Criminalização deixa movimentos sociais alagoanos em alerta

Na tarde do último domingo (28/2), um dia após a reocupação da fazenda Capim, acampamento 1º de Novembro, em Inhapi-AL, o assentado José Aparecido Costa da Silva foi abordado por cinco viaturas da Polícia Militar quando se deslocava de sua casa, no assentamento Frei Damião, para o centro da cidade. O agricultor relata que teve suas algemas tiradas dentro da viatura e que passou cerca de três horas rondando pela zona rural de Inhapi, sendo ameaçado de morte e recebendo pressões dos policiais.

Na tarde do último domingo (28/2), um dia após a reocupação da fazenda Capim, acampamento 1º de Novembro, em Inhapi-AL, o assentado José Aparecido Costa da Silva foi abordado por cinco viaturas da Polícia Militar quando se deslocava de sua casa, no assentamento Frei Damião, para o centro da cidade. O agricultor relata que teve suas algemas tiradas dentro da viatura e que passou cerca de três horas rondando pela zona rural de Inhapi, sendo ameaçado de morte e recebendo pressões dos policiais. Ao chegar na delegacia, Cido passou em torno de dez minutos apanhando covardemente na frente de todos os presos, sendo forçado, assim, a assinar “seu depoimento”.

Utilizar a brutalidade policial é um dos meios de a elite latifundiária defender suas posses. Tanto as cenas de violência vividas por Cido, como a disponibilidade do Juiz Ferdinando Scremin em legalizar imediatamente a prisão dele (e sair de férias logo depois) são métodos conhecidos de converter a luta pela Reforma Agrária num crime. As torturas deste fim de semana no Alto Sertão alagoano, comprovadamente terra de pouca lei, nos remetem ao período de ditadura sangrenta articulada pelos militares em nosso país.

No ato unificado dos servidores públicos do Estado, realizado nesta quarta-feira (3/3), em Maceió, os movimentos presentes transmitiram uma mensagem de resistência e solidariedade ao MST. Nas palavras de Izaac Jacson, presidente da CUT-AL, “Não vamos aceitar esse tipo de tratamento!”, discursando em frente ao palácio República dos Palmares. A defesa de Cido deve protocolar na manhã desta quinta -feira (4/3) o pedido de relaxamento de prisão, embora não haja indicação até o momento de quem vai assumir a comarca de Água Branca nas férias de Scremin.

O Centro de Gerenciamento de Crises, Direitos Humanos e Polícia Comunitária (CGCDHPC) da Polícia Militar anunciou que fará a reintegração de posse na fazenda Capim na próxima sexta-feira (5/3), às 10h.

Na cadeia há 3 dias, o produtor rural José Aparecido Costa da Silva, conhecido como Cido, é pai de quatro crianças no assentamento Frei Damião, zona rural de Inhapi. Lutou para conquistar sua terra. Hoje mantem uma criação de animais, faz serviços de borracharia e sua família está preparando seu roçado para a plantação. Na tarde desta quinta, Cido receberá a visita de seus filhos, amigos e apoiadores da sociedades civil, professores, Igreja e alguns sindicatos, entre 13h30 e 17h.

A proposta que a luta pela Reforma Agrária traz ao camponês é uma possibilidade real de sobrevivência e transformação do modo como usufruem das riquezas. Os assentamentos de Reforma Agrária hoje em Alagoas produzem alimentos saudáveis, agroecológicos, que chegam diariamente às mesas do trabalhador no campo e na cidade, através de feiras regulares. “O ataque ao MST extrapola a luta pela Reforma Agrária. É um ataque contra os avanços democráticos conquistados na Constituição de 1988 – como o que estabelece a função social da propriedade agrícola – e contra os direitos imprescindíveis para a reconstrução democrática do nosso País. É, portanto, contra essa reconstrução democrática que se levantam as lideranças do agronegócio e seus aliados no campo e nas cidades.”, extraído da cartilha A ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais no Brasil, lançada no Fórum Social Mundial 10 Anos, em Porto Alegre.

O Incra enviou um representante para relatar o conflito no local. Mas nenhum sinal da posição do Governo do Estado sobre a ação truculenta da PM foi ouvido até então.

Conheça um pouco da cronologia de conflitos na região de Inhapi

A luta pela Reforma Agrária em Alagoas teve como palco inicial as terras do Alto Sertão, quando ainda na década de 1980 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizava suas primeiras ocupações no Estado. Esse enfrentamento aos coronéis continuou à preço de sangue e violência até hoje.

Quando assistimos a ação policial contra os acampados do 1º de Novembro, na fazenda Capim, Inhapi (275 km de Maceió), só podemos compreender os reais motivos dessa repressão em nível desumano analisando seu contexto histórico e os envolvidos. Em meados de 2003, 315 famílias ligadas ao MST entraram na fazenda Capim, até então em posse de Maria Leonor Luna Torres e José Luna Torres e localizada à aproximadamente 15km do centro de Inhapi.

Em outubro daquele ano, a juíza da comarca de Água Branca, Raquel David Torres, sobrinha dos requerentes, expediu o primeiro mandado de manutenção de posse sobre a área ocupada. Durante todos esses anos, a jurisdição foi questionada, por ser de competência da comarca de Mata Grande.

Pela primeira vez, em dezembro de 2003, após estudos topográficos da região, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se comprometeu em juízo a desapropriar terras na região para ao assentamento das famílias. As famílias permaneceram até janeiro de 2005, quando foram transferidas para a fazenda Salgadinho, onde hoje se localiza o Assentamento Frei Damião. Neste tempo, já havia assumido a comarca de Água Branca um novo juiz, Giovanni Alfredo de Oliveira Jatubá, que exigiu o cumprimento da manutenção de posse emitida por sua antecessora.

Enquanto o processo contra os acampados estava suspenso, os agricultores mantiveram suas roças no local onde cultivavam no acampamento 1º de Novembro. É em maio de 2005 que o juiz emite um interdito proibitório, impedindo a partir dali a entrada de militantes do MST na fazenda Capim, sob pena de crime de desobediência (o mesmo crime alegado para prender sem ordem judicial José Cícero Costa da Silva, no útimo dia 28).

Após um período de tensão na região, no dia 1º de Novembro de 2005 é novamente erguido o acampamento na fazenda Capim. Os agricultores continuam a produção de algodão, milho, mandioca, batata, entre outros produtos ao mesmo tempo em que pressionam o Incra para serem assentados.

Os empregados do antigo dono, liderados pelo vaqueiro conhecido como “Zito” sempre mantiveram o clima de ameaças aos acampados. No ano de 2006, abrindo diálogo com Sr. Luna Torres, os empregados criaram a Associação de Pequenos Produtores Rurais do Sítio Capim para comprar na política de Crédito Fundiário a fazenda ocupada. Mesmo contrariando os princípios dessa política de Crédito, em que não se pode adquirir terras que já passem por conflito, como o caso do acampamento 1º de Novembro, o procedimento foi levado à frente com o Banco do Nordeste.

A situação piorou e entre o fim de 2005 e início de 2006 uma verdadeira batalha foi o estopim da disputa. Neste dia, os ex-empregados associados pelo Crédito Fundiário chegaram na área ocupada fazendo ameaças e dizendo que a polícia estava a caminho, numa tentativa de intimidar os agricultores. Depois de muita confusão, os militantes do MST conseguiram tirar de poder dos ex-empregados uma espingarda de calibre doze. Após a ameaça de ferir um acampado com golpes de facão e de os agricultores da associação perderem mais duas armas, houve um tiroteio, seguido de muita confusão, o que deixou dois militantes do MST feridos.

Depois deste enfrentamento direto, os acampados relatam que o Sr. José Luna enviou quatro “pistoleiros” para vigiar as áreas de Zito, principal liderança de seus empregados. Eles rondavam pelas roças expondo as armas, sempre numa prática de provocação, ao passo que mais um processo surgia para imissão de posse em 14 de setembro de 2006, desta vez de autoria da própria associação. Após sucessivas tentativas de acordo entre as partes e estudos planimétricos da região pelo Incra, somente em 18 de abril de 2007, o juiz Giovanni de Oliveira finalmente declinou a competência do caso para a comarca de Mata Grande. Por sua vez, o juiz George Leão de Oliveira também declinou da competência, solicitando ao Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) que decidisse qual comarca iria atuar no processo de imissão de posse.

Desde 2007 sem ameaças de despejo, as famílias produzem e vendem em feiras locais produtos da agricultura camponesa como feijão, milho, palma, andu, fava, mandioca, batata e outros, além de manterem seus animais. O envolvimento com a luta política forma homens e mulheres livres, que estudam, produzem e usufruem de forma igualitária seu território. Uma escola foi construída na casa onde morava o antigo vaqueiro da propriedade, evidenciando o contraste entre as propostas de Reforma Agrária em questão.

Já em 2009, com o encaminhamento do TJ-AL para que a comarca de Água Branca julgue o processo contra o acampamento 1º de novembro, o juiz Ferdinando Scremin Neto ordenou a imediata saída das famílias da área. Após inúmeras negociações feitas pelo Centro de Gerenciamento de Crises, Direitos Humanos e Polícia Comunitária da PM (CGCDHPC), o mesmo juiz condenou as lideranças do Movimento a pagarem multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) caso mantivessem a ocupação após 23 de setembro de 2009 e exigiu da PM o cumprimento da sentença. Mais uma negociação com o CGCDHPC, garantiu um prazo de 30 dias a partir de 18 de novembro para que os agricultores colhessem sua produção.

Com reintegração de posse agendada para o dia 14 de dezembro, cerca de 150 agricultores do MST ocuparam no dia 1 de dezembro a Secretaria do Estado da Agricultura (Seagri), para pressionar a uma negociação sobre a fazenda Capim. Na mesa sentaram MST, Incra, Federação dos Trabalhadores da Agricultura – Fetag (representando a associação do crédito fundiário) e Governo do Estado, através da Seagri e do Instituto de Terras de Alagoas (Iteral). O Incra se comprometeu dali a adquirir terras na região para assentar as famílias, construindo casas em até, no máximo, um ano. O Governo do Estado se comprometeu a suspender a reintegração de posse até a ação do Incra se concretizar e as famílias poderiam permanecer cultivando em seus roçados. A Fetag, por sua vez ficou de dialogar com a associação para garantir o acordo.

Parecia que tudo estava bem encaminhado de forma pacífica, quando em 2 de fevereiro deste ano, as famílias foram surpreendidas pela ação da Polícia Militar de despejo forçado daquela área. Deixaram naquele momento suas produções para trás, roças que foram destruídas em seguida pelos “novos donos” da terra.

Sempre se mantendo na resistência ao avanço da violência do latifúndio no campo brasileiro, no último dia 27 de fevereiro, cerca de cem famílias do MST reocuparam a fazenda Capim. Sendo fortemente reprimidas com a prisão de um assentado do P.A. Frei Damião (assentamento vizinho à ocupação) que se deslocava de casa para o Centro de Inhapi. Cido foi levado, autuado por desobediência e transferido para a delegacia de Delmiro Gouveia. Teve suas roupas rasgadas, prestou depoimento em condições até agora desconhecidas e aparenta um estado de profundo desânimo. O juiz Ferdinando Scremin Neto entrou de férias a partir de 1 de março.