Luz de alerta

Para Plínio de Arruda Sampaio, “hoje, o rico tende, junto com toda a mídia burguesa, a gerar a idéia de que o pobre ameaça a boa vida que ele leva ou até mesmo a sua vida limitada, mas integrada no sistema”. Em entrevista, realizada por telefone, à IHU On-Line, Sampaio fala sobre os movimentos sociais e a criminalização feita pela sociedade e por alguns órgãos públicos que têm o dever de manter a imparcialidade e a justiça igualitária.

Para Plínio de Arruda Sampaio, “hoje, o rico tende, junto com toda a mídia burguesa, a gerar a idéia de que o pobre ameaça a boa vida que ele leva ou até mesmo a sua vida limitada, mas integrada no sistema”. Em entrevista, realizada por telefone, à IHU On-Line, Sampaio fala sobre os movimentos sociais e a criminalização feita pela sociedade e por alguns órgãos públicos que têm o dever de manter a imparcialidade e a justiça igualitária. A ata do conselho superior de uma das reuniões do Ministério Público do Rio Grande do Sul propôs, recentemente, tornar o Movimento dos Sem Terra ilegal, o que para Sampaio é sinal de que uma “luz de alerta” deve ser acesa no estado. “Quando acende uma luz vermelha, é preciso procurar a causa do problema. As luzes vermelhas precisam trazer essa ata para um processo crítico e repudiá-la”, afirma.

Plínio de Arruda Sampaio é graduado em Direito, pela Universidade de São Paulo. Participou da Ação Popular, organização católica com orientação de esquerda. Foi relator do projeto de Reforma Agrária, que integrava as Reformas de Base do governo João Goulart. Criou a Comissão Especial de Reforma Agrária e propôs um modelo de reforma que indignou os grandes latifundiários do Brasil. Obteve o título de mestre em Economia Agrícola, nos Estados Unidos, onde se exilou durante a ditadura. Ao retornar ao Brasil, se engajou na campanha pela abertura do regime militar e pela anistia dos condenados políticos. Filiou-se ao PT em 1980, onde foi autor do estatuto do partido. Em 2005, desligou-se do PT e aderiu ao PSOL. É considerado um dos mais respeitados intelectuais de esquerda da Igreja Católica e também um grande defensor da Teologia da Libertação pelo laicato.

Confira a entrevista.

Os movimentos sociais, até a década de 1990, eram vistos com bons olhos pela sociedade em geral, mas hoje são vistos com ressalvas, tanto que hoje muitas pessoas, aqui no Rio Grande do Sul, aprovam as atitudes da polícia contra essas instituições. Em sua opinião, a que se deve essa mudança de comportamento?

O que está havendo, na verdade, é uma criminalização da pobreza. O fato de haver um aumento da distância entre ricos e pobres está fazendo com que os ricos passem a considerar os pobres como seus inimigos. É uma grande mudança de visão, porque antes se pensava em incorporar os pobres de uma maneira secundária na cultura de consumo de massas. A mudança que acompanha o capitalismo deixa claro que isso não existe mais. Há uma parte da população que não irá se integrar à cultura de consumo de massas, ou seja, está excluída. Então, portanto, ela se tornou uma antagonista dos que estão dentro, o que mudou muito a perspectiva com que o homem integrado com a sociedade via o pobre. Hoje, o rico tende, junto com toda a mídia burguesa, a gerar a idéia de que o pobre ameaça a boa vida que ele leva ou até mesmo a sua vida limitada, mas integrada no sistema.

Para o senhor, como pode a sociedade brasileira conviver passivamente quando muitos não têm onde viver ou o que comer?

Esse não é um processo atual, mas um traço da cultura brasileira. Aqui, existe uma sociedade dividida desde a sua fundação entre uma capa de privilegiados com acesso privativo a todas as facilidades, e uma capa de desprivilegiados, de pessoas que ficam à margem de tudo o que significa uma possibilidade de realização pessoal. A sociedade brasileira conviveu com isso a vida inteira e agora assume, dada as novas condições do capitalismo, uma posição mais radical em relação a isso. É uma indiferença absoluta.

Noutro dia, uma mulher foi atropelada no Rio de Janeiro no meio de um viaduto e nenhum dos carros parou. Passaram por cima dela vários carros. É uma situação inacreditável, como também foi o daquele menino que foi arrastado. De modo que essa crueldade é um pouco fruto das novas condições da sociedade.

Qual é a sua avaliação em relação ao governo Lula, no que diz respeito os movimentos sociais e suas reivindicações?

Criminalizar os movimentos sociais é um processo mundial. É um pouco síndrome do 11 de setembro, que deu o pretexto porque gerou um medo que faz com que as pessoas se tornem cruéis. Isto é, com medo, as pessoas têm tendência à crueldade. É incrível isso. Assim, uma sociedade medrosa tende a ver os movimentos populares como seus inimigos. Então, ela começa a tomar uma série de medida para criminalizar essas atividades.

O que podemos esperar do governo gaúcho, em sua análise, que nomeou Paulo Mendes para o comando da Brigada Militar e que se declarou contrário às manifestações do MST, e em relação ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, que convocou uma reunião para tentar declarar ilegal este movimento?

Parece que essa senhora já está sendo chamada de “Crusius Credo” por causa das suas políticas, que são realmente assustadoras. No caso, eu fico muito preocupado com a posição do Ministério Público do Rio Grande do Sul, um ministério público pelo qual eu tinha grande respeito. Eu conheço vários procuradores e promotores que têm realmente uma posição muito boa, muito dentro da lei, das normas da Constituição. De modo que eu acho muito estranha essa ata de uma reunião do conselho superior, tanto que eu escrevi um artigo na Folha de S. Paulo, manifestando a minha estupefação e conclamando os ministérios públicos, inclusive os promotores do Rio Grande do Sul, a não permitir que esse tipo de coisa prospere na instituição.

Estamos retrocedendo a algumas práticas da ditadura?

Sem dúvida. Esse é o linguajar da ditadura que a bancada ruralista não eliminou da sua retórica. O discurso continua sendo o discurso rancoroso do tempo da ditadura. Um discurso ameaçador, aterrorizante. E o que nos deixa mais assustado é ver o Ministério Público do Rio Grande do Sul usando esta linguagem, quando na verdade ela já estava descartada do vocabulário das pessoas e das instituições democráticas.

O que justifica um órgão como o Ministério Público, que tem o dever de ser imparcial e de estar em harmonia com a Constituição de 1988, trabalhar de forma subjetiva e parcial?

É realmente incompreensível, e é essa a razão do artigo “Uma luz vermelha”, ou seja, atender uma luz de alerta, pois precisamos entender porque isto está acontecendo. Quando acende uma luz vermelha, é preciso procurar a causa do problema. As luzes vermelhas precisam trazer essa ata para um processo crítico e repudiá-la.

Como os movimentos sociais podem rearticularam suas relações com a política?

Existem algumas tentativas nesse sentido, mas eu acredito que o fundamental é as organizações populares se unirem todas as vezes em que houver uma exorbitação da autoridade policial, prejudicando alguma corporação. É preciso criar uma solidariedade entre os movimentos sociais, de tal maneira que um golpe que atinja um seja considerado como um golpe que atinja todos. Se as organizações populares se propuserem a tomar isto a peito, eu garanto que teremos logo um novo diálogo com o poder.

Diante disso, o que o Ministério Público deveria fazer neste momento?

Eu respeito a instituição, mas acho que ela precisa fazer uma crítica dessa ata e dar uma explicação ao povo do Rio Grande do Sul.