Uma CPI para frear a luta popular

Do Brasil de Fato “O problema fundiário brasileiro não é um problema de contas, do MST ou das entidades ruralistas. Até porque estes receberam nos últimos dez anos R$ 1 bilhão, enquanto as entidades ligadas aos trabalhadores receberam 41 milhões. Não se trata disso. Se trata da raiz do problema: de entender o problema da concentração de terras, da grilagem”. Isso foi proferido em dezembro de 2005 pelo ex-relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra (2003-2005) e atual vereador de Fortaleza (CE), João Alfredo Telles (Psol).

Do Brasil de Fato

“O problema fundiário brasileiro não é um problema de contas, do MST ou das entidades ruralistas. Até porque estes receberam nos últimos dez anos R$ 1 bilhão, enquanto as entidades ligadas aos trabalhadores receberam 41 milhões. Não se trata disso. Se trata da raiz do problema: de entender o problema da concentração de terras, da grilagem”. Isso foi proferido em dezembro de 2005 pelo ex-relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra (2003-2005) e atual vereador de Fortaleza (CE), João Alfredo Telles (Psol).

Agora, diante de uma outra tentativa de instauração de CPI contra o MST, as coisas não mudaram muito. “Há uma intenção muito clara de criminalizar esse movimento; não conseguiram na outra vez”, afirma João Alfredo, se referindo à CPMI da Terra. Para ele, a bancada ruralista tenta, mais uma vez, destruir a referência de luta social que o movimento tem no Brasil e no mundo e a própria necessidade da reforma agrária.

Planejada pela bancada ruralista, e fruto de lobby e monopólios de comunicação, com participação direta da revista Veja, a criação da CPMI contra o MST obteve o apoio de 226 parlamentares. Trata-se da terceira CPMI instalada no Congresso Nacional contra o movimento nos últimos cinco anos. No entanto, para que a comissão seja instalada, é preciso ainda que o presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), leia o requerimento em plenário para que os partidos indiquem seus representantes.

Desmobilizar

A tentativa da direita ruralista de criminalizar a luta social tem efeitos muitos práticos, não fica somente no simbolismo. “O próprio governo fica acuado e as entidades passam a gastar mais tempo com a defesa jurídica”, explica João Alfredo. Segundo ele, “perde-se o tempo que poderia estar sendo utilizado com o objetivo principal dos trabalhadores, que é a luta pela justiça social no campo”. Desmobilizar a luta social por meio de um procedimento investigativo no Congresso Nacional é um dos objetivos principais dos ruralistas.

De acordo com o senador José Nery (Psol/PA), “os setores conservadores não querem que haja o protagonismo popular”. “Eles querem criar dificuldades para os movimentos sociais que desenvolvem um novo modelo para o país; há uma perseguição e uma tentativa de impedir a participação popular”, explica o senador.

Nery vê semelhanças com a tentativa da direita investigar a Petrobras porque “é uma forma da direita questionar o governo em relação aos custos corretos que ajudem o desenvolvimento local e participação popular, com ONGs que permitem a inclusão social”. Ele conclui que o governo precisa fortalecer “os movimentos que pode alcançar”. Segundo o senador, a direita prefere que “instituições carcomidas pela corrupção” sejam gestoras do dinheiro público.

Índice

Segundo o próprio MST, a tentativa da direita ruralista de instaurar uma CPI é uma resposta ao possível cumprimento por parte do governo federal da Constituição Federal de 1988 e da Lei Agrária, de fevereiro de 1993, segundo a qual “os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”.

O “índice de produtividade” é, de acordo com João Alfredo, o argumento prático utilizado pelos latifundiários “para tentar acuar Lula e fortalecer o ministro da Agricultura, Reinold Stephanes”.

Pau-oco

A senadora Kátia Abreu (DEM/TO) vem destacando na imprensa corporativa que uma das primeiras investigações da CPI será em cima do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de São Paulo. Para Plínio Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), isso não ocorre à toa, pois, segundo ele, é o Incra do Estado de São Paulo que mais tem assumido a reforma agrária no país. “É a única superintendência que está tentando de fato”, conclui.

Sobre a senadora, João Alfredo é categórico: “Qual é a autoridade moral que ela tem? Ela instrumentalizou a CNA”. De fato, existem fortes indícios de que a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil tenha servido como “caixa-dois” na campanha de Kátia Abreu ao Senado, em 2006.

“Para cima”

Com a experiência que teve na CPMI da Terra, João Alfredo acredita que uma possível CPMI contra o MST pode se transformar em duas CPIs, uma dos ruralistas e outra da reforma agrária. Monta-se um ringue político-ideológico. “Se sair a CPI, os lutadores da reforma agrária têm que ir para cima”, conclui João Alfredo. O senador João Nery afirma que existe a possibilidade dessa mesma CPMI investigar as ONGs ligadas à CNA e conta que já consultou outros parlamentares sobre o tema.

Mais uma vez, ruralistas atacam MST

Jamil Murad (PC do B) integrou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra em 2005, como deputado federal. Numa reunião no dia 23 de maio daquele ano, Murad sugeriu que o deputado Onix Lorenzoni (DEM/RS), outro integrante da CPMI, encaminhava o inquérito com “dois pesos e duas medidas”, pelo fato dele e outros ruralistas não pressionarem com mais ênfase a instauração de investigações de irregularidades dentro do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) gaúcho.

Na ocasião, a investigação abordava inúmeros temas relacionados ao campo brasileiro, abordando desde a violência no campo até supostas irregularidades as quais a direita ruralista responsabilizava ONGs ligadas a movimentos sociais. , Murad é vereador em São Paulo (SP). Sobre sua experiência na CPMI, conversou com o Brasil de Fato.

Que conclusão o senhor faz da CPMI da Terra de 2005? A bancada ruralista atingiu seus objetivos políticos?

A CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Terra de 2005 foi proposta como instrumento de luta política contra o MST e a Reforma Agrária. Os ruralistas tinham maioria na comissão e usaram essa maioria para pregar que a proposta de reforma agrária estava superada e para colocar o MST no banco dos réus. A comissão chegou ao resultado final de que as vítimas perderam a vida porque se colocaram na frente dos disparos dos jagunços dos latifundiários. Em outras palavras, transformaram as vítimas em réus. É uma agressão tão grande à verdade e aos fatos que seus resultados foram desmoralizados.

Você acredita, como coloca o MST, que a CPI contra o movimento é uma resposta à correção dos índices de produtividade?

A atual CPI proposta pela senadora ruralista é continuidade do mesmo movimento dos inimigos da Reforma Agrária. Se não fossem os índices de produtividade seria por outros motivos porque eles nunca vão desistir do objetivo de dizimar todos que lutam pela Reforma Agrária como mostra a história mesmo antes de o MST existir.

Existem fortes denúncias sobre doações da CNA à campanha de Kátia Abreu ao senado, em 2006. Nada foi feito. Por que isso ocorre? Por que a bancada ruralista consegue ter tanta unidade política, obtendo 226 assinaturas para que ocorra uma CPI contra o MST, e, ao mesmo tempo, ter tanto sucesso ao obstruir outras investigações como essa que se relaciona com Kátia Abreu e outras figuras?

O Congresso Nacional e, particularmente, o Senado estão na contramão da História. Não têm sintonia com o anseio do povo brasileiro por mudanças estruturais. Portanto, seja na formação da CPI contra o MST ou ao tratar de assuntos também de grande relevância pública há uma aglutinação incrível de parlamentares para acusar os que defendem o progresso e proteger aqueles que querem manter o status quo.

Não sei se o senhor se recorda, mas na CPMI da Terra (2005), em uma reunião do mês de maio, o senhor sugeriu que o deputado Onix Lorenzoni (DEM/RS) teria vestido a “carapuça”, se referindo ao fato de que, com ele, havia “dois pesos e duas medidas” pelo fato dos ruralistas não pressionarem a instauração de investigações de irregularidades dentro do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) gaúcho. Agora temos mais uma CPI, focada ainda mais no MST. É possível concluir que se trata, mais uma vez, de uma CPI motivada por princípios ideológicos da direita, da bancada ruralista?

Certamente a motivação é a disputa ideológica de caminhos muito diferentes daquele que o povo brasileiro deseja e necessita. Não só nesse episódio mas na CPI dos Correios, da qual também participei, haviam fortes evidências de irregularidades do bloco PSDB/DEM mas com a manipulação da mídia conservadora esses fatos não se transformaram em escândalos. Mesmo assim a investigação feita pela Justiça mostra que o comprometimento era real. Para decepção de setores retrógrados o povo brasileiro está mais consciente e tem tomado posições de apoio à causa nacional e de progresso social.