MST inicia marcha em Mato Grosso

Tiago, de 9 anos, é a imagem da esperança e luta do MST. Na largada da “Marcha por Reforma Agrária, Emprego e Meio Ambiente”, que aconteceu na manhã de quinta-feira (16/4), em Jangada, ele seguia em fileira, usando o boné do Movimento, para enfrentar o sol que chegou forte desde cedo. Veio com a mãe e o pai do assentamento 12 de Outubro, em Sinop (500 quilômetros de Cuiabá). “Eu gosto mais de morar na roça mais do que na cidade. Lá eu estudo de manhã e a tarde saio para brincar de bola com meus amigos”, afirma. Perguntado se sabe plantar, ele responde que sim. “Sei plantar tudo que você puder imaginar, faço isso com meu pai”.

Uma rajada de foguetes marcou o início da caminhada até a Capital de Mato Grosso – terra muito conhecida pelo domínio do agronegócio, pelo latifúndio e pelo trabalho escravo. Na caminhada, mais de 250 Sem Terra.

Antes de botar o pé na estrada, BR-163, no trecho que liga Cuiabá a Jangada (73 quilômetros), também chamado de “rodovia da morte”, devido ao grande fluxo de carretas e registro de acidentes, o MST recebeu o apoio público de lideranças de sindicatos e movimentos sociais.

Na coordenação da Marcha está Idalice Nunes, a “Fia”, já é craque em caminhadas. Fez mais de cinco. Deixou os dois filhos e o marido em Campo Verde (130 quilômetros de Cuiabá), no assentamento 14 de agosto, onde mora. “O pessoal está bem pra cima, com uma mística muito bonita, porque sabe que não adianta ficar lá no acampamento parado. É preciso fazer luta. Então a caminhada vem para iniciar nosso ano com o maior pique.”

Apesar da Marcha ser um instrumento esgotante de luta, porque é cansativo e coloca militantes sob sol e chuva, Fia acredita que pior é o cansaço da espera angustiada pela terra. “É bastante complicado, porque você caminha 13, 15 e até 21 quilômetros por dia, como vamos fazer até Cuiabá. Não é fácil. Mas, por outro lado, o nosso povo já está tão sofrido, que às vezes o sofrimento de ficar no acampamento, ou na cidade, desempregado, é maior e, aqui, a gente nem sente o cansaço, porque, juntamente com a companheirada, no meio da animação, sentindo a solidariedade dos sem-terra, isso acaba aliviando o sofrimento”.

A Marcha tem um objetivo claro. “Para os Sem Terra, todos os dias vamos ter momentos de formação, de debates, sobre a situação que o nosso país está vivendo. Não só a situação dos sem-terra, mas do povo de modo geral e toda essa crise internacional. Então vamos estudar juntos. E o outro resultado esperado é que a gente consiga colocar novamente para a sociedade que a reforma agrária não saiu de pauta, como o agronegócio quer. A Reforma Agrária está aí. Tem gente sem terra e onde tem gente sem terra tem a bandeira da Reforma Agrária, que é necessária e urgente.”

O assentamento onde Fia mora já está consolidado, existe há 12 anos. As crianças estudam na cidade; a escola fica a 17 quilômetros, mas tem transporte. Duas cooperativas da agroindústria – de derivados de cana e de farinha – empregam. “Eu morava em Rio Branco, na região de Cáceres. Vir para o campo mudou minha vida totalmente. Eu sempre digo: o que é riqueza? Para mim eu já sou uma pessoa rica, porque tenho casa boa, com condições de moradia decente, água, luz. A questão da saúde a gente consegue organizar melhor. Eu trabalho, toda a minha família trabalha, então a gente tem uma vida tranqüila. Melhorou mil por cento”.

Por isso, a luta por reforma agrária é a principal bandeira do MST.

Alguns militantes, mesmo com limitações, insistem em caminhar. Porém, as crianças, os mais velhos e quem tiver problema de saúde vão marchar por um período e parar em outros.

É o caso de Lucimara Ferreira da Silva, de 20 anos. Ela tem Síndrome de Down e mora no Acampamento 12 de Outubro. Com a mãe, Cleonice Ferreira da Silva, 36, o pai e três irmãos, há um ano, vive embaixo de uma barraca de lona preta em Paranaíta (900 quilômetros de Cuiabá). O grupo que veio com elas talvez tenha sido o que viajou mais tempo para participar da Marcha. Paranaíta é longe de Cuiabá. “Mas onde vou levo minha filha”, justifica a mãe. Segundo ela, está marchando “por um pedaço de terra e contra a desigualdade”. Na cidade, Cleonice era doméstica. Desempregada, resolveu voltar com a família para o campo – sua origem – e tentar novamente ter uma vida mais fácil. O emprego é uma das bandeiras nessa luta.

A falta de emprego na cidade também levou a família de Kênia Ferreira da Silva, de 21 anos, para o campo. Estão vivendo no acampamento Maria Bem-vinda, em Nortelândia (244 quilômetros de Cuiabá). “Tudo começou por causa do desemprego. Minha mãe trabalhava de doméstica e era difícil arrumar emprego e, quando arrumava, sempre mal tratada pelos patrões. Aí minha mãe decidiu, foi uma iniciativa dela. Ela e meu pai nasceram na roça e tinham vontade de voltar”, conta. Kênia estudou até 3º ano, fez curso de computação, mas, mesmo assim, só conseguia subemprego. Ainda que acampada, diz estar “muito confiante”.

Maria José Ferreira Pereira, de 27 anos, não está mais acampada. Vive no Assentamento Mártires dos Karajás, em Poxoréo (200 quilômetros de Cuiabá). Mas é como se fosse. No assentamento onde ela vive, nenhum dos moradores pôde, até hoje, após oito anos, retirar os recursos que já estão depositados em nome deles, para moradia e plantio. “Estamos dependendo do licenciamento ambiental. Já tentamos de tudo e não sai”.

A questão ambiental é uma bandeira nova de luta do MST. Um primeiro motivo é que os sem-terra costumam ser responsabilizados pelas tragédias ambientais, como o desmatamento. No entanto, pouco se diz sobre as dificuldades que encontram ao chegar em regiões inóspitas, sem qualquer apoio técnico para tratar os recursos naturais. Além disso, é fato que os assentados não têm dinheiro para comprar equipamentos pesados de desmate, o que os coloca em condição de desigualdade com grandes proprietários de terra, que, esses sim, desmatam mais e, numa avaliação política, tentam, estrategicamente, jogar essa culpa nas costas dos pequenos.

“Meu sonho é que a gente dê um avanço. Tenho oito anos de Movimento. E até hoje – eu já percebi isso – se a gente consegue alguma coisa é através da luta. Então esta não é a primeira e nem vai ser a última marcha”, avalia Maria José, casada, mãe de duas filhas.

Por conta dessa situação, também ainda está vivendo em barraco de lona preta. “Não temos estrada. As crianças estão sem escola”, lamenta.

Para Inácio Werner, do Centro Burnier Fé e Justiça, essa caminhada é um divisor de águas. “Enquanto uns afirmam que existe toda uma crise, o MST marcha por Reforma Agrária, indicando justamente uma saída, uma outra opção, diferente de investir no grande capital. O MST diz que não, que o governo deve investir no pequeno”. Na opinião dele, a marcha “é uma pressão à medida que o MST vem do campo para a cidade, onde as coisas geralmente são decididas, para dizer que existem pessoas que estão afastadas dos centros políticos, mas que também querem ser ouvidas e também para que a sociedade se envolva cada vez mais com a reforma agrária para impedirmos e também darmos um fim ao latifúndio”.

Representando os professores da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), o presidente da Adufmat, Carlinhos Eilert, afirma que “a Adufmat apóia toda e qualquer manifestação social, principalmente em relação à luta pela terra e defesa do meio ambiente, como orienta inclusive seu próprio regimento interno. Ela é uma Associação, que diz em seu primeiro artigo: estamos aqui para defender os interesses dos docentes da universidade federal bem como do meio ambiente do Estado de Mato Grosso e da sociedade”.

Eilert entende que “quem trabalha a terra e quem trabalha na cidade devem estar juntos, imbuídos na defesa deste país, que se chama Brasil”.

Para ele, o MST não é uma ameaça. “É uma luta, pelo direito a terra, pelo direito de ter onde plantar para ter o que colher. Então é a luta pela vida”.

Os caminhantes, na visão do presidente do Sintep -MT (Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso), Gilmar Soares, durante todo o percurso, vão atuar como educadores. “Quem se propõe a uma caminhada dessas, quem se propõe a viver em um acampamento em que, durante o dia, a temperatura chega a 40 graus e a noite baixa para 15, 20, conhece os problemas desse país. E a caminhada é fundamental para mostrar isso à sociedade”.

Quanto à criminalização do MST, ele diz que “é preciso deixar claro que nós temos uma ideologia implantada neste país desde o descobrimento, que tenta ocultar uma violência, que é a violência dos poderosos, dos donos dos meios de produção, dos patrões. Quando O MST tem organização, metodologia e estratégia de luta, é uma forma de sobrevivência, é um grito de alerta contra a sociedade capitalista, que vive do lucro e é extremamente violenta”.

Ana Maria dos Reis, de 30 anos, mora no Acampamento 12 de outubro, em Cláudia (620 quilômetros de Cuiabá). Na visão dela, o MST incomoda à sociedade e àqueles que não querem dividir seus bens. “Mas, além de incomodar, nós também queremos obter conquistas, como a distribuição de terras, porque há acampamentos nossos que já têm nove, dez anos”. Nessa espera, diz ela, “a gente, na verdade, não chora de angústia, mas de indignação. Muitas vezes quando estamos num acampamento somos despejados. Isso é triste”.

Sobre a imagem distorcida que parte da população tem do MST, ela pensa que “a maioria da população brasileira tem muito pouco acesso a informações do que é o Movimento, porque a informação que recebe é através dos meios de comunicação, que vão passar o que é de interesse deles, da classe dominante”.

Maria Aparecida Batista, de 36 anos, tem 14 anos de MST e já planta arroz, feijão, milho e mandioca no Assentamento Margarida Alves, em Mirassol d´Oeste (300 quilômetros de Cuiabá). Luta hoje para “que o movimento seja maior, se fortaleça e o pessoal, em geral, dê mais valor em nós”.

A Marcha fará três paradas até chegar no dia 19 ao Trevo do Lagarto, em Várzea Grande:

No dia 17, em Cuiabá, com a marcha ainda em andamento na estrada, será lançada a campanha “Limite da Propriedade da Terra: em defesa da Reforma Agrária e da soberania territorial e alimentar”, puxada pelas Assembléias Populares.

No dia 22, a marcha segue do Trevo do Lagarto até a praça Alencastro, Centro da Capital, para outro ato público, desta vez em aliança com todos os movimentos sociais do campo e da cidade, que respeitam a atuação do Movimento.

No dia 23, às 10 horas, um outro ato, desta vez em frente à Assembléia Legislativa, irá cobrar dos parlamentares um posicionamento. Nesse ato, estará presente um dos coordenadores do MST em nível nacional, João Pedro Stedile. À noite, Stédile faz uma conversa com a comunidade acadêmica, em seminário articulado entre o MST e a Adufmat. O seminário terá entrada aberta e será realizado no auditório da Adufmat, às 19 horas. O líder dos Sem Terra irá abordar a conjuntura atual e o papel do povo nesse contexto histórico.

Em Mato Grosso, há cerca de quatro mil famílias do MST assentadas, conforme dados do Movimento. E três mil acampadas.

O MST só não está no Acre, Amazonas e Amapá. Em 2007, chegou a Roraima. E em todos os outros estados, se faz presente, na luta pela Reforma Agrária e contra a fome, se unindo aos movimentos sociais urbanos.