Delegação entrega carta sobre agrocombustíveis ao governo

As organizações e movimentos sociais do Seminário Internacional “Agrocombustíveis como obstáculo à construção da Soberania Alimentar e Energética” entregam a carta final do encontro (leia abaixo) a representantes do governo federal na conferência oficial, nesta quarta-feira, às 16h, em São Paulo. O seminário paralelo foi organizado como contraponto à Conferência Internacional sobre Biocombustíveis do governo federal, que acontece entre 17 a 21 de novembro.

“Discordamos radicalmente do modelo e da estratégia de promoção dos agrocombustíveis: entendemos que estes não são vetores de desenvolvimento, nem tampouco de sustentabilidade. Esta estratégia representa um obstáculo à necessária mudança estrutural nos sistema de produção e consumo, de agricultura e de matriz energética, que responda efetivamente aos desafios das mudanças climáticas”, afirma o documento final do seminário paralelo.

“Vamos denunciar que a Reforma Agrária está parada, enquanto a monocultura da cana, as usinas de produção de etanol e as empresas transnacionais avançam para dominar a agricultura, prejudicando a produção de alimentos e o meio ambiente”, afirma o dirigente do MST, José Batista de Oliveira, que integra a delegação que entregará o manifesto à conferência.

A carta será entregue a André Amado, subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty e representante do presidente Lula, Tereza Campelo, subchefe-adjunta da Casa Civil da Presidência da República, Teresa Campello, sub-chefe da Casa Civil e Antonio Lambertucci, secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência. A delegação vai entregar também a carta a Ignacy Sachs, reconhecido “ecossocioeconomista” por sua concepção de desenvolvimento como uma combinação de crescimento econômico.

São Paulo, 17 a 19 de Novembro de 2008

Seminário Internacional
Agrocombustíveis como obstáculo à construção da
Soberania Alimentar e Energética

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Nós organizações e movimentos sociais do Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Bolívia, El Salvador, México, Equador, Paraguai, Tailândia, Holanda, Suécia, Alemanha e Estados Unidos, reunidos em São Paulo de 17 a 19 de Novembro de 2008.

Discordamos radicalmente do modelo e da estratégia de promoção dos agrocombustíveis: entendemos que estes não são vetores de desenvolvimento, nem tampouco de sustentabilidade. Esta estratégia representa um obstáculo à necessária mudança estrutural nos sistema de produção e consumo, de agricultura e de matriz energética, que responda efetivamente aos desafios das mudanças climáticas.

Afirmamos que:
O modelo de agricultura industrial, onde se inserem os agrocombustíveis, é intrinsecamente insustentável, pois apenas se viabiliza através da expansão das monoculturas, da concentração de terras, do uso intensivo de agroquímicos, da superexploração dos bens naturais comuns como a biodiversidade, a água e o solo. Os agrocombustíveis representam uma grave ameaça à produção de alimentos. Independentemente dos cultivos utilizados para a produção de energia, comestíveis ou não, trata-se da competição por terra agricultável e por água.

A produção em escala industrial de agrocombustíveis, ao expandir a fronteira agrícola, soma-se à expansão do conjunto do agronegócio – cujos impactos dinâmicos e efeitos cumulativos são o principal vetor de desmatamento e destruição de ecossistemas em todo o mundo, e no Brasil é responsável pela destruição da Amazônia, do Cerrado e outros.

No Brasil, o setor sucroalcooleiro não se sustenta sem o financiamento público: a promoção dos programas governamentais de agrocombustíveis historicamente tem sido caracterizada por incentivos e subsídios governamentais diretos (como financiamentos públicos do BNDES, em grande parte oriundos do FAT) e indiretos (como não penalização das evasões fiscais e perdão de dívidas).

O setor sucroalcooleiro conta com a conivência do governo quanto ao descumprimento das legislações trabalhistas e ambientais: Entre os impactos da produção de etanol no Brasil destacamos a superexploração e as condições degradantes de trabalho e a utilização de mão de obra escrava; a contaminação dos solos, do ar e da água e redução da biodiversidade; o encarecimento das terras e a concentração fundiária, que fragilizam ainda mais os programas de reforma agrária e promovem, concomitantemente, um processo brutal de invasão de territórios de populações tradicionais e povos indígenas e de expropriação das terras de pequenos e médios agricultores; e a ameaça a produção dos alimentos que são consumidos no país. A extrangeirização da terra, seja através da compra ou contratos de arrendamento, para a produção de agroenergia, também é um fator recente e extremamente preocupante, pois hipoteca as áreas de terras agriculturáveis disponíveis e as condições estruturais de produção de alimentos.

Denunciamos que a estratégia de difusão internacional do modelo agroenergético do governo brasileiro, através da ação de seus ministérios, em especial o Itamaraty, e instituições financeiras e de pesquisa, como BNDES e Embrapa, reproduzirá os impactos e problemas do setor nos países da África, América Latina e Caribe.

Questionamos a estratégia de expansão dos agrocombustíveis através do mercado global: Nos opomos radicalmente ao acordo de difusão tecnológica Brasil/EUA, que visa a padronização e comoditização do etanol. Nos opomos às metas de substituições de combustíveis na União Européia e nos EUA que ampliarão a demanda por terras para produção de agrocombustíveis nos países do Sul.

Alertamos que nem o zoneamento, nem critérios ambientais e sociais irão tornar sustentável o modelo do agronegócio exportador: As propostas de certificação socioambientais dos agrocombustíveis, a tomar por experiências diversas (como FSC, RTSPO, RTSB), não minimizam, mas escamoteiam os impactos, servindo majoritariamente como um instrumento de legitimação do comercio internacional. O zoneamento agroecológico da cana proposto pelo governo brasileiro, assim como a difusão de conceitos como o de terras ociosas, degradadas ou marginais, legitima a expropriação dos territórios para a expansão das monoculturas e oculta os conflitos sociais.

Reafirmamos nossa luta de mais de uma década contra os transgênicos: o avanço dos agrocombustíveis, do etanol de segunda geração e da produção de bioplásticos inclui um componente estrutural de biotecnologia, transgenia e biologia sintética, fatores que representam uma nova frente de ameaça à biodiversidade.

O atual modelo de produção e consumo, promovido pelos países do Norte é insustentável e coloca em risco a vida do planeta. Diante da crise estrutural do sistema capitalista, que engloba a questão energética, ambiental, alimentar, financeira e de valores é preciso repensar o modelo de sociedade e de civilização.

Defendemos como proposta alternativa a soberania energética, que não poderá ser alcançada em detrimento da soberania alimentar:

A soberania energética e alimentar é o direito dos povos de planejar, produzir e controlar a energia e os alimentos nos seus territórios para atender as suas necessidades:
– Requer uma nova organização do modo de vida em sociedade e das relações entre campo e cidade.
– Pressupõe um sistema alimentar calcado na reforma agrária em bases ecológicas adaptada as particularidades de cada bioma, como real alternativa aos problema da escravidão no campo, da superexploração dos trabalhadores rurais e de concentração e acesso a terra; o fortalecimento do campesinato e das economias locais; a valorização dos hábitos alimentares e culturais; a diminuição das distâncias entre produção e consumo e relações solidárias de comercio.

Este sistema é também menos dependente, mais eficiente pode ser autosuficiente em energia. É mais apropriado e resistente e é a real solução para a crise climática, provocada pelo modelo agroindustrial petrodependente que é reproduzido na estratégia dos agrocombustíveis, a qual nos opomos.

A soberania energética pressupõe um modelo de produção e consumo de energia e de transporte baseado na racionalidade e economia, através da mudança nos atuais padrões de consumo, na diminuição dos fluxos planetários de bens e energia do sistema econômico globalizado, e em modelos de mobilidade que priorizem o transporte coletivos, públicos e de qualidade em detrimento dos automóveis individuais. Pressupõe a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia produzida de forma descentralizada e para atendimento das demandas locais, bem como o apoio de assistência técnica e desenvolvimento de pesquisas voltadas aos interesses dos povos.

O preço da energia deve ser baseado no custo da produção real e não na especulação financeira.Tampouco pode estar sob controle de grandes grupos econômicos.

A soberania alimentar e energética está calcada nos princípios da democracia e da descentralização, com participação popular no planejamento e tomadas de decisões e gestão da produção de alimentos e energia, incluindo o cesso e controle sobre os fundos públicos, e da solidariedade entre os povos, considerando as diferentes potencialidades, necessidades e soluções apropriadas em cada país ou região

A energia e os alimentos são direitos dos povos, nos são dados pela terra, pela água e pela diversidade da natureza, não podem ser tratados como mercadorias.
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Movimentos e entidades brasileiros organizadores:
Via Campesina Brasil – MMC, CPT, MPA, MAB, FEAB, CIMI, PJR, MST
ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária
Amigos da Terra Brasil
ANA – Articulação Nacional de Agroecologia
Assembléia Popular
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
CUT – Central Única dos Trabalhadores
FASE
FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento
FERAESP – Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo
Fórum Carajás
FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
Instituto EQUIT
Intersindical
Jubileu Sul Brasil
Marcha Mundial das Mulheres
Plataforma BNDES
REAPI – Rede Ambiental do Piauí
RBJA – Rede Brasileira de Justiça Ambiental
REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Rede Economia e Feminismo
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Rede Educação Cidadã
Repórter Brasil
SPM – Serviço Pastoral Dos Migrantes
Terra de Direitos

Internacionais:
ActionAid
African Center for Biosafety, South África
Aliança Social Continental
ATALC – Amigos da Terra América Latina e Caribe
CEO – Observatório Europeu de Corporações
CIECA – República Dominicana
Cone Sul Sustentável
FIAN – FoodFirst Information & Action Network
FOCO – Foro Ciudadano de Participación por la Justicia y los Derechos
Humanos – Argentina
Food and Water Watch
Fundação Heinrich Boell
Global Forest Coalition
Global Justice Ecology Project, USA
Grito Dos Excluidos/As Continental
IFG – International Forum on Globalization
Misereor
Oilwatch
OWINFS – Rede Nosso Mundo Não Está à Venda
Oxfam
RALLT – Red por una América Latina Libre de Transgénicos
Rede Internacional de Gênero e Comércio
The Oakland Institute, USA
WRM – Movimento Mundial pelos Bosques Tropicais