Zé Porfírio

No inicio de 1949, a notícia de que o governo federal estava organizando a colônia Agrícola de Barranca, a 200 km de Goiânia, atraía camponeses sem terra do Maranhão, Goiás, Piauí e Minas Gerais. Um grupo de lavradores do município de Pedro Afonso, às margens do Rio Tocantins, partiu para conhecer de perto o projeto de colonização. Um deles, José Porfírio, foi caminhando, com seu irmão e sobrinho, costeando o Rio Tocantins até o sul.

No inicio de 1949, a notícia de que o governo federal estava organizando a colônia Agrícola de Barranca, a 200 km de Goiânia, atraía camponeses sem terra do Maranhão, Goiás, Piauí e Minas Gerais.

Um grupo de lavradores do município de Pedro Afonso, às margens do Rio Tocantins, partiu para conhecer de perto o projeto de colonização. Um deles, José Porfírio, foi caminhando, com seu irmão e sobrinho, costeando o Rio Tocantins até o sul.

Filho de lavradores migrados do Maranhão, Zé Porfírio nasceu e formou sua família no município, mas suas perspectivas de vida no local eram poucas. A seca do cerrado e as epidemias de doenças castigavam os camponeses. Dois de seus filhos haviam morrido num só dia, acometidos por uma das febres que assolavam a região.

Porfírio achou o projeto formal e burocrático, por isso, os três foram trabalhar na construção de uma estrada que mais tarde viria a ser a Belém-Brasília. Depois, decidiram retornar ao norte do estado onde haviam deixado suas famílias.

No caminho de volta, atravessaram uma região de serras com terra fértil, cortada por inúmeros ribeirões de águas límpidas. Uma paisagem bem diferente dos velhos e secos cerrados que cobriam quase todo o norte goiano.

De volta à sua cidade, Zé Porfírio, descrevia com entusiasmo a região e suas falas se espalhavam. Pouco tempo depois, uma caravana de famílias atravessava o cerrado a pé com suas poucas posses e muitos filhos, em direção à Trombas e Formoso.

Os colonos se dividiam em mutirões que cuidavam da produção e da colheita

Em meados de 1950, os trabalhadores começaram a estruturar suas vidas e plantações na região. Ao final deste ano, os fazendeiros grileiros se uniram e iniciaram uma ofensiva para expulsar os colonos da terra, alegando que as terras lhes pertenciam desde os tempos de colônia de Portugal.

José Porfírio, que já havia assumido a liderança do grupo, foi até Goiânia ver se as terras pertenciam realmente aos fazendeiros. As terras eram devolutas e ele fez em nome de cada camponês um pedido de posse das terras.

Os fazendeiros, auxiliados pela polícia estadual, ameaçaram Zé Porfírio, caso ele não assinasse um termo de desistência de posse como procurador dos posseiros. “Ele se negou e, quando o ameaçaram matar, reagiu, sacou de um 38 e tacou fogo no pessoal, ferindo vários policiais, fugiu pro mato de volta para casa” relatou Manoel Porfírio, filho do líder camponês.

A partir desse fato intensificou-se a perseguição aos trabalhadores que passaram a viver se escondendo nas matas. Zé Porfírio sabia que eles tinham direito a terra. Como os títulos estavam presos no cartório sob poder dos latifundiários, decidiu voltar para Goiânia e pedir providências para o governo estadual. Sem conseguir nada, seguiu até o Rio de Janeiro, sede do governo federal para falar com Getúlio Vargas, como faria muitas vezes depois. Entretanto, nada de concreto foi feito pelos camponeses.

Enquanto isso, corria pelo norte goiano o boato de que Zé Porfírio estava dando terras para agricultores pobres que quisessem trabalhar. Centenas de camponeses chegavam à região e se uniam à luta. “Eu não sou dono da terra não, não estou dando. Elas são devolutas, são nossas. Vão escolhendo um pedaço e tocando o peito. Vão ocupando e plantando a roça, mas vão preparando o pau furado para defendê-las” dizia.

Pouco a pouco o acampamento foi se transformando numa comunidade. Os agricultores produziam seus alimentos e comercializavam as sobras da produção. As crianças estudavam nas escolas locais, na qual Zé Porfírio também dava aulas, apesar de só ter frequentado escola por dois meses em toda a sua vida. Ele aprendeu sozinho a ler e escrever e era um excelente matemático.

Em 1952 a repressão oficial tornou-se mais sistemática. Os camponeses, durante quase quatro anos, fizeram visitas constantes ao governo estadual em Goiânia. Em uma delas, um encarregado do governo para questões de terra disse que, para um homem há crime, processo e cadeia, mas para 500 não e questionou se aquele não era um local com diversas grutas. A partir de então, estas grutas viraram trincheiras e as centenas de trabalhadores rurais a maior força de luta. A organização cresceu.

No ano de 1954, Dona Roseira, esposa de Zé Porfírio faleceu após mais uma ação violenta dos policiais e latifundiários. Mais tarde, em 1957, Porfírio casa-se novamente, com Dorinha da Silva Pinto. Ao todo teve dezoito filhos.

Cerca de 20 mil camponeses conseguiram a escritura de suas terras

Nessa época os posseiros se organizavam em grupos, de acordo com o local onde moravam. Os camponeses se reuniam e discutiam seus problemas. Organizavam o plantio, a defesa da área, dividiam os lotes e os trabalhos que deveriam ser feitos pela comunidade. Eram os chamados Conselhos de Córregos. Cada conselho elegia seus dirigentes que os representavam por seis meses. Os mutirões que se formaram espontaneamente desde o início, continuavam a existir, conforme a necessidade.

Em 1954 chegaram à região dois membros do Partido Comunista, João Soares e Geraldo Tibúrcio, que ajudaram na organização dos colonos. Porfírio se tornou militante do PCB.

No dia 5 de Abril de 1954 aconteceu a principal batalha do movimento de Trombas, a Batalha de Tataíra. O clima de conflito era intenso, mas mesmo em menor número os camponeses saíram vitoriosos da Tataíra e declararam Trombas território livre e proibido para soldados e pistoleiros.

Durante todo este tempo não pararam de chegar trabalhadores rurais em busca de terra livre e as lutas foram se espalhando para além de Trombas e Formoso. Formaram um governo próprio que mais tarde se transformaria no município de Formoso onde os trabalhadores elaboraram todas as leis.

A organização dos camponeses se transformou em um município

Os conselhos de Córregos se uniram na Associação de Trabalhadores de Trombas e Formoso, presidida por Zé Porfírio que estava na direção de quase todas as lutas. Ele foi militante da organização católica Ação Popular e do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Em meados de 1961 os conflitos cessaram e o “véio Zé Porfírio” havia se tornado um mito. Ele obteve uma votação jamais vista na região como deputado federal, pelo PTB e, com o apoio do governador, conseguiu, em 1962, que os cerca de 20 mil colonos da região, recebessem as escrituras de suas terras.

Com o golpe militar de 1964, Zé Porfírio foi cassado e voltou para sua região pensando em resistir mas, intimidado, fugiu para o Maranhão numa canoa pelo mesmo rio Tocantins que há tempos atrás desceu em busca de terra para viver.

Durante a ditadura militar, a repressão fou violenta. Dezenas de camponeses foram presos e torturados. Os Conselhos de Córregos e a Associação deixaram de existir e seus líderes, perseguidos.

Em 1972, Porfírio foi preso pelo exército. Permaneceu num quartel em Brasília até 1973. Em julho de 1973, foi solto e, no mesmo dia, embarcou num ônibus de volta para sua terra e sua família. Nunca chegou.