Carta ao produtor do filme “Mataram Irmã Dorothy”

Ao diretor Daniel Junge e co-diretores,

Ao produtor Henry Ansbacher e demais produtores associados,

É com indignação que escrevemos a vocês para nos manifestarmos sobre cenas que julgamos desrespeitosas com os advogados e advogadas que atuam como assistentes da acusação no caso do assassinato da Irmã Dorothy Stang e com a biografia do advogado Aton Fon Filho, que aparecem no filme “Mataram irmã Dorothy”, já exibido nas cidades do Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP e Brasília/DF.

Queremos enfatizar que conhecemos Aton Fon Filho há mais de 40 anos como militante comprometido e dedicado às causas populares e, especialmente, na defesa dos povos indígenas, quilombolas, camponeses, posseiros, operários e trabalhadores rurais sem terra.

Este companheiro, vítima das atrocidades dos cárceres da ditadura, após sua libertação, dedicou-se aos estudos e especialização na área do direito, exatamente para continuar sua luta contra as injustiças, a desigualdade e a violência cometida contra os mais desprotegidos, os mais excluídos, os mais pobres.

Por sua atuação como advogado, por sua trajetória política e por seus valores humanistas, tornou-se uma referência junto as militantes dos movimentos sociais, sindicais, políticos e estudantis e, de modo geral, na sociedade brasileira.

Perseverante com seus ideais políticos, Aton Fon Filho não poupou esforços e nem tempo de sua vida para exercitar a solidariedade internacional. Esteve sempre presente, com atuação destacada, nos comitês solidariedade aos povos da Ásia, África e, principalmente, da América Central.
Sua militância política e sua trajetória de vida mereceu o reconhecimento da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República que lhe concedeu, em 2006, o “Prêmio Direitos Humanos”.

No particular caso do julgamento do assassinato da querida e combativa irmã Dorothy Stang, mais uma vez Aton Fon, e os advogados que atuaram na assistência da acusação, empenharam-se com afinco, zelo, dedicação e habilidade profissional, desde o início.

Como assistentes de acusação, já que a obrigação direta de buscar punir os responsáveis pela morte da irmã é do Estado, através dos promotores de justiça, eles tinham presente a responsabilidade que pesava sobre seus ombros. Sabiam que o que estava em julgamento não era apenas a punição dos responsáveis pelo crime. Era, também, a causa que a irmã Dorothy abraçou e pela qual dedicou sua vida.

Na condição de advogados, nossos companheiros atuaram em todas as sessões de júri realizadas nos dias 09 e 10 de dezembro de 2005, 26 de abril de 2006, 15 de maio e 22 de outubro de 2007 e 06 de maio de 2008, tendo Aton Fon usado da palavra nos julgamentos por mais de sete horas.

Como bem sabe o diretor do filme, uma vez que gravou toda a sua atuação nos júris, Fon e demais advogados mostraram-se inteiros em sua lealdade, destemor e desempenho profissional responsável e eficiente.

No entanto, a exibição de cenas de Aton Fon Filho em conversa privada com os demais advogados, obtidas no primeiro julgamento em que Vitalmiro Bastos de Moura (o Bida) foi condenado a 30 anos de prisão dá a impressão de que houve falha na condução dos trabalhos dos assistentes de acusação.

Conclui-se, para quem assiste o filme e desconhece toda trajetória do processo, serem eles profissionais incompetentes, desorganizados, perdidos.

Assim, em nossa avaliação, nesse ponto o documentário deixou de ter compromisso com a justiça, contribuindo para ridicularizar os que se dedicam às causas populares ontem, hoje e amanhã.

Não se trata aqui de reivindicar a inserção no filme de cenas que apresentem o brilhantismo e a importância da atuação de tais companheiros. Trata-se de expor nossa opinião, no sentido de que tais cenas nada representam para o conjunto do filme, mas prejudicam em muito a imagem desses defensores da causa dos direitos humanos no Brasil.

Reconhecemos e valorizamos o propósito de denunciar as injustiças ocorridas em nosso país. Mas esse propósito não deve ser realizado praticando outras injustiças. Vocês cometeram uma injustiça contra os advogados que atuaram como assistentes de acusação no caso do Assassinato da Irmã Dorothy Stang, pessoas que dedicam o melhor de suas vidas contra as violações de direitos humanos ocorridas no Brasil.

E, em respeito à verdade, reivindicamos que tais cenas sejam suprimidas do filme e seja formalizado um pedido de desculpas.

Ao Fon e demais advogados, todos nós, devemos agradecimentos, confiança, respeito e a certeza de que estamos em ótima companhia e podemos contar com suas ajudas.

Felizmente, estamos seguros de que, mesmo vítima dessa injustiça, os companheiros continuarão trabalhando, destemidos e competentes, ao lado daqueles que sonham um Brasil livre de injustiças sociais e politicamente soberano.

Atenciosamente,

Terra de Direitos
Rede Social de Justiça e de Direitos Humanos
Justiça Global
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Sindicato dos Advogados e São Paulo