Toussaint Louverture

Por Marc-Arthur Fils-Aimé* O racismo e as origens da Revolução Haitiana fazem parte da atmosfera política social que caracterizou a época do libertador Toussaint Louverture, sendo fundamental a sua compreensão para termos a dimensão e complexidade dessa figura. A falsa interpretação de que a insurreição haitiana seria a filha mais velha da Revolução Francesa tem raízes no racismo, suporte ideológico do colonialismo e do capitalismo, ou em um sentimento de inferioridade, segundo o qual negros não teriam capacidade de conceber o caminho de libertação.

Por Marc-Arthur Fils-Aimé*

O racismo e as origens da Revolução Haitiana fazem parte da atmosfera política social que caracterizou a época do libertador Toussaint Louverture, sendo fundamental a sua compreensão para termos a dimensão e complexidade dessa figura.

A falsa interpretação de que a insurreição haitiana seria a filha mais velha da Revolução Francesa tem raízes no racismo, suporte ideológico do colonialismo e do capitalismo, ou em um sentimento de inferioridade, segundo o qual negros não teriam capacidade de conceber o caminho de libertação.

Nos navios negreiros, mulheres e homens exprimiam com violência a recusa à sua condição, que ainda não conheciam verdadeiramente. Os escravos foram os primeiros a se revoltar contra o seu destino injusto, desde o começo da colonização. Não foi necessário esperar os jacobinos ou outras correntes revolucionárias para se revoltar.

Antes disso, os primeiros habitantes do Haiti não aceitaram sua sorte de maneira passiva, resistiram à Cristóvão Colombo e à Coroa Espanhola e fizeram batalhas heróicas. As primeiras células da guerrilha moderna viram o dia em Haiti, palavra que significa terra montanhosa.

Louverture nasceu escravo em 1743 na região de Bréda, no norte da colônia, e permaneceu nessa condição por mais de 40 anos. Preso em 1802 por traição à França, morreu em 7 de abril de 1803. O paradoxo da história quis que recebesse muito cedo a compaixão do seu mestre em 1789, ano da Revolução Francesa, o que lhe permitiu uma vida menos penosa do que a da maioria dos escravos.

A aparência física fraca e pouco atrativa não impedia seu espírito vivo e alerta, que o distinguia no conjunto dos seus pares. Dominava a arte da medicina veterinária e a cavalaria. Graças ao seu padrinho negro, aprendeu a força da escrita e da leitura, ampliando depois seus conhecimentos gerais de maneira autodidata.

Consciência

Os primeiros assaltos dos escravos com as castanhas apresentavam um impulso, sobretudo, individualista. Na noite de 14 para 15 de agosto de 1791, em uma cerimônia vodu, foi lançada a grande batalha contra o sistema. A tomada de consciência de uma luta coletiva e organizada foi continuação direta de todas aquelas lutas que custaram a vida de milhares escravos fugitivos ou indóceis.

Louverture desempenhou um papel discreto até integrar um grupo armado revolucionário em novembro de 1791, como “médico do exército”. Em 1793, havia se tornado o primeiro-tenente, antes mesmo de passar pelas fileiras espanholas, onde se destacou na formação de um verdadeiro exército contra os pavilhões franceses.

Sempre manteve a preocupação de livrar todos os escravos das suas algemas. Procurava em todas as operações o elo mais fraco – política, econômica, ideológica, aliados estruturais ou conjunturais – da força imperialista para dar o golpe fatal. Com a prática de campo, se tornou um estrategista militar do mais elevado nível, um visionário político e um diplomata que sabia desviar de obstáculos impostos pelas potências francesas, inglesas, espanholas e americanas.

Manipulava com tato a junção das condições objetivas e subjetivas da conjuntura local e internacional para fazer progredir os peões no sentido dos seus interesses revolucionários. Não podemos esquecer jamais que são as massas que fazem a história, ainda que a presença de certos espíritos perspicazes seja um estímulo incontestável.

As diversas batalhas que conduziu contra diferentes inimigos, internos e externos, comportaram sempre um núcleo duro: a liberdade geral e o afastamento da França e dos centros de decisão que regulavam a ilha de Santo Domingo. Com essa perspectiva, Toussaint Louverture promulgou a Constituição de 1801, colocando sem ambigüidades sua convicção antiimperialista e anticolonialista, dando ao país em construção um sistema político e econômico autônomo.

Criou possibilidades de comércio com outras nações, como os Estados Unidos e Inglaterra, rompendo com a exclusividade do pacto colonial de um estado em situação de guerra crônica com a França. No preâmbulo da constituição, está escrito: “A liberdade é um direito dado pela natureza; a igualdade uma conseqüência da liberdade”.

Unidade nacional

A Constituição de 1801 não se contentou em enunciar um projeto político, comportando também um programa econômico e social, construído sobre raízes culturais, que remetiam em muitos aspectos à organização anterior a Revolução. Procurava-se a unidade nacional, dando proteção aos proprietários brancos, mas favorecendo ao mesmo tempo a ascensão de uma grande parte de proprietários negros.

O fundamento da sua política residia acima de tudo na manutenção, mesmo provisoriamente, da França como simples guarda-chuva – uma garantia para a construção progressiva de uma nova Nação dotada de autonomia real. Com o título de governador-geral vitalício, dotado do direito de nomear seu sucessor, Toussaint marcou fortemente o seu distanciamento de Napoleão Bonaparte e seu regime.

Construiu um verdadeiro exército revolucionário, que conduziu as massas empobrecidas pela França imperialista e colonialista a uma vitória única na luta contra o colonialismo e, acima de tudo, abriu o caminho para lutas pelo restabelecimento da dignidade dos povos do mundo.

A sua capacidade militar e política deu confiança aos lutadores do povo, não somente de Santo Domingo e, sua determinação na luta pela libertação dos escravos mostrou a universalidade da raça humana e a possibilidade das classes dominadas se sublevar e vencer a classe dominante.

Imagem: Louverture proclama a Constituição da República do Haiti, em 1801

*Marc- Arthur Fils- Aimé é diretor geral do Instituto Cultural Karl Lévêque (ICKL) – Tradução do francês de Daniel Pereira