Agrotóxicos: lucro privado, prejuízo socializado

Da Radioagência NP Em parceria com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a Polícia Federal realizou recentemente uma série de fiscalizações nas principais produtoras de agrotóxicos do Brasil. As blitz descobriram irregularidades nos produtos comercializados pelas seis empresas fiscalizadas, a Syngenta, Bayer, Basf, Milenia, Nufarm e a Iharabras.

Da Radioagência NP

Em parceria com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a Polícia Federal realizou recentemente uma série de fiscalizações nas principais produtoras de agrotóxicos do Brasil. As blitz descobriram irregularidades nos produtos comercializados pelas seis empresas fiscalizadas, a Syngenta, Bayer, Basf, Milenia, Nufarm e a Iharabras.

Juntas, elas controlam mais da metade do mercado mundial de agrotóxicos, mas, de acordo com as fiscalizações, vendem produtos com fórmulas adulteradas, com a data de validade vencida, com problemas de qualidade e acima do limite de toxicidade indicado na embalagem.

A Syngenta, por exemplo, foi flagrada comercializando a cihexatina. Usada nas culturas cítricas, a cihexatina teve a venda proibida em 2009 no Brasil depois que se descobriu que a substância pode causar problemas na formação de fetos. Ainda assim, foi aberta uma exceção para os agricultores do estado São Paulo, que tem permissão de utilizar a substância até 2011.

Para falar sobre as consequências do uso de agrotóxico em nossas culturas, a Radioagência NP entrevistou o ambientalista Henrique Cortez. Segundo ele, o custo social é grande e quem paga a conta é a população.

Radioagência NP: Henrique, o Censo Agropecuário de 2006 constatou que 80% dos proprietários rurais usam agrotóxicos em suas culturas. Por que esse percentual tão grande?

Henrique Cortez: A desculpa é que o produtor deve ter o máximo de produção e de produtividade com a menor perda possível. Daí a intensa utilização de fertilização e a intensa utilização dos defensivos agrícolas, os agrotóxicos, ou para evitar pragas – tem casos que não é nem porque vai destruir os alimentos, mas porque o produto vai ficar manchado – ou a outra hipótese são herbicidas, para evitar que outros tipos de vegetais nasçam no meio da plantação. A lógica é realmente aquela da pior face capitalista possível, no sentido de uma produção que deve ser intensamente útil, para render no máximo possível, o maior lucro possível. Essa é a razão: lucro.

RNP: E como você avalia a atuação da Anvisa, que tenta ter um controle maior dos agrotóxicos comercializados no Brasil?

HC: A Anvisa realmente está preocupada com isso e está preocupada porque é um problema de saúde pública. O próprio Ministério do Trabalho registrou em 2008 mais de cinco mil casos de intoxicação por agrotóxicos em trabalhadores agrícolas. A Anvisa não está brincando, ela está agindo corretamente. O órgão quer o poder de reavaliar, avaliar e liberar. Não tem sentido produtos que são proibidos no exterior, serem usados no Brasil. Vários, tem sido proibidos pela Anvisa no último ano e com todos esses tem sido uma batalha [para conseguir a proibição].

RNP: Henrique, várias pesquisas comprovaram que o uso de agrotóxicos nos alimentos causa malefícios à saúde humana. Temos que ter menos cuidado com alguns alimentos e mais com outros?

HC: Em geral, os alimentos vegetais não são sistêmicos, ou seja, [os agrotóxicos] não atingem a raiz e a seiva da planta. Portanto, a planta em si, não fica contaminada por agrotóxicos, que geralmente fica na folha ou na casca. Então, é possível lavar e limpar, mas isso exige um trabalho grande, não é uma coisa tão simples assim. Quase ninguém tem escovinha na cozinha para tirar os fungicidas dos tomates, dos morangos, figos, uva. Só passar o alimento na água, não tira o agrotóxico. Então, exige um trabalho de limpeza. Um problema maior, em minha opinião, está no caso das carnes, porque tem hormônios que são dados aos animais. No caso das aves, se tem intensa utilização de antibióticos. E isso é um problema porque nós estamos pegando resistência a antibióticos pela via alimentar.

RNP: É possível falarmos em uma crise de segurança alimentar?

HC: Não é uma crise, isso já se incorporou ao processo de produção, é permanente e está cada dia maior. Eu não vejo como isso melhorar no longo prazo porque não é apenas o “eu-consumidor” que tem que ter responsabilidade, medo e cuidado no que compro. A utilização de agroquímicos e agrotóxicos em agricultura familiar e nos assentamentos de reforma agrária, por exemplo, ainda existe, mas é muito mais responsável. A utilização é irresponsável na produção agrícola de escala industrial, no famoso agronegócio. Esse usa muito mais, porque tem produzir muito mais, porque tem que ter muito mais lucro. Alguém tem que mexer nisso. Tem que ter uma visão estratégica do desenvolvimento, que não é esse modelo que temos hoje. Pode mudar se começarmos a investir em processos agro-ecológicos, se a produção agrícola ficar mais responsável, se a agricultura orgânica for incentivada, subsidiada. Portanto, é uma decisão política que pouca gente teria coragem de tomar.

RNP: E quem arca com custo desse atual modelo?

HC: O cidadão numa parte e a saúde pública na outra. Como sempre, e essa é uma característica desse modelo, o lucro é privado e o prejuízo socializado. A saúde pública arca com uma parte significativa dos custos, por tratar uma população que está ficando mais doente. E nós também [pagamos]. Há muito tempo atrás houve uma pesquisa da Fiocruz que demonstrou que numa cidade do interior do Paraná, a exposição intensa ao agrotóxico causou o declínio do nascimento de homens. Alguns pesticidas são associados ao câncer de mama, outros à perda de fertilidade feminina. Já sabemos que remédios de uso veterinário estão sendo localizados no leite consumido nos Estados Unidos e na Europa. O fungicida mais utilizado na uva é associado à inflamação na próstada. Ou seja, quem é que está pagando isso é a sociedade.