Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana condena a política de segurança pública do RS

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin Está confirmado documentalmente o abuso de poder, a violência ilegal e injusta, a inconstitucionalidade com que age a segurança pública do Rio Grande do Sul, contra os movimentos sociais e outras organizações populares.

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin

Está confirmado documentalmente o abuso de poder, a violência ilegal e injusta, a inconstitucionalidade com que age a segurança pública do Rio Grande do Sul, contra os movimentos sociais e outras organizações populares.

O aparato publicitário e escandaloso da criminalização desses movimentos, acentuado desde 2007, com expresso apoio do Ministério Público Estadual e de parte preponderante da mídia gaúcha, não alcança grau de comparação com o silêncio que, agora, se impõe sobre o relatório que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH produziu, a respeito, publicado em fins de outubro passado.

São nada menos de 27 (vinte e sete) as recomendações que o Conselho faz, algumas dirigidas diretamente ao Executivo, sua polícia militar, outras ao Ministério Público, tanto o do Estado como o da União. Depois de relatados vários episódios investigados, reuniões com autoridades, e outras consultas feitas pela Comissão especial criada pelo Conselho, a introdução dessas recomendações afirma:

“…a Comissão especial reitera algumas recomendações e apresenta novas propostas de superação da ausência de diálogo entre os Poderes e os Movimentos Sociais organizados, bem como para que não continuem ocorrendo graves violações de direitos, como o direito à alimentação adequada e a prática inaceitável de torturas por integrantes dos órgãos da segurança pública.

A de nº 3, por exemplo, recomenda “revogação pelo Comando-Geral da Brigada Militar da Nota de Instrução Operacional nº 006.1.” Essa Nota incorporava uma espécie de “tática” a ser empregada pela Polícia Militar, com uma tão estranha forma de execução das ordens judiciais e outras medidas coercitivas contra o povo que, a rigor, transformavam a força pública em juíza soberana do que fazer. É uma Nota bem diferente daquela que o “Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais” em ações possessórias, elaborado pela Ouvidoria Agrária Nacional, cuja adoção, pela BM gaúcha, a recomendação 18 também referiu, até agora sem nenhum efeito.

A de nº 7 recomenda que a Brigada Militar gaúcha suspenda “imediatamente, o processo de fichamento e cadastramento das lideranças dos Movimentos Sociais do Estado”; o “cumprimento de metas de respeito aos direitos humanos” (…) “com vistas a uma mudança estrutural na segurança pública estadual”. Isso é visto como condição, pela recomendação de nº 11, para que o repasse de recursos públicos do PRONASCI cheguem ao Estado; a de nº 20, complementada pela 24, recomenda “garantir às crianças dos acampamentos do MST acesso ao direito humano à educação, ao direito humano à saúde, ao direito humano à alimentação adequada”, convindo que “o Ministério Público Estadual e a Secretaria Estadual de Educação analisem a possibilidade de revogação do Termo de Ajustamento de Conduta para o fechamento das escolas itinerantes.”

Reconhecendo o fato de que o “acampamento” é uma forma dos trabalhadores rurais pressionarem “as diversas esferas de governo para realizarem a reforma agrária” e que, mesmo aqueles situados em “áreas de assentamentos, áreas privadas arrendadas e margens de rodovias estaduais, federais e municipais”, estão sendo impedidos pela BM, Ministério Público Estadual e Federal, “como forma de concretizar a “dissolução” do movimento” (lembrança do que ocorre com o MST), “recomenda-se a revisão de todos procedimentos e ações judiciais ajuizados neste sentido, especialmente aqueles que impedem o INCRA de reconhecer acampamentos de Sem Terras nas cidades citadas com graves prejuízos ao direito de alimentação das famílias acampadas, especialmente o de crianças e adolescentes” (recomendação nº 27).
Não há de faltar, oriunda das pessoas que fazem dos direitos humanos sinônimo de mera defesa de criminalidade, a opinião de que todas essas recomendações do CDDPH esquecem práticas ilícitas e graves assim já condenadas, judicialmente, pelas/os integrantes dos Movimentos Sociais.

Que essa opinião suporte, então, as perguntas que é lícito serem deduzidas das recomendações: o que, nelas, não constitui sucessão de fatos provados? o que, nelas, não constitui evidente desproporção entre o que se tem atribuído como criminoso aos movimentos sociais e o que não se investiga, nem se processa, contra os abusos de poder criminosos de que tais movimentos são vítimas? Por que todas as denúncias relativas a tais abusos, encaminhadas ao Ministério Público Estadual, não tramitam ou foram arquivadas, sem investigação de sua veracidade?

As causas motivadoras de manifestação pública do CDDPH, assim, ainda que sobrasse alguma desculpa para opinião divergente, contêm denúncias sobre fatos suficientes para colocarem em dúvida o respeito que o Poder Público do Estado, em parte do Executivo e do Judiciário, têm com a democracia, a dignidade da pessoa humana e a cidadania, entre outros direitos fundamentais do povo pobre do Rio Grande do Sul, aqui violados.

Que efeitos jurídico-políticos, então, poderiam e deveriam ser retirados das recomendações do CDDPH? No hoje da atividade administrativa e judicial gaúcha, de feroz perseguição aos movimentos sociais, MST de modo particular, são poucas as esperanças de que elas recebam alguma atenção.

Em todo o caso, a manifestação do Conselho testemunha, mais uma vez, o tamanho do poder arbitrário e inconstitucional que preside a repressão imposta aos Movimentos Sociais do nosso Estado. Tudo quanto ela fizer contra a população pobre que ouse reivindicar direitos, vai merecer apoio do governo, aplauso das oligarquias econômicas e de parte significativa da mídia, salvem-se as aparências formais de “respeito à ordem pública.”

Enquanto isso, sigam intocados os latifúndios rurais e urbanos, preserve-se a propriedade da terra que descumpre sua função social, concedam-se todas as licenças para sua exploração predatória, defendam-se todos os privilégios de que o agronegócio exportador já goza, anistiem-se as dívidas dos grandes sonegadores de impostos, utilize-se qualquer artifício regimental capaz de impedir apuração e julgamento das corrupções privadas e públicas, elimine-se, com abuso de poder, prisão e até assassinato, se forem julgados necessários, qualquer reação popular contrária à tal dominação.

A democracia gaúcha (?), como prova o CDDPH, obedece à mesma lei, ao mesmo direito e à mesma justiça que aqui imperavam na época em que o Brasil era colônia de Portugal.

*Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.

Leia a íntegra do relatório do CDDPH: