Tecnologia para produção de etanol avança sem controle

Do Brasil de Fato

Apesar dos inúmeros alertas feitos por movimentos sociais e ambientalistas acerca dos danos que a expansão da produção do etanol causa à biodiversidade, tecnologias têm sido lançadas e aperfeiçoadas por grandes transnacionais que visam a consolidação do produto no mercado mundial.

Silvia Ribeiro, pesquisadora mexicana do Grupo ETC, afirma que as seis empresas que controlam a produção de transgênicos em todo o mundo – Monsanto, Syngenta, DuPont, Bayer, Basf e Dow – já têm investigações e investimentos na produção de novos cultivos transgênicos dedicados aos agrocombustíveis.

De acordo com ela, estão sendo desenvolvidas plantas resistentes a múltiplos agrotóxicos ao mesmo tempo, assim como também existem avanços para introduzir cana-de-açúcar transgênica da Monsanto e Syngenta no mercado brasileiro, produzida em acordo com o Centro de Tecnologia da Canavieira (CTC).

A pesquisadora explica que, em resposta aos estudos que comprovam que os agrocombustíveis competem com a produção alimentar, tais empresas alegam que farão cultivos transgênicos mais específicos para a produção de etanol, o que, na avaliação de Ribeiro, “é muito grave porque a contaminação transgênica se torna um grande risco para a cadeia alimentar”.

Tal avanço tecnológico, explica Silvia, representa um enorme estímulo aos monocultivos industriais “que aumentarão o deslocamento da produção camponesa e familiar para fins alimentares, além de aumentar os impactos ambientais e à saúde e ampliar a dependência com as transnacionais”.

Etanol celulósico

Dentre as novas formas de produção do etanol desenvolvidas atualmente, está o etanol celulósico, que é obtido a partir de madeira decomposta, submetida a um processo de fermentação através de enzimas.

Segundo o engenheiro agrônomo Horácio Martins de Carvalho, membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), esse tipo de agrocombustível pode ser produzido a partir de qualquer tipo de madeira, assim como de bagaço da cana-de-açúcar e palha do milho, permitindo assim que o etanol seja produzido mundialmente. “Com essa mudança no tipo de oferta do etanol, abre-se uma possibilidade mundial de países do norte e da Europa produzirem etanol a partir das suas florestas de pinheiros ou de outras matérias secas”, conta.

Porém, ele alerta para o fato de que a consolidação mundial do produto, agora não mais somente para a produção de combustível, mas também de outras matérias, como o plástico, acompanhada por essa revolução tecnológica, está sendo monopolizada pelas grandes transnacionais. Assim, não há como se prever as consequências. “Essa é uma revolução que está no escuro, nós ainda estamos tateando para ver o que vai acontecer”, comenta.

Martins afirma que o etanol já se tornou a segunda fonte de energia brasileira, atrás somente do petróleo, e prevê que a produção do etanol celulósico possa significar uma redução no ritmo da expansão da cana-de-açúcar. Mas alerta: “isso é relativo, porque, assim como o Brasil abriu as portas para o capital estrangeiro, que vem sendo convidado a comprar terras no Brasil, para aumentar os investimentos, não significa que outras culturas não vão pressionar as culturas alimentares”.

O engenheiro agrônomo denuncia que, no Brasil, grandes grupos de celulose, como Aracruz, Votorantim e Stora Enzo, já estão investindo em usinas de álcool, se preparando para o etanol celulósico.

Em relação a tais empresas, Silvia Ribeiro acredita que possam avançar em novos experimentos na área. “É possível que também as grandes empresas de monocultivos de árvores pretendam usar árvores transgênicas para a produção de etanol celulósico”, supõe.

Biologia sintética

Os impactos relacionados à produção do etanol com a utilização de transgênicos e a produção do etanol celulósico são agravados por uma nova tecnologia, altamente complexa e ainda desconhecida por muitos, a biologia sintética.

Tal tecnologia permite que se crie artificialmente organismos vivos para variados fins. No caso da produção dos agrocombustíveis, grandes grupos transnacionais têm investido na criação de micróbios que aceleram o processo de fermentação dos materiais orgânicos para extração do álcool.

“No Grupo ETC chamamos esta nova tecnologia ‘engenharia genética extrema’, já que é engenharia genética, mas com genes construídos artificialmente, para conseguir propriedades que não existem na natureza nem na indústria, agregando novos genes artificiais a organismos existentes ou alterando seus passos metabólicos”, define Ribeiro.

A biologia sintética “complementa e aumenta os riscos dos transgênicos”, explica. Já no caso do etanol celulósico, a tecnologia vem para facilitar o seu processo de produção. Ribeiro explica que esse é um dos grandes objetivos das transnacionais. “A digestão de celulose para combustíveis requer tanta energia, que não era viável. Com os micróbios sintéticos e o desenho de árvores e plantas transgênicas, isto se facilita”, descreve.

A pesquisadora alerta para o fato de que a tecnologia não substituirá o modo de processamento do etanol já existente, mas “irá aumentá-lo e, portanto, aumentará a demanda de terras, água e os monocultivos industriais de cana-de-açúcar, milho, soja, eucaliptos e outras plantas e árvores”.

Além disso, Ribeiro explica que, por ser nova e protegida pelas grandes transnacionais, não há nenhuma regulação no mundo inteiro para a utilização da biologia sintética, o que contribui para o seu avanço e também para o aumento de riscos à biodiversidade. “Os proponentes da tecnologia querem conseguir ‘códigos de conduta’ que sejam aplicados pelas próprias empresas, sem verificação nem controle independente, o que é absurdo”, protesta.