Projeto de lei fere a Convenção da Biodiversidade

Um projeto de lei que libera o uso de sementes transgênicas estéreis pode colocar o Brasil em rota de colisão com a Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CBD, na sigla em inglês), alerta Julian Perez, representante da organização não-governamental brasileira Centro Ecológico. Se aprová-lo, o Congresso cria uma lei que bate de frente com a moratória imposta pela CBD às sementes que geram plantas incapazes de se reproduzir.

Todos os países signatários devem seguir as diretrizes da CBD. No Brasil, isso tem respaldo em determinação do governo federal. Perez participa em Bonn, Alemanha, da COP 9 (Nona Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica), que reúne líderes dos 191 países signatários do tratado lançado na Eco-92, no Rio de Janeiro. O Centro Ecológico lidera mobilização na América Latina contra as sementes trangênicas estéreis – também conhecidas como sementes suicidas, ou “terminator”. Hoje, o uso das “terminator” é proibido em todo o mundo – a moratória definida pela CBD permite apenas a realização de testes em laboratório.

O projeto de lei 268/07, apresentado pela hoje senadora Katia Abreu e reapresentado e relatado pelo deputado federal paranaense Eduardo Sciarra (ambos do DEM) modifica a Lei de Biossegurança para permitir o plantio das sementes “terminator” no Brasil. Atualmente, a Lei proibe a utilização “de
qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos”. Quem usar as “terminator” pode pegar até cinco
anos de prisão.

“A moratória às “terminator” foi definida na COP 5. Há dois anos, em Curitiba, durante a COP 8, elas voltaram à pauta, numa tentativa de afrouxar-se as restrições, mas a moratória acabou mantida. Em Bonn, não há previsão de que o tema volte à pauta”, explica Perez. Ou seja, a Câmara dos Deputados pode decidir liberar uma tecnologia cuja utilização sequer será considerada na Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU. “Se aprovar a proposta, a Câmara estará indo contra a posição do governo brasileiro na COP 9, pois o Palácio do Planalto não fez qualquer tentativa de rediscutir a moratória aqui em Bonn”, acrescenta Perez.

“As produtoras de organismos geneticamente modificados desenvolveram as sementes suicidas para facilitar a cobrança de royalties sobre o uso de trangênicos”, diz Perez. Hoje, quem planta uma variedade de transgênico que não é estéril pode separar parte das sementes produzidas para replantar na safra seguinte. Isso dificulta o recolhimento dos royalties. Como as plantas originadas de sementes “terminator” não se reproduzem, só resta ao agricultor comprar novas sementes – e pagar novos royalties ao fabricante.

Além da dependência imposta ao agricultor, a provável contaminação de plantas convencionais pelas sementes suicidas também preocupa os ambientalistas. Levadas pelo vento, as sementes podem infiltrar-se em plantações a quilômetros de distância. “No Paraná, há casos de contaminação
com soja transgênica em plantações orgânicas. Por isso, os agricultores perderam a certificação de produtores orgânicos. A Sadia, que compra soja convencional para alimentar os frangos que exporta para a Europa – por exigência dos consumidores – tambem já rejeitou lotes que estavam
contaminados por transgênicos sem que os produtores soubessem”, explica.

A facilidade da contaminação varia conforme a planta. Na soja, cuja polinização é fechada, ela é mais difícil. Já o milho, que tem polinização aberta, é extremamente vulnerável. Por isso, a segregação das plantações transgênicas, definidas por lei, devem ser rígidas. Mas nem sempre é assim.

Tome-se o exemplo do milho geneticamente modificado, que recentemente teve o plantio liberado no Brasil pelo Comitê de Biossegurança. “Para evitar contaminação, o Comitê determinou que haja uma separação mínima de 100 metros entre lavouras transgênicas e convencionais. Mas, na França, já se encontrou milho convencional contaminado por transgênicos plantados a 35
quilometros de distância”, diz Perez.

A indústria de transgênicos usa a contaminação como argumento a favor da sementes “terminator”. “As multinacionais dizem que uma planta contaminada por semente suicida nao irá reproduzir-se. É uma meia verdade, pois a primeira geração irá brotar. E, depois disso, o que fica é um prejuízo para o produtor que teve sua lavoura contaminada”, argumenta o ambientalista.

Além disso, a União Européia investe cinco milhões de euros no desenvolvimento das sementes zumbis – “terminators” que podem ser “desesterelizadas” pela aplicação de produtos químicos. Com isso, cai por terra o argumento de que as sementes suicidas freiam a contaminação. “Por trás disso, há ainda uma manobra para colocar a responsabilidade pela eventual contaminação nas costas do produtor, pois com as sementes zumbis ele poderá optar por aplicar produtos para que as ´terminators` continuem a produzir”, aponta Perez. “A indústria poderá dizer que produz uma semente que não leva a contaminação adiante, e que ela só ocorreu porque o agricultor quis assim”, alerta o ambientalista.
(Com informações da Agência Estadual de Notícias)

Via Campesina faz protestos no Dia da Biodiversidade

Na tarde da última quinta-feira (22/05), ativistas da Via Campesina internacional protestaram durante as celebrações oficiais do Dia Internacional da Biodiversidade, durante a 9ª Conferência das Partes (COP) da Convenção da Biodiversidade da ONU, que acontece em Bonn, na Alemanha.

“Esta devia ser uma celebração da agrobiodiversidade, mas nenhum camponês, pescador ou representante dos povos indígenas foi convidado a participar. Apesar das promessas do Secretariado da Convenção, o pedido da Via Campesina para participar da agenda formal foi recusado”, afirma comunicado da entidade.

A ação da Via Campesina ocorreu imediatamente após a fala de Ban Ki-moon, Secretário Geral da ONU, aos delegados da Convenção. As bandeiras diziam “Não há agrobiodiversidade sem camponeses” e “Comida, não combustíveis”.

Os integrantes da Via Campesina foram aplaudidos pelos delegados quando gritaram “natureza para os povos, não para a indústria”. Depois de alguns minutos, as bandeiras foram arrancadas pela segurança do evento, e as credenciais de quem as seguravam foram canceladas.

A Via Campesina adverte sobre os interesses corporativos que estão por trás de uma nova Revolução Verde na África como estratégia para incrementar a produtividade. Ainda que a indústria utilize conceitos como “sustentabilidade”, “participação” e “manejo da biodiversidade”, o modelo de produção proposto é o mesmo que criou a atual crise e a rápida perda de biodiversidade.

De acordo com a Via Campesina e outras entidades da sociedade civil organizada, os camponeses são a chave para erradicar a fome no mundo, além de desenvolver e conservar a biodiversidade.

“Os camponeses têm a capacidade de alimentar o mundo. A agricultura camponesa promove a diversidade de cultivos, sustenta as culturas tradicionais e protege o meio ambiente. E mais, a produção em pequena escala, local e agroecológica é uma forma imediata e efetiva de reduzir as emissões de carbono e esfriar o planeta”, afirma o texto da Via Campesina.