Medida Provisória 458 poderá regularizar terras griladas

O Congresso Nacional pretende apreciar até o dia 11 de abril uma nova Medida Provisória (MP) editada pelo governo federal que, se aprovada, será a carta branca para a legitimação da grilagem. Trata-se da MP 458, que autoriza a regularização de terras da União na Amazônia Legal, com até 1,5 mil hectares, sem licitação. Ao todo, o governo prevê a regularização de 296 mil imóveis rurais em 436 municípios, permitirá que mais de 67 milhões de hectares de terras griladas sejam legalizadas.

Para o geógrafo e professor titular da USP (Universidade de São Paulo), Ariovaldo Umbelino, “a MP tem em seu interior a possibilidade de regularização das verdadeiras pequenas posses, mas também das terras griladas, com até 2.500 hectares”. O professor explica que hoje, na Amazônia Legal, estão cadastrados no Incra, como posse, 302 mil imóveis, que corresponde à ocupação de uma área de 42 mil hectares. Desses imóveis, 93% são minifúndios pequenas propriedades, mas ocupam somente 39 % da área. Outros 4% dos imóveis são médias propriedades e ocupam 17%. E somente 3% das posses são latifúndios, porém ocupam assustadores 42% desses milhares de hectares de terra. Segundo Umbelino, aí está a principal manobra jurídica da MP: tornar equivalentes o grileiro e o posseiro.

Além da justificativa de ser uma medida para solucionar a questão da regularização fundiária na Amazônia, a MP se esconde por detrás de outro argumento também muito utilizado pelo governo federal, que aponta ser ela também uma arma importante para o combate ao desmatamento. Porém, Umbelino explica que é mais um argumento frágil. “Na verdade, seria preciso ver se as fazendas que já estão regularizadas respeitam o código florestal [que exige a preservação de uma parte de floresta dentro da propriedade]. Quem conhece o estado do Mato Grosso, por exemplo, sabe que nenhuma fazenda respeita o código. Não desmatam só os 20% que não poderiam desmatar, desmatam também as áreas de proteção permanente [áreas que não compreendem a propriedade]”.

Alguém viu a Reforma Agrária?

Para José Vaz Parente, diretor nacional da Cnasi (Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra), a discussão acerca da MP demonstra a necessidade imperativa de deflagrar o reordenamento da estrutura fundiária do país. “‘Regularização’ sempre foi concebida como um ato complementar a implementação da Reforma Agrária. Essa MP, porém, rompe completamente com essa lógica”, alerta Parente.

O membro da direção nacional do MST, João Paulo Rodrigues, segue no alerta de Parente e afirma que a medida reafirma o modelo de desenvolvimento agrícola proposto pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e que em nada foi alterado durante o mandato de Lula. “A MP complementa a lógica de que o agronegócio tem que avançar na Amazônia, com criação de boi, eucalipto e soja”.

João Paulo aponta que o governo federal já demonstrou que a Reforma Agrária está completamente fora da pauta. “Nunca tivemos muitas ilusões de que esse governo iria resolver o problema da concentração da terra”, declara. Desde 1994, apenas 50 mil famílias Sem Terra do MST foram assentadas. Os últimos dados sobre famílias assentadas são de 2007. Naquele ano foram assentadas somente sete mil de uma projeção de 100 mil, estabelecida pelo próprio governo.

E a situação ainda pode piorar. A secretária geral da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária ), Sônia Moraes, receia que esse “péssimo exemplo do governo federal” possa ser reproduzido nos demais estados da federação em relação às terras devolutas e públicas. Segundo ela, a medida provisória não cumpre o que está na Constituição Federal, no que diz respeito a uma política agrária com respeito à função social da terra, garantindo preservação ambiental, direitos trabalhistas e produtividade. “Ela é inconstitucional, pois está desrespeitando os próprios princípios da nossa política agrícola e agrária”. Moraes ainda alerta que a provação da MP pode ser uma ameaça aos poucos assentamentos do Incra que existem na região, pois certamente sofrerão mais pressão dos grandes latifundiários que plantam a serviço do agronegócio e sempre buscam mais terra.