“Ameaça ao MST é golpe na democracia”, afirma deputado

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) fez um depoimento na Câmara dos Deputados em defesa do MST e contra a criminalização dos movimentos sociais e o relatório do Conselho Superior do MP do Rio Grande do Sul, nesta quarta-feira.

“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e sua belíssima história de batalha pela garantia do direito à terra foram e seguem sendo fundamentais para a horizonte da reforma agrária, ainda não realizada, no Brasil. A mera intenção de dissolver o movimento é um golpe duro em nossa democracia”, afirma Valente.

Leia abaixo a versão integral do pronunciamento do deputado, no plenário da Câmara dos Deputados.

Sr.Presidente, sras e srs deputados,

Nossa democracia, mais uma vez, está ameaçada. E, desta vez, a ameaça vem justamente daqueles que têm como dever constitucional garanti-la: o Ministério Público. O relatório produzido pelos promotores Luciano de Faria Brasil e Fábio Roque Sbardelotto, do MP do Rio Grande do Sul, acerca do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e que foi divulgado esta semana pela imprensa, envergonha nosso país e a memória de todos os que tombaram lutando por liberdade no Brasil. É uma peça típica dos períodos mais sombrios da nossa história e assim precisa ser encarada: como uma ameaça à nossa democracia.

Tal relatório foi solicitado e aprovado por unanimidade pelo Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul no final de 2007, que pretendia investigar as ações do MST. Desde então, vem servindo de base para ações judiciais contra os sem-terra. Uma delas enquadrou oito trabalhadores rurais na lei de segurança nacional. Outra autorizou, na semana passada, o despejo de 400 sem-terra de duas propriedades do movimento – uma comprada e outra arrendada, em Coqueiros do Sul, no Norte do estado. Há ações que, pasmem, proíbem a realização de marchas pelos militantes do movimento.

O relatório do Conselho Superior do MP do Rio Grande do Sul tem um objetivo claro e explícito: pedir a “dissolução” do MST. Para isso, utiliza-se de uma lógica de argumentação que já julgávamos extinta em nosso país. O documento afirma, por exemplo, que o movimento possui “uma visão do Brasil frontalmente crítica à atuação do Poder Público”.

Acusa as Ligas Camponesas, organizadas em Pernambuco e consideradas originárias dos movimentos sociais rurais, de “sublevar o campo e incentivar a violência contra os proprietários de terra, criando um clima de guerra civil”. Afirma, sem qualquer prova, que os acampamentos do MST , considerados “verdadeiras bases operacionais destinadas à prática de crimes e ilícitos civis”, são mantidos com recursos internacionais até das FARC, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Chega ao absurdo de dizer que o MST estaria planejando instalar um “território liberado” dentro do Rio Grande do Sul e que “já existem regiões do Brasil dominadas por grupos rebeldes”.
As barbaridades não param, Sr. Presidente. Baseado em matérias da revista Veja e do Jornal Zero Hora – ambos conhecido por atacarem duramente em suas coberturas o MST –, e em relatórios do serviço secreto da Brigada Militar, o documento também analisa a “doutrina e o pensamento” do MST, identificando as leituras feitas pelos sem-terra.

Acusa autores como Florestan Fernandes e Paulo Freire, lidos pelos sem-terra, de serem ligados a movimentos revolucionários. Das cartilhas dos sem-terra, tiram expressões como “construção de uma nova sociedade” e “poder popular”, como se fossem criminosas. Também criminalizam, na sua avaliação, o caráter leninista do MST, tendo como base, ora vejam, um livro de Denis Rosenfield.

Em síntese, o Ministério Público do Rio Grande do Sul alega que os sem-terra pretendem revogar o regime democrático e se coloca a tarefa de, nessas palavras, declarar sua ilegalidade e quebrar sua espinha dorsal. Trata-se de uma repressão à atuação dos sem-terra que, na avaliação do próprio movimento, representa a ofensiva jurídica mais dura de sua história, ficando atrás apenas do massacre de Eldorado dos Carajás, doze anos atrás, quando 19 trabalhadores foram barbaramente assassinados.

Neste momento, Sr. Presidente, sras e srs deputados, é preciso afirmar que a liberdade de reunião e a liberdade de manifestação e de expressão são direitos constitucionais, garantidos por anos de luta em nosso país. Essa atitude do Ministério Público do Rio Grande do Sul, apoiada inclusive pelo governo estadual, cria e alimenta um estado de tensão que, décadas atrás, deu sustentação ao golpe militar no Brasil. Portanto, é urgente reagir a este relatório e às ações que dele decorreram.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e sua belíssima história de batalha pela garantia do direito à terra foram e seguem sendo fundamentais para a horizonte da reforma agrária, ainda não realizada, no Brasil. A mera intenção de dissolver o movimento é um golpe duro em nossa democracia. Sua existência e seu fortalecimento, isso sim, é que impulsionarão a construção de uma sociedade democrática, socialista, em que a terra seja um direito de todos e a luta por ela, um dever de cada brasileiro.

Muito obrigado.
Deputado Ivan Valente
PSOL/SP