Movimentos assinam nota de apoio a defensores de direitos humanos

“Nós, abaixo assinado, vimos expressar o nosso apoio a José Batista Gonçalves Afonso e Raimundo Nonato Santos da Silva, injustamente condenados pela Justiça na última semana. Em sentença proferida no dia 12 de junho, o Juiz da Justiça Federal de Marabá, Carlos Henrique Haddad, condenou os dois defensores dos direitos humanos a uma pena de dois anos e cinco meses de prisão.

Solidarizamos-nos com os dois não só porque Batista é advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, membro da coordenação nacional da CPT e militante histórico na defesa dos direitos humanos, especialmente de camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais, e Raimundo Nonato é líder sindical e ex-coordenador regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), ambos no Estado do Pará.

Repudiamos essa sentença porque se trata de uma condenação iminentemente política e está no bojo de ações articuladas de criminalização dos movimentos sociais e suas lideranças. Se não vejamos:

– O fato que originou o processo aconteceu em 04 de abril de 1999. Inconformados com a lentidão do INCRA no assentamento de famílias acampadas e com a precariedade dos assentamentos existentes, mais de 10 mil trabalhadores rurais do sul e sudeste do Pará montaram acampamento em frente ao órgão em Marabá.

– Após 20 dias acampados, os trabalhadores foram recebidos pelo governo que decidiu negociar a pauta de reivindicação. A reunião acontecia no auditório do INCRA com 120 lideranças de associações e sindicatos, representantes da FETAGRI, da CONTAG, do MST e da CPT.

– A multidão ficou do lado de fora da sede do INCRA aguardando o resultado das negociações. Por volta das 22 horas, sem resposta, cansado e faminto, o povo perdeu a paciência e entrou nas dependências do INCRA, ficando em volta do auditório e impedindo a saída da equipe de negociação do prédio durante o resto da noite e início da manhã do dia seguinte.

– O advogado José Batista, que fazia seu papel de assessor nas negociações, se retirou do prédio logo após a ocupação em companhia de Manoel de Serra, presidente da CONTAG, e Isidoro Revers, coordenador nacional da CPT à época, para tentar mediar o conflito.

– Por essa atitude, foi processado, junto com várias outras lideranças, sendo acusado de ter impedido a equipe do INCRA de sair do prédio.

– Em abril de 2002, o Ministério Público propôs suspensão do processo, mediante pagamento de seis cestas básicas por cada um dos acusados e comparecimento mensal à Justiça Federal, o que foi aceito por José Batista e demais acusados.

– Cumpridas as condições impostas no processo, no momento do MPF requerer a extinção do mesmo, outro juiz (Francisco Garcês Júnior) assumiu a vara federal de Marabá e, sem nenhum fato novo, sem ouvir o MPF, anulou todas as decisões do seu antecessor e determinou o seguimento dos processos contra Batista e Nonato, resultando na condenação.

Entendemos que a decisão do Juiz Federal de Marabá é política, sendo mais uma ação de criminalização contra lideranças dos movimentos sociais da região que lutam por terra e pela preservação da floresta Amazônica.

A parcialidade do juiz fica evidente na formulação da sentença e na definição da pena, ou seja, na condenação de prática de crime de cárcere privado imputando quase a pena máxima. De um lado, o juiz afirma que “é possível que não tenha incitado a invasão da sede do INCRA pelos trabalhadores rurais e parece crível que não teria condições de controlar a multidão exaltada”. No entanto, fundamenta o agravamento da pena na sentença de condenação, com a alegação de que os acusados teriam “instigado ou determinado a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade”. Como isso é possível se o próprio juiz reconheceu que os réus não tinham condições de controlar a multidão? Diz também a sentença que houve emprego de grave ameaça contra a pessoa, mesmo não havendo nenhuma prova de tal fato no processo. O iminente juiz fez uso dessas alegações para negar o direito da pena alternativa aos dois réus.

A decisão do Juiz, não é um fato isolado, mas, se insere no processo de criminalização de lideranças dos movimentos sociais da região e de decisões que favorecem fazendeiros e empresas que atuam ilegalmente na região, especialmente nas práticas de grilagem de terras e extração ilegal de madeira.

As regiões sul e sudeste do Pará são conhecidas, nacional e internacionalmente, pelas graves violações dos direitos humanos no campo. São mais de 800 assassinatos de trabalhadores rurais, lideranças sindicais, e defensores de direitos humanos e nenhum mandante cumprindo pena por estes crimes; são mais de 23 mil trabalhadores vítimas de trabalho escravo no Pará nos últimos dez anos, a maioria no sul e sudeste do Estado, área de abrangência da Justiça Federal de Marabá e apenas um fazendeiro condenado cumprindo pena; são centenas de fazendeiros e madeireiros, inclusive a companhia Vale do Rio Doce, que vêm cometendo crimes ambientais graves: destruindo reservas florestais, fraudando planos de manejo, assoreando rios, devastando a matas ciliares e contaminando nascentes, no entanto, não há informação de um fazendeiro ou madeireiro cumprindo pena por condenação na Justiça Federal de Marabá.

Diante das freqüentes violações de direitos humanos e crimes ambientais, exigimos agilidade da Justiça federal na condenação de tais crimes. Que suas ações e trabalhos sejam feitos contra os verdadeiros bandidos e não contra defensores dos direitos humanos dos mais pobres na região”.

Brasília/DF, 30 de junho de 2008.

1. Via Campesina Brasil
2. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
3. Movimento das Mulheres Camponesas – MMC
4. Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
5. Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
6. Comissão Pastoral da Terra – CPT
7. Pastoral da Juventude Rural – PJR
8. Conselho Indigenista Missionário – CIMI
9. Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB