“Há vários modelos de agricultura no Brasil”

Do Blog do Dirceu O objetivo da Contag, segundo seu presidente, é construir um programa que priorize a reforma agrária, amplie e fortaleça a agricultura familiar e que tenha seus fundamentos em políticas de desenvolvimento locais. Nesta entrevista, Broch, que iniciou sua militância na igreja e em sindicatos locais no interior do Rio Grande do Sul, avalia a reforma agrária, os dados do Censo Agropecuário de 2006 (divulgados este ano pelo IBGE), o impacto de programas como Territórios da Cidadania e as ações do Ministério da Previdência Social junto aos trabalhadores do campo.

Do Blog do Dirceu

O objetivo da Contag, segundo seu presidente, é construir um programa que priorize a reforma agrária, amplie e fortaleça a agricultura familiar e que tenha seus fundamentos em políticas de desenvolvimento locais. Nesta entrevista, Broch, que iniciou sua militância na igreja e em sindicatos locais no interior do Rio Grande do Sul, avalia a reforma agrária, os dados do Censo Agropecuário de 2006 (divulgados este ano pelo IBGE), o impacto de programas como Territórios da Cidadania e as ações do Ministério da Previdência Social junto aos trabalhadores do campo.

Crítico, o líder da Contag também denuncia o comportamento das entidades patronais – CNA à frente – em sua tentativa de criminalizar os movimentos sociais no país e, sobretudo, de mascarar as diferenças estruturais da agricultura brasileira. “As pessoas acham que a agricultura é uma coisa só. Se é agricultor é todo mundo igual. Isso não é verdade. Há uma grande diferença em trabalharmos a agricultura familiar e a patronal”, explica Broch, ressaltando que 65% dos produtos que chegam na mesa dos brasileiros provém da agricultura familiar.

Leia abaixo a entrevista.

Dirceu – Qual o balanço que a Contag faz da reforma agrária nesse segundo mandato do presidente Lula?

Broch – A Contag vê a reforma agrária no Brasil, principalmente no segundo mandato do presidente Lula, como uma das áreas que menos avançaram. Nós nos orgulhamos de muitas políticas construídas por este governo. Tanto que um dos primeiros itens da pauta do Grito da Terra neste ano foi “Presidente, institucionalize todas as políticas que foram adotadas no seu governo”, porque são conquistas da sociedade brasileira. Porém, em relação à reforma agrária, não conseguimos uma mudança na estrutura agrária arcaica brasileira.

O governo continuou com uma política de assentamentos que gera dificuldades para os assentados. Foram realizados muitos, embora haja divergências com o INCRA quanto ao número. Parte dos nossos assentamentos estão produzindo bem, com enormes avanços do ponto de vista econômico, produtivo e alguns exportando. Mas temos dificuldades em outros.

O grande problema é que ainda existe gente acampada por esse Brasil. Temos um déficit grande no fazer assentamentos e na própria reforma agrária. Há, por exemplo, companheiros e companheiras debaixo da lona preta há mais de oito, dez anos. Não atingimos o número de assentamentos necessários. No Brasil, somente ligadas à Contag e aos sindicatos, temos em torno de 80 mil famílias acampadas. E seguramente 45 mil ou 50 mil famílias ligadas ao MST que ainda estão esperando o assentamento. Isso revela a estrutura arcaica, a enorme dificuldade em avançar e problemas de limitações da própria legislação.

Nós também estamos enfrentando uma reação violenta de setores da sociedade brasileira – especialmente da bancada ruralista no Congresso Nacional – do latifúndio, que se articula com fortes manifestações contra a reforma agrária e os movimentos sociais que lutam pelo direito à terra. Ao tratarmos da atualização dos índices de produtividade – simplesmente de cumprir a legislação – o que vimos foi uma reação contrária de parte da sociedade e do Congresso Nacional.

A reforma agrária é extremamente importante para o Brasil. Nós ainda vivemos num país com enorme concentração de terra. Os dados do IBGE, do Censo Agropecuário de 2006 divulgados neste ano, indicam isso. E eles são fundamentais, mostram, sobretudo, a importância econômica, política, social e produtiva da agricultura familiar no Brasil.

Qual o papel hoje dessa agricultura familiar para a segurança alimentar?

Segundo o Censo Agropecuário, temos em torno de 4 milhões e 300 mil propriedades familiares no Brasil com uma média de 16.5 hectares de terra. Ao todo, elas detém apenas 30% de todas as terras brasileiras. Por outro lado, 62 mil propriedades patronais detém mais de 70% de todas as terras brasileiras. De cada dez pessoas ocupadas no campo, sete trabalham na agricultura familiar. E nem se trata de uma análise de quem tem carteira assinada ou atividade permanente não. Nas ocupações produtivas do campo a agricultura familiar é responsável por 70% das atividades.

Os dados mais impressionantes, inclusive, são da produção de alimentos que em alguns casos chega a 80% do produto consumido pelo brasileiro. Mas temos uma média geral: 65% de todos os produtos que vão para a mesa das famílias brasileiras são produzidas pela agricultura familar. Outro dado que nos enche de orgulho é que 38% do PIB do chamado agronegócio vem desta forma de agricultura.

Esta é uma questão importante econômica, social e culturalmente. Não podemos esquecer que a base do nosso país vem de uma formação do campo com suas especificidades regionais, culturas e comunidades. Nesse contexto, a reforma agrária é uma forma de aumentarmos e potencializarmos a agricultura familiar. Não é fazer uma reforma agrária simplesmente por fazer. Pelo contrário. Você faz para que a agricultura familiar produza. E veja que ela está completamente ligada a um processo de soberania e segurança alimentar.

Neste sentido, as políticas conquistadas nesse período do governo Lula são fundamentais. Nós saltamos de R$ 2 bi destinados ao Pronaf no início do governo para os atuais R$ 15 bi. Sem contarmos as políticas estruturantes – comercialização através da lei estabelecendo que 30% da merenda escolar de todo o país tem que ser compradas da agricultura familiar. Políticas como estas são fundamentais.

E em relação à assistência técnica?

Há problemas sérios nessa área. O governo Collor destruiu tudo o que havia de assistência técnica no país. Fernando Henrique, em suas duas gestões, apesar da luta dos movimentos sociais, não conseguiu reestruturar. Assim chegamos ao início do governo Lula. Foi uma luta trazer um setor de assistência técnica para dentro do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e também houve uma luta nossa por recursos. Nós denunciamos no Grito da Terra Brasil, a assistência técnica para a agricultura familiar e os assentamentos da reforma agrária davam em torno de R$ 300 milhões. Agora, o mais importante foi a assinatura da Lei de Assistência Técnica no Brasil no dia do lançamento do plano Safra. Nós precisamos ter uma assistência técnica pública, porém não só estatal. É necessário reforçar os órgãos de pesquisa e assistência técnica dos Estados, as EMATERs, e também que essa assistência seja dada pelas próprias organizações de agricultores, pelos nossos técnicos etc.

Hoje, as assistências técnicas dos Estados desenvolvem esse trabalho? Elas têm órgão correspondente federal?

Temos um departamento no Ministério do Desenvolvimento Agrário que firma convênios com as empresas estaduais para repasse de verbas. Mas nossas empresas estaduais, em sua grande maioria, estão muito defasadas, sucateadas, não foram contratados, nem capacitados técnicos. Muito recurso do governo federal chega às empresas mas, em muitos casos, não chega às mãos dos agricultores, perde-se na própria estrutura. Daí nossa esperança com essa nova Lei de Assistência Técnica.

Em São Paulo, por exemplo, foi totalmente desmontada a assistência técnica. E o desafio de termos um suporte adequado para a agricultura familiar é ter a assistência técnica. Segundo números do IBGE, somente 30% dos agricultores familiares têm acesso à ela. Imagine se chegássemos a 60 ou 70%, o que geraria de produção e desenvolvimento na agricultura familiar neste país. Sem dúvida este é o fator primordial. Está avançando, há uma compreensão, porém estamos no início de uma longa caminhada.

Como você vê a equação agricultura familiar e agronegócio?

Esse é um grande debate que estamos fazendo e que a sociedade brasileira e a opinião pública precisam fazer também. Achamos que no Brasil há espaço para todas as agriculturas. Agora, o que precisamos é que a política do Estado brasileiro que historicamente foi direcionada para o agronegócio – nos moldes da agricultura patronal brasileira – comece a se voltar para priorizar a agricultura familiar. Até porque eles (o agronegócio) já são desenvolvidos e não precisam dos mecanismos e das políticas do Estado para sobreviver. Há espaço para as duas agriculturas.

Agora, é preciso debater para não mascarar, como faz a sociedade ao negar a existência dos vários modelos de agricultura no Brasil. As pessoas acham que a agricultura é uma coisa só. Se é agricultor é todo mundo igual, pensam. Isso não é verdade. Há uma grande diferença em trabalharmos a agricultura familiar e a patronal. Além disso, quando pegamos o setor da cana, do café, da pecuária – é grande a importância da pecuária na agricultura familiar e na produção de leite. Nós temos a questão dos integrados: o frango, principalmente no Sul, e o fumo que têm sido importante para a agricultura familiar. Agora, nós não debatemos profundamente as relações que se dão entre os integrados e a grande agroindústria.

Existe uma grande seleção entre os integrados. Muita agente saiu dos integrados para fortalecer os que se tornaram agricultores mais fortes, produzindo mais. Temos ainda dificuldades em discutir com as integradoras, inclusive, nas negociações dos lucros que se dá através dessa atividade. Em alguns casos, nós nos tornamos quase que empregados dessas integradoras sem o reconhecimento dos nossos direitos. Elas são importantes? Sim. Existe grande parcela de agricultor familiar que produz na integração? Sim, existe e precisa continuar. Mas é fundamental modernizarmos as relações entre os integrados e as integradoras, assegurando os direitos.

Como você vê a atuação e a gestão da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) sob a batuta da senadora Kátia Abreu (DEM-TO)?

É difícil analisar uma entidade que não é a nossa. Mas, nós entendemos que a senadora Kátia Abreu se veste de pele de cordeiro. É uma loba na defesa dos seus interesses. Ela vem “modernizando” o seu discurso, mas trata-se de um discurso extremamente conservador, contra os avanços sociais no campo brasileiro, expressão de uma reação muito forte contra a reforma agrária e de criminalização dos movimentos sociais, por exemplo, veja o que fazem em relação ao MST, um absurdo. Há, principalmente, a idéia de maquiar as reais diferenças no campo, como se fôssemos uma única agricultura e como se não tivéssemos problemas nas relações do trabalho, como se não houvesse uma grande agricultura familiar, agora felizmente reconhecida pelo IBGE em seu Censo Agropecuário.

Há, na realidade, uma forte reação contra a democratização da terra no Brasil e o fortalecimento da agricultura familiar. A CNA e setores conservadores, porta-vozes de um patronato muito arcaico e atrasado, tentam esconder o avanço que essa agricultura teve e precisa ter no Brasil. Veja só o exemplo da pesquisa que eles lançaram pela CNA esse ano. A pesquisa não retrata a realidade. De mil assentamentos, foram pesquisados apenas sete ou oito. E sem nenhuma comprovação da base cientifica do levantamento. Não temos dúvida que ela foi lançada não por mera coincidência exatamente quando o país tomava conhecimento e discutia o resultado do Censo do IBGE realçando justamente o papel da agricultura familiar.

Essa pesquisa é um exemplo da reação promovida pela CNA contra a reforma agrária, uma tentativa de desmoralizá-la. Uma coisa é compreendermos e admitirmos que há problemas na reforma agrária. Outra é divulgar os assentamentos e os sucessos obtidos nessa área. Essa pesquisa oculta toda a parte boa e ressalta o negativismo, numa clara tentativa de passar à sociedade brasileira que a reforma agrária não é importante no Brasil.

A segunda questão é que a pesquisa ofusca a importância da agricultura familiar, dos assentados da reforma agrária que se transformam em agricultores familiares tradicionais. E terceiro, ofusca o debate da alimentação no Brasil já que a agricultura familiar é importante para a soberania e segurança alimentar. Neste ano, inclusive, a FAO realizou um evento para discutir o flagelo mundial em relação à alimentação. Infelizmente, já passamos da cifra de 1 bilhão de pessoas em risco de passar fome. Uma das formas, sem dúvidas, de combater essa realidade é investir na agricultura familiar, no desenvolvimento sustentável, na discussão do acesso aos recursos naturais da terra e da água.

Qual o impacto que tiveram no campo até agora programas do governo Lula como o Territórios da Cidadania?

No nosso entendimento, trata-se de uma política muito acertada, que precisa persistir. E ser melhorada porque através dela, nós começamos a fazer política pública de acordo com a realidade dos territórios, do local onde as pessoas vivem. Com a diversidade enorme que nós temos no Brasil, é a partir daí que essas políticas ajudarão no efetivo desenvolvimento sustentável dos territórios das nossas regiões.

A grande sacada desse projeto é que ele envolve o conjunto de ministérios, integrando as políticas públicas nessas questões. Há enormes desafios. O primeiro é a gama de disputas locais dentro dos territórios onde convivemos com uma enorme diferença do ponto de vista econômico, social, cultural e de poder político – dos coronéis – para que tenhamos uma igualdade de debate e consigamos fazer com que essas políticas garantam um desenvolvimento que realmente mude a fisionomia das regiões. Para isso, precisamos ter capacidade de discussão de igual para igual. É preciso investir muito em capacitação, conhecimento e treinamento para que as disputas sejam equilibradas no sentido da visão do desenvolvimento sustentável dos territórios.

Nós nos orgulhamos da política dos territórios ter nascido de um debate no final dos anos 90 dentro do movimento sindical, inclusive dentro da Contag, com grandes programas de desenvolvimento local sustentável. Foram bases substanciais do projeto alternativo de desenvolvimento que nós iríamos trabalhar, modéstia à parte, no Brasil desde os locais, como contribuição dos trabalhadores rurais para a sociedade. Hoje, ela é uma política que começa a ganhar corpo e nós torcemos para que possa se tornar uma política permanente visto que ainda é muito recente, muito nova e evidentemente precisará de muitos ajustes.

Alberto, gostaria que você comentasse um pouco dos 46 anos da Contag e também como estão as discussões em torno do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável?

A Contag comemora nesse mês 46 anos de fundação. Ela foi muito importante na democratização do país, uma das entidades que sofreu grandes intervenções durante o período militar, lutou contra a ditadura e pelo direito dos trabalhadores assalariados, pela reforma agrária e, principalmente, por políticas agrícolas diferenciadas – o que gerou todo esse debate sobre a agricultura familiar.

A Contag é importante para o país não só do ponto de vista corporativo dos seus agricultores e filiados, mas como uma instituição. A partir de 1995, no nosso VI Congresso Nacional, nós começamos a debater um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável solidário que nada mais é do que o questionamento do modelo de desenvolvimento rural brasileiro. Queremos uma agricultura com gente no campo porque hoje, você pode fazer com ou sem gente. Nós queremos com gente. Não somos contra a tecnologia, mas ela tem que privilegiar o desenvolvimento rural e nele ter uma visão agrícola de desenvolvimento.

O Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável se resume em três grandes pilares: o primeiro é discutir a reforma agrária; o segundo, fazê-la ampliar o fortalecimento da agricultura familiar; e o terceiro, discutir as políticas sociais de desenvolvimento a partir do local e dos territórios dos próprios trabalhadores rurais. É uma idéia que cresce. Através do projeto alternativo, geraram-se muitas políticas hoje adotadas por muitos prefeitos que se elegeram, inclusive, através dessas propostas. Também tivemos muitas idéias que levaram à conquista de políticas públicas que são políticas de governo hoje para o desenvolvimento sustentável.

A Contag realizou esse ano grandes encontros regionais em sete regiões. No Norte e Nordeste, pelas suas características foram dois. Discutimos com mais de duas mil lideranças sindicais, técnicos, agrônomos, cooperativas, associações, prefeitos e vereadores a atualização dessa proposta política. Ao mesmo tempo que a atualizamos, estamos escolhendo elementos fundamentais que servirão para a Contag ir aperfeiçoando tanto o nosso discurso quanto as nossas propostas de políticas públicas para que elas sejam negociadas com as esferas de governo e principalmente para discutirmos o aperfeiçoamento do desenvolvimento do país.

Como evoluiu a previdência no governo Lula para o trabalhador rural e da agricultura familiar?

Neste governo nós tivemos a aprovação de um projeto de lei, que vigorava como Medida Provisória, pelo qual de uma vez por todas garantimos aos segurados especiais – trabalhadores do campo que tem direito à aposentadoria aos 60 anos de idade (homem) e aos 55 (mulher) com um salário mínimo – o direito de fazer parte do regime geral da Previdência Social. Embora isso estivesse na Constituição, vivíamos uma ameaça (de perder) na sociedade brasileira. Setores sociais – principalmente do governo FHC – ameaçaram nos retirar do regime geral de Previdência para o da assistência social, com o discurso de que não éramos contribuintes…

Finalmente, no Fórum da Previdência, convencemos setores importantes da sociedade, dos trabalhadores, das centrais sindicais quanto a isso. E o presidente Lula nos fez uma promessa na Marcha das Margaridas e no Congresso da Contag, de que no seu governo nós não teríamos nenhuma perda de direitos, mas a concretização deles. Com o apoio do governo e do Congresso Nacional, nós tivemos a aprovação da lei e hoje temos essa garantia: os segurados sociais continuarão na Previdência. E mais, o ministro José Pimentel, um grande ministro, vem trabalhando a facilitação do acesso dos trabalhadores à Previdência. Assinamos um convênio entre a Contag e o Ministério e através dos nossos sindicatos vamos cadastrar todos os segurados especiais para que, de posse desse cadastro, o trabalhador do campo possa ter facilitado o acesso ao benefício quando chegar o tempo da sua aposentadoria, bem como o de outros benefícios. Como, por exemplo, o auxílio maternidade para nossas mulheres camponesas.

Este é um tema que está indo muito bem, avançando dia a dia, mudando a realidade dos trabalhadores rurais. Além do direito à aposentadoria, nós temos em muitos municípios brasileiros – em todas as regiões do Brasil, mais especificamente no Norte e no Nordeste – os aposentados como a maior fonte de renda dessas comunidades. Imaginem uma cidade pobre com 3 a 4 mil aposentados rurais, o que esse benefício da Previdência gera de desenvolvimento.

E como está a relação da Contag com outras centrais sindicais? Vocês passaram por um processo de desfiliação da CUT…

O grande debate do 10º Congresso da CONTAG, em março deste ano, foi esse. O conjunto da Contag, seus mais de 4.200 sindicatos, suas 27 federações nunca antes na história da entidade tiveram um debate tão profundo, aberto e democrático como o que aconteceu neste congresso. A Contag era filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT) desde 1995, há quase 15 anos. Éramos em torno de mil sindicatos e 14 ou 15 federações da Contag filiados à CUT. Nós convivemos esse tempo com os cutistas, os que eram contra a CUT e os indiferentes dentro da Contag.

Nessa conjuntura do reconhecimento das centrais sindicais no Brasil pelo governo Lula – aliás, um grande avanço – criou-se uma outra entidade, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) com forte inserção no campo brasileiro. Então na nossa base ou se era cutista ou cetebista. Foi um grande debate entre os que entendiam que a Contag deveria continuar filiada à CUT e os que defendiam a não filiação a nenhuma central sindical para que todas tivessem abrigo dentro da Contag.

Em uma votação inédita, por ampla maioria, ganhou a tese de que nós deveríamos nos desfiliar da CUT e de outras centrais. Ao mesmo tempo, os próprios trabalhadores do congresso fizeram um acordo de que majoritariamente no seio da Contag nós vamos trabalhar com essas duas centrais. Continuam filiados à Contag os sindicatos cutistas e as federações que optaram pela CUT; e respeitamos a decisão dos que optaram por ficar na CTB, para que assim, majoritariamente, possamos no seio contaguiano conviver com as duas centrais. E para que acima de tudo nós tenhamos a Contag unida.

É evidente que esse é um desafio enorme. Mas a capacidade das lideranças sindicais, mesmo com essa diversidade, ao ter feito uma chapa única para a Contag, mostra um amadurecimento e um compromisso com as lideranças para que acima de tudo, nós mantenhamos a Contag forte, unida e coesa. E também para que possamos valorizar as centrais sindicais e trabalhar com a CUT e a CTB no sentido de fortalecer a Contag. Vamos exercer a democracia sem perder esse princípio da unidade e da garantia da pluralidade das diversas centrais sindicais, respeiitando todas.

Como você avalia o próximo ano, a questãso política, a sucessão presidencial?

Com alegria e preocupação. Alegria porque queremos que o projeto que se instalou no Brasil com o presidente Lula – que nos orgulhamos de ter apoiado – possa continuar no país. Evidentemente que há outro projeto em disputa e creio que é isso que vai permear o debate em 2010. A Contag já vem debatendo esse projeto com seus sindicatos e federações, com sua base que é heterogênea. Dentro dela, do ponto de vista partidário, sociológico, nós temos a cara dos trabalhadores, uma grande diversidade. Mas o objetivo é nunca perdermos essa diretriz política de continuarmos nesse projeto [do governo atual].

Do ponto de vista partidário aguardamos as alianças que os próprios partidos da base vêm desenvolvendo, e esperamos fazer um grande debate de continuidade e aperfeiçoamento deste projeto capitaneado pelo presidente Lula, pelo PT e aliados. Sabemos que será uma disputa muito intensa, mas os trabalhadores inseridos no dia a dia das políticas públicas do governo Lula, certamente facilitarão o nosso debate.

Evidentemente, teremos de contribuir com os programas para que possamos melhorá-los. Nós não estamos contentes só com o que está aí, queremos melhorar. Afinal de contas ainda existe injustiça no país, ainda não conseguimos em oito anos resolver os problemas de 500 anos do Brasil. Há muitas dívidas com os trabalhadores rurais, de distribuição de renda com toda a população e o caminho para melhorar é aperfeiçoar o projeto desenvolvido no Brasil.

A nossa preocupação é não voltar para trás. Não queremos que seja um projeto antagônico – o de Serra por exemplo – que seria voltar para trás nas conquistas que já conseguimos nesse país.

Há alguma viabilidade da reforma agrária ser feita hoje por pressão dos movimentos e assentamentos que são criados sem nenhum planejamento de infraestrutura?

Nós não temos esse planejamento no país e a legislação impede. Mesmo nessa legislação tivemos enormes falhas. Os movimentos sociais continuam fazendo sua pauta – a luta pela terra – e vamos reproduzindo um movimento que precisa ser repensado porque não podemos entrar no discurso de que “temos o problema então vamos nos impedir de fazer a reforma agrária”.

O censo do IBGE mostra uma concentração de terra, uma das mais brutais do mundo. Temos que atacar esse problema. Estamos muito abertos para debater, apresentar propostas e ter de fato um plano nacional de reforma agrária nesse país que imponha inclusive a diferenciação das regiões. Não podemos pensar para o Brasil um único modelo. Hoje nós não temos. O INCRA não tem e o governo tem tido enormes dificuldades nesse aspecto.