Agronegócio envenenado ganha mais recursos

O Brasil é o campeão de consumo de agrotóxicos do mundo. Estudo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mostra que a maioria dos alimentos está contaminada com altas doses de veneno, que podem trazer uma série de malefícios à saúde. O governo indica que as pessoas devem priorizar os alimentos orgânicos, produzidos sem agrotóxicos, apesar serem mais caros que os produtos “convencionais”.

Esse mesmo governo que lamenta o uso de venenos na maioria das lavouras anuncia uma nova linha de crédito para o agronegócio, exatamente aquele que usa os agrotóxicos nas suas plantações. Em pleno dia 17 de abril, os jornais noticiam a liberação de R$ 12, 3 bilhões em empréstimos dos bancos oficiais – Banco do Brasil e BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social) – com baixas taxas de juros para o setor. Serão R$ 10 bilhões para a agroindústria e R$ 2,3 para os produtores de álcool.

Essas duas informações foram retiradas dos grandes jornais da mídia brasileira. Eles não dão o mesmo destaque a outro detalhe importante. O agronegócio foi o que mais demitiu desde o início da crise econômica. Foram 270 mil pessoas mandadas embora de setembro a fevereiro. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), 26% a mais que o mesmo período de 2007.

O setor agroexportador – que já emprega pouco e é o primeiro a demitir com os sinais da crise – exagera no uso de agrotóxicos e é frequentemente acusado de promover a destruição ambiental, mas recebe a ajuda generosa do Estado sempre que reclama.

O outro abril

Chega a parecer ironia. No dia do anúncio do governo, milhares de trabalhadores rurais se mobilizam em defesa da Reforma Agrária. No dia 17 de abril, há 13 anos, 19 pessoas foram assassinadas enquanto faziam a mesma coisa: protestavam por seu direito a terra. Dessa vez, não foram mortas por jagunços ou pistoleiros contratados pelos fazendeiros. Foi a própria Polícia Militar que comandou o massacre, no Pará, em um crime de repercussão internacional. Até hoje, ninguém foi preso. Pelo contrário, os soldados foram até promovidos.

São dois modelos em disputa: o agronegócio e a pequena agricultura. João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, explica que o termo agronegócio não é simplesmente um nome. É um conceito. Representa uma nova forma de produzir na agricultura, que combina grandes propriedades, monocultivo, uso intensivo de agrotóxicos e mecanização agrícola, dependente do mercado externo e do capital internacional. “É uma forma de agricultura predadora, irracional. Agricultura de uma planta só, e sem agricultores”, resume João Pedro.

De outro lado, a pequena agricultura, baseada em um novo modelo agrícola, que garante a diversidade da produção. É esse setor que emprega 80% da mão de obra no campo e produz 60% dos alimentos consumidos internamente, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Mas a pequena agricultura, em volume de créditos, fica muito atrás do agronegócio. Recebe dez vezes menos. E mais grave: recebe de forma burocratizada e que não condiz com sua realidade de produção.

Os trabalhadores rurais sabem há anos que uma política de Reforma Agrária vai muito além da distribuição de terra. Mas o governo parece não ter a mesma percepção e insiste na colonização de terras na Amazônia, onde se deu 65% dos assentamentos do último período.

Os Sem Terra defendem uma política de Reforma Agrária que combina acesso ao crédito para viabilizar a produção e garantir o abastecimento do mercado interno de produtos saudáveis, através de um modelo de agroindústrias cooperativadas. O investimento na educação também é central.

“A maior raiva dos fazendeiros é ver um sem-terra na universidade. E nós temos 3.600 Sem Terra estudando. A burguesia brasileira não admite que o conhecimento seja acessível aos pobres”, dispara João Pedro.

E parece não admitir mesmo. Não são poucos os casos de liminares na Justiça tentando bloquear os cursos voltados para trabalhadores rurais. Da mesma forma como insistem no bloqueio das contas e dos repasses de dinheiro para entidades que contribuem para a consolidação dos assentamentos da Reforma Agrária.

Mas o Poder Judiciário, a mídia empresarial e o governo não parecem se atentar – ou não querem se atentar – para os dados que eles mesmos divulgam. O agronegócio demite, usa veneno em quantidades exageradas, não acaba com a fome e muito menos com a pobreza.

Em contrapartida, em todos os assentamentos da Reforma Agrária, os três principais problemas que atingem o povo brasileiro são resolvidos: moradia, trabalho e educação. E são os pequenos agricultores os responsáveis pelo abastecimento de comida da população brasileira. Por que não merecem tratamento melhor?

Por isso, nessa semana se realiza mais uma Jornada de Lutas. Para, uma vez mais, colocar a Reforma Agrária no centro das necessidades de toda a sociedade brasileira. Todo mundo quer poder consumir alimentos saudáveis, assim como todos têm direito de garantir uma vida digna para sua família. Com a crise, fica ainda mais clara a miopia das prioridades do governo. É hora de os trabalhadores receberem o crédito por sustentar o país.