia, em Açailândia (MA), ao lado da fazenda da FGC, decidiram protestar contra os danos causados pela fumaça expelida de 71 fornos. O empreendimento da siderúrgica produz, desde 2005, 47 mil toneladas de carvão vegetal por ano.

A Vale emitiu uma nota na própria data do ocorrido classificando o ato como “ação criminosa de extrema violência”. O comunicado sustenta que “os invasores depredaram as instalações da Fazenda Monte Líbano”, produtora de carvão vegetal que transforma e faz parte da composição do ferro-gusa derivado do minério do complexo de Carajás. Os manifestantes, completou a nota da companhia, “listaram reivindicações, nos discursos dentro da propriedade da empresa, que não guardam qualquer relação com a Vale”. A empresa ainda emendou: “Cabe aos governos estadual e federal a condução do processo de negociação com esses manifestantes sobre temas sociais e econômicos”.

Os assentados relatam que, em função da fumaça, sofrem com problemas respiratórios, fortes dores de cabeças, irritação nos olhos, cansaços físicos, sinusites e outros distúrbios. Acrescentam ainda que mais de 30 pessoas já tiveram que ir ao posto médico localizado no centro de Açailândia (MA), a 12 km do assentamento. “Sou operado da vista e devido a fumaça os meus olhos ficam o tempo todo cheio de lágrima”, relatou Francisco Ribeiro Leite, lavrador, 63 anos, morador do Assentamento Califórnia, à Repórter Brasil.

“O que falta é alguém que tome providência em relação à fumaça, que está matando o povo aqui”, relata Maria Lopes da Silva, 34 anos, mãe de três filhos. Ela mora há 11 anos no assentamento. “Se não houvesse esta empresa aqui, o assentamento seria bem diferente”, afirma outro assentado José Luís da Silva Costa, 32 anos. “Teríamos uma vida melhor, uma respiração melhor”.

A avaliação dos assentados é que, apesar da divulgação maciça das cenas da ação direta dos militantes contra as instalações da empresa e da interrupção do tráfego na Rodovia Belém-Brasília (BR-010), o saldo do protesto de 8 de março foi positivo. Eles declaram que, ao adotar esse tipo de manifestação, podem até perder alguns aliados na sociedade, mas que não poderiam “ficar calados diante de um problema grave como este”. Os assentados garantem que, entes de ocupar a fazenda, encaminharam pedido de providências aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, ao Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), às secretarias estadual e municipal do Meio Ambiente, aos conselhos municipais de Saúde e da Criança e do Adolescentes, à Vigilância Sanitária, à prefeitura e à Câmara Municipal de Açailândia.

As atividades da Monte Líbano estão amparadas por meio de um licenciamento ambiental concedido pela Sema (Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão), argumenta o presidente da FGC, Pedro Gutemberg. Ele relata ainda que, para conseguir a licença, a empresa elaborou um estudo de impactos ambientais e sociais antes de dar início à produção de carvão vegetal.

Em entrevista à Agência Brasil, Gutemberg afirmou que o incômodo causado pela fumaça da carvoaria é “esporádico e de baixa intensidade”. À Folha Online, o presidente da FGC disse que a Vale está buscando “soluções tecnológicas” que reduziriam essa emissão dos gases.

Promessa semelhante foi ouvida pelo promotor que atua na área de proteção ao meio de ambiente na região de Açailândia, Marco Aurélio Fonseca, que já teve uma conversa informal com representantes da FGC por conta de uma representação dos assentados da Califórnia que chegou ao Ministério Público do Maranhão em novembro de 2007. Marco Aurélio disse à reportagem que espera uma proposta mais concreta de instalação de novos equipamentos para reduzir o nível de poluição por parte da empresa, ainda nesta primeira quinzena de abril. Depois, adiantou, levará a proposta aos assentados. “Vou buscar uma solução negociada”.

A reclamação sobre os impactos da fumaça também reverberou na Conferência Regional de Meio Ambiente, ocorrida no dia 15 de fevereiro em Açailândia. Diante das intervenções dos assentados no evento, a Sema decidiu designar dois analistas ambientais para fazer uma reavaliação acerca dos possíveis impactos gerados pelo empreendimento. Um dos analistas destacados pela secretaria estadual, Cesar Carneiro confirmou que a produção de carvão vegetal na Monte Líbano está de fato respaldada por uma licença de operação, uma LO, que foi renovada no ano passado e tem validade até 2010.

O analista pondera, no entanto, que “é possível que, mesmo a partir de uma atividade lícita, nasça o dever de reparar um dano”. “Não apenas as atividades ilícitas ou irregulares [sem o devido licenciamento ambiental] provocam danos. Também atividades lícitas, com o necessário licenciamento, são passíveis de causar danos e, se os causam, estes podem e devem ser reparados”, esclarece. Tendo como referência a Resolução 237 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) , a Sema, conforme a explicação de Cesar, poderá modificar os termos da licença já concedida, “principalmente para prevenir ou atenuar riscos ambientais e a saúde”.

Ele declara, porém, que ainda não concluiu, juntamente com a analista Claudia Dominice, o exame de toda documentação técnica fornecida pela FGC, “pois os estudos e laudos estão distribuídos em vários volumes que integram os processos administrativos que redundaram na expedição das licenças para funcionamento”. A dupla deve concluir parcialmente a análise ainda nesta semana. Mas Cesar lembra que “um parecer técnico conclusivo somente poderá ser emitido após uma visita técnica à unidade de produção de carvão vegetal localizada na Fazenda Monte Líbano e no povoado localizado no Assentamento Califórnia, ambos em Açailândia”.

Eucalipto

Além dos impactos mais diretos sobre o organismo, os militantes do MST criticam também a expansão do monocultivo de eucalipto na região que, segundo eles, aumenta o poder do setor do agronegócio e faz com que os produtores familiares sejam cada vez mais pressionados. “O prejuízo e as conseqüências do eucalipto nós veremos daqui a alguns anos”, coloca o assentado José Luis.

Só a FGC está plantando eucalipto numa área de 80 mil hectares em propriedades próprias espalhadas por oito municípios maranhenses: Açailândia, Buritirana, Cidelândia, Governador Edison Lobão, Imperatriz, São Francisco do Brejão, São Pedro da Água Branca e Vila Nova dos Martírios. Ao todo, a siderúrgica possui cerca de 150 mil hectares plantados de eucaliptos, no Maranhão e no Pará.

Sobre o cumprimento da preservação da Reserva Legal de 80% de mata nativa, a empresa diz que reflorestou com eucalipto áreas anteriormente utilizadas para pastagens – o que não a exime do descumprimento da legislação ambiental – e tem averbadas no Cartório de Registro de Imóveis as áreas de Reserva Legal de suas propriedades.

O Assentamento Califórnia foi criado em 26 de março de 1996, a partir de uma ocupação de sem-terra vindos das cidades próximas de Imperatriz, Açailândia e Buriticupu. O número oficial do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) contabiliza 181 famílias cadastradas. Na prática, porém, vivem no local mais de 400 famílias, pois muitos assentados acabam dando abrigo a outras famílias formadas por filhos e parentes.

Além da questão da fumaça, os assentados reclamam também da falta de saneamento básico e de ações na área de segurança pública, entre outras carências. Sobre problemas de infra-estrutura e de políticas sociais, o Incra ressalta que o Assentamento Califórnia recebeu em 2007 recursos para a realização de serviços na área de habitação que beneficiaram 117 famílias.

Os eucaliptos hoje utilizados pela FGC foram plantados para a implementação do projeto da Celmar, lançado em 1992. Em parceria com uma trading japonesa, a Vale pretendia instalar um parque de produção de 600 mil toneladas anuais de celulose. Para convencer a população, acenou com a possibilidade de criação de dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos. A promessa, contudo, não foi cumprida e permanece na memória dos locais. Pedro Gutemberg, presidente da FGC, afirma que a Celmar não prosperou porque não havia mercado suficiente na região para sustentar uma iniciativa daquele porte.

A FGC comunica que mantém um contingente de 2.232 empregados do Maranhão – e outras 500 pessoas em Marabá (PA). Desse total, apenas 150 laboram diretamente na Fazenda Monte Líbano.