Agronegócio e latifúndio no banco dos réus em tribunal popular em Pernambuco

A noite da última quinta-feira (22/4) solenemente conduziu o agronegócio e o latifúndio ao banco dos réus. O MST e organizações como o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular - Direito nas Ruas (NAJUP) e a Terra de Direitos instauraram um simbólico Tribunal Popular nas dependências da histórica Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco.

A noite da última quinta-feira (22/4) solenemente conduziu o agronegócio e o latifúndio ao banco dos réus. O MST e organizações como o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – Direito nas Ruas (NAJUP) e a Terra de Direitos instauraram um simbólico Tribunal Popular nas dependências da histórica Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco. Para tanto, somaram-se docentes universitários, estudantes, trabalhadores(as) rurais, sindicalistas, intelectuais, membros de partidos políticos e outros movimentos sociais, com o intuito de discutir a realidade brasileira e, nela, as implicações da peculiar e cruel estrutura agrária nacional.

O tribunal foi composto pela professora Dra. Larissa Leal, que desenvolveu o papel de magistrada, pelo professor Me. Roberto Efrem Filho, ocupando o lugar da promotoria, e pelo advogado
sindicalista Teobaldo Pires, que assumiu a responsabilidade pela defesa do latifúndio e do agronegócio, fazendo-o, contudo, apenas cenicamente – como ele mesmo fez questão de tornar claro desde o início do evento. O corpo de jurados, por sua vez, formou-se com membros de movimentos sociais, professores e estudantes, os quais, ouvidas a acusação e a defesa, deveriam proferir sua decisão.

O agronegócio e o latifúndio sofreram denúncia por um sem-número de crimes contra os Direitos Humanos e o povo brasileiro. O primeiro dos crimes imputados foi o da reprodução das desigualdades sociais decorrentes da imensa concentração de terras no Brasil. Acusou-se o latifúndio de arbitrariamente se apoderar do chão de nosso país.

Segundo as informações oferecidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 1,6 % dos proprietários com imóveis acima de mil hectares detêm 46,8% da área total existente no Brasil. Outro crime perpetrado pelo latifúndio é o da improdutividade. Dados também do Incra informam que 51,40% dos imóveis classificados como grandes propriedades são improdutivos, o que significa que mais de 133 milhões de hectares de terras não atendem às exigências mínimas de produtividade.

Acusou-se o agronegócio pelo sacrifício do direito à alimentação, realizado em detrimento da agricultura familiar e em prol dos lucros do capital internacional. No Censo Agropecuário de 2006, realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram identificados 4.367.902 estabelecimentos de agricultura familiar. Eles representavam 84,4% do total, mas ocupavam apenas 24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros.

Já os estabelecimentos não familiares representavam 15,6% do total e ocupavam 75,7% da sua área. Apesar de ocupar bem menos espaço em nosso território, a agricultura familiar é a grande responsável pela produção de alimentos no país. Em 2006, a agricultura familiar era responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café (parcela constituída por 55% do tipo robusta ou conilon e 34% do arábica), 34% do arroz, 58% do leite (composta por 58% do leite de vaca e 67% do leite de cabra), 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo.

O agronegócio e o latifúndio foram denunciados também pelo solapamento dos direitos trabalhistas conduzido pelo patronato ruralista. O jornal Folha de S. Paulo publicou, em 27 de março deste de ano de 2010, notícia segundo a qual a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), entidade presidida pela Senadora Kátia Abreu (DEM – TO) e representativa dos grandes proprietários de terras e de seus
interesses materiais e simbólicos, realizara pesquisa acerca do cumprimento das normas trabalhistas nos estabelecimentos rurais.

Durante a pesquisa, visitou-se 1.020 fazendas. Numa sutil ironia discursiva, a própria CNA divulgou que menos de 1% dos estabelecimentos rurais investigados respeitam as leis trabalhistas.

A acusação imputou ainda ao latifúndio e ao agronegócio a responsabilidade pela criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra e, inclusive, pelo assassinato de inúmeros trabalhadores
rurais. Os dados nacionais apresentados pelo setor de documentação da Comissão Pastoral da Terra são alarmantes: em 2002, foram registrados 743 conflitos por terra e 43 assassinatos; em 2003, registrou-se quase o dobro de conflitos agrários em relação ao ano de 2002, sendo 1.335 conflitos e 71 assassinatos; em 2004, foram registrados 1.398 conflitos por terra, 37 assassinatos; em 2005, foram 1.304 casos de conflitos e 38 assassinatos; em 2006, 1.212 conflitos e 35 assassinatos; em 2007 foram registrados 615 conflitos por terra e 28 assassinatos. Em depoimento à CPMI da Terra, em 27 de abril de 2004, Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, informou que, entre 1985 e 2004, foram assassinados 1349 lavradores.

Por fim, a acusação pediu a eliminação do latifúndio e do agronegócio, dado que suas existências constituem impedimentos estruturais ao aprofundamento democrático. Visto que a idéia de democracia
pressupõe a soberania popular e visto que o agronegócio e o latifúndio requerem a existência de (poucos) donos para o nosso chão, não há que se falar em coexistência harmônica entre ambos: um país disposto ao exercício democrático é um país que erradica a concentração de terras.

Ouvidas as teses da acusação, a defesa expôs suas razões. Os argumentos elencados pela defesa diziam da participação do agronegócio no PIB, da utilização de tecnologia e da geração de empregos diretos e indiretos, da importância do agronegócio para o desenvolvimento econômico, dos números das importações e da legitimidade da defesa da propriedade, dentre outras questões que tão bem conhecemos e são diuturnamente expostas nos meios de comunicação, igualmente latifundiários. Tais argumentos, contudo, ignoram o lócus do agronegócio na divisão internacional do trabalho, o modo próprio como o latifúndio perpetua a escravidão e a exploração e definitivamente não contribui para a elevação da qualidade de vida do povo brasileiro. De fato, o agronegócio é deficitário, requer largos investimentos estatais e, não gerando empregos no campo ou alimentos em nossas mesas, impulsiona tão somente a produção agroexportadora e os lucros dos grandes bancos e empresas oriundos dos países centrais.

O corpo de jurados proferiu então sua decisão unânime: o latifúndio e o agronegócio são culpados por 500 anos de uma história de exploração e desigualdade que continua a se reproduzir com o sangue, o suor e as lágrimas do povo camponês e trabalhador.

Dada a decisão condenatória, a magistrada então determinou a sanção a ser cumprida: que o agronegócio e o latifúndio, responsáveis pelo crime continuado de genocídio contra os povos indígenas e negros, contra os membros das classes subalternas nas periferias de nossas grandes cidades e no campo de nosso país, seja relegado ao estranhamento. Que seja ele desconhecido, levado à inexistência, que, impassível de ressocialização – dada a sua essência discriminatória e excludente – submeta-se ao exílio da história e que não mais pertença ao mundo em que vivemos.