Por um novo modelo para o campo

Por João Paulo Rodrigues* O avanço do capital financeiro e de grandes conglomerados empresariais do agronegócio, com a sustentação da mídia burguesa, vem aumentando a concentração de terras e piorando a vida dos trabalhadores rurais. Por isso, queremos fazer um amplo debate com toda a sociedade brasileira sobre o melhor projeto para a nossa agricultura, que tenha como base a soberania alimentar, distribuição de riquezas e a sustentabilidade ambiental.

Por João Paulo Rodrigues*

O avanço do capital financeiro e de grandes conglomerados empresariais do agronegócio, com a sustentação da mídia burguesa, vem aumentando a concentração de terras e piorando a vida dos trabalhadores rurais. Por isso, queremos fazer um amplo debate com toda a sociedade brasileira sobre o melhor projeto para a nossa agricultura, que tenha como base a soberania alimentar, distribuição de riquezas e a sustentabilidade ambiental.

Atualmente, a maior parte de nossas riquezas, produção e distribuição de produtos agrícolas está sob controle das empresas transnacionais, que se aliaram aos fazendeiros capitalistas e produziram o modelo de exploração do agronegócio, buscando consolidar uma matriz produtiva na agricultura baseada no uso intensivo de insumos industriais, como máquinas, fertilizantes químicos e agrotóxicos. Já tínhamos um desenho desse modelo agrícola no nosso país, baseado no latifúndio, na exagerada utilização de agrotóxicos e na expulsão das famílias do campo, sob guarda do capital internacional, no projeto da ditadura militar para a agricultura.

Na década de 60, o modelo de desenvolvimento apoiado no capital industrial demonstrava sinais do esgotamento. O governo João Goulart e seu ministro Celso Furtado elaboraram uma avançada proposta de reforma agrária de nosso país.

Para ampliar o mercado interno e o abastecimento dos centros urbanos, a proposta limitava o tamanho máximo da propriedade da terra e desapropriava as áreas em torno das rodovias para garantir tanto o escoamento da produção como o acesso à energia e infra-estrutura para os camponeses. O Plano de Reforma Agrária foi anunciado por João Goulart no comício da Central do Brasil, um dos fatos desencadeadores do golpe de 1964.

O regime militar, instalado naquele ano, não apenas interrompeu a oportunidade mais efetiva que tivemos de democratizar o acesso à terra como também estabeleceu uma saída para a crise do capital industrial brasileiro, ampliando a dependência ao capital internacional. Estabeleceu também um violento processo de mecanização, concentração de terras e êxodo rural. Era um período de expansão das empresas transnacionais para dominar mercado, controlar matérias-primas e explorar a mão de obra barata nos países periféricos.

De 1979 a 1984, os camponeses viviam um clima de ofensiva no espírito geral impregnado na classe trabalhadora e realizaram dezenas de ocupações de terra em todo o país. Os posseiros, os sem terra e os assalariados rurais perderam o medo – e foram à luta. Não queriam mais migrar para a cidade como bois marcham para o matadouro. Nesse contexto, nasce em 1984, depois de cinco dias de debates em Cascavel, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Os nossos objetivos eram claros: organizar um movimento de massas nacional, que pudesse conscientizar os camponeses para lutarem por terra, por reforma agrária (mudanças mais amplas na agricultura) e por uma sociedade mais justa e igualitária. Queríamos, enfim, combater a pobreza e a desigualdade social. A causa principal dessa situação no campo era a concentração da propriedade da terra, apelidada de latifúndio.

MODERNO E ATRASO

O agronegócio já mostrou que a sua existência é uma combinação do que temos de mais moderno e atrasado. Capital financeiro aplicado em grandes empresas avançam com a depredação ambiental, trabalhadores mantidos em regime de semi-escravidão, concentração da renda e da riqueza, anistia das dívidas dos ruralistas a cada cinco anos e expulsão de milhares de famílias do campo são apenas alguns exemplos do que nos custa a manutenção do modelo do agronegócio.

O ponto central é que o modelo do agronegócio, implantado desde o regime militar não representa solução para os problemas dos milhões de pobres que vivem no meio rural. O censo agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) coloca luz sobre os dois modelos agrícolas que estão disputando a nossa agricultura: o agronegócio e a agricultura familiar e camponesa.

O estudo mostrou que a concentração de terras vem aumentando, com o índice Gini alcançando 0,872 para a estrutura agrária brasileira, superior aos índices apurados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856).

O chamado agronegócio representa 15,6% dos estabelecimentos agrícolas, embora monopolize 75,7% da área agrícola. Com isso, impõe ao país um modelo sustentado no latifúndio, na monocultura extensiva e no interesse de atender o mercado externo. Ou seja, o mesmo modelo aplicado por cinco séculos.

O censo mostra também que a agricultura familiar, ocupando apenas 24% da área agrícola, produz 38% da riqueza desse setor produtivo, emprega 75% da mão de obra no campo, responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.

Apesar de o setor agroexportador ser responsável pelo saldo na balança comercial, não se pode ignorar que é a custos econômicos, sociais e ambientais. A partir dos anos 1990, com as transformações ocorridas na economia capitalista, sob o rótulo do neoliberalismo, os grupos agroindustriais transnacionais e o capital financeiro tomaram conta da agricultura brasileira, de olho em nossas reservas de riquezas naturais e dos enormes lucros decorrentes da exportação dos produtos primários brasileiros.

Ainda mais porque, no nosso país, o modelo agroexportador resultou na interdição da reforma agrária, que está sob a responsabilidade do governo Lula. A democratização do acesso à terra esbarra na transformação dos recursos naturais em reserva de expansão do agronegócio. Nesse contexto, não há espaço para os camponeses, para a reforma agrária e para um modelo agrícola baseado na produção em pequenas e médias propriedades, voltadas para a produção de alimentos para o povo brasileiro.

LULA SEGUE FHC

Infelizmente, o governo Lula vem dando prioridade à produção de monocultoras destinadas à exportação, sob controle das empresas transnacionais e do capital financeiro, para sustentar a política econômica neoliberal herdada de FHC. A política de crédito agrícola do governo não deixa dúvidas. Tanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como o Banco do Brasil concedem bilhões de crédito a grandes empresas, enquanto as políticas para a agricultura familiar são insuficientes.

Nesse período de construção do modelo do agronegócio, os métodos para enfrentar os que se opõem não mudaram. Apenas receberam uma aliada, a mídia. É necessário perseguir, criminalizar e, se possível, extinguir os que ousam se opor ao agronegócio e defendam a agricultura familiar e a soberania alimentar do nosso país e, principalmente, quem ousa organizar os pobres do campo.

O avanço das empresas transnacionais na agricultura está combinado com uma ofensiva articulada por parte do Poder Judiciário, da imprensa empresarial e do Estado para reprimir os movimentos sociais. Um exemplo são os ataques do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, episódios do Rio Grande do Sul, quando o Ministério Público estadual e a governadora Yeda Crusius determinaram oficialmente a “eliminação” do MST e o fechamento das escolas itinerantes.

Agora, foi instalada uma CPI contra a Reforma Agrária, por iniciativa dos parlamentares mais atrasados da bancada ruralista. Esses não se encaixam nem mesmo como representantes do agronegócio. Promovem as mesmas atuações da bancada da União Democrática Ruralista (UDR). é a terceira CPI contra o MST. E todos os convênios destinados às áreas de reforma agrária recebem rigorosa auditoria dos órgãos competentes, como o Tribunal de Contas da União (TCU). Lamentamos que tal rigor não seja aplicado à classe patronal e a ONGs tucanas.

O resultado desse quadro são os menores índices de desapropriação e assentamentos da história do Brasil. Em 2008, das 18.630 famílias oficialmente assentadas pelo governo federal, apenas 2.366 são novas famílias, enquanto o restante são ainda regularizações de projetos de assentamentos dos anos anteriores. É uma vergonha para aqueles que tinham um compromisso histórico com a reforma agrária.

A humanidade precisa encarar os alimentos como um direito de todo ser humano e deixar de tratá-los como mercadorias, para dar lucro às empresas transnacionais. Precisamos de políticas para estimular, em todos os países, o fortalecimento da produção camponesa, única forma de fixar as pessoas no interior e produzir alimentos sadios, sem agrotóxicos.

No nosso país, estamos diante da oportunidade de realizar uma reforma agrária de novo tipo, que tenha caráter popular em sua natureza e interesses. Temos que implementar um novo modelo agrícola, baseado em uma matriz produtiva agroecológica e destinada à soberania alimentar, capaz não apenas de democratizar o acesso à terra e à produção, mas de impedir o processo que marcha para o colapso ambiental e alimentar.

COMBATE À POBREZA

Vamos dar seguimento à nossa luta pela reforma agrária e contra o atual modelo agrícola, que impede a consolidação da pequena e média agricultura, transforma em mercadoria nossos recursos naturais e trata a agricultura e os alimentos como jogos de cassino.

A luta pela reforma agrária, que antes se baseava apenas na ocupação de terras do latifúndio, agora ficou mais complexa. Temos que lutar contra o capital, contra a dominação das empresas transnacionais. A reforma agrária deixou de ser aquela medida clássica: desapropriar grandes latifúndios e distribuir lotes para os pobres camponeses.

Agora, as mudanças no campo para combater a pobreza, a desigualdade e a concentração de riquezas dependem de mudança não só da propriedade da terra, mas também do modelo de produção. Se os inimigos são também as empresas internacionalizadas, que dominam os mercados mundiais, significa também que os camponeses dependerão cada vez mais das alianças com os trabalhadores da cidade para poder avançar nas suas conquistas.

Com esse novo quadro, defendemos um modelo agrícola baseado na pequena agricultura e em uma reforma agrária popular, com o casamento da distribuição de terras com um programa de agroindústrias, dentro de um novo modelo econômico de desenvolvimento, voltado para o atendimento das necessidades do povo brasileiro.

Dessa forma, a agricultura poderá garantir, antes de qualquer coisa, a produção de alimentos saudáveis para o mercado interno, assegurar a preservação ambiental e promover a distribuição da riqueza e da renda produzidas. Essas conquistas, de acordo com os dados do censo agropecuário, são incompatíveis para os trabalhadores dentro do modelo do agronegócio.

*João Paulo Rodrigues é integrante da coordenação nacional do MST. Filho de trabalhadores rurais, foi assentado em Euclides da Cunha Paulista, no Pontal do Paranapanema.

Texto publicado originalmente em O Estado de Minas, Caderno Pensar Brasil, em 9/1/2010.