Agrotóxicos, motor do agronegócio e do latifúndio

Por Gabriel Brito Do Correio da Cidadania. Uma das grandes ameaças da atualidade à saúde do povo brasileiro, os agrotóxicos foram tema de seminário na Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada em Guararema, interior de São Paulo, e inaugurada em 2006, a partir de esforços empreendidos pelos movimentos populares do campo. Com a participação de profissionais da ANVISA e professores de universidades federais, o encontro serviu de alerta para um retrato praticamente invisível de nossa agricultura.


Por Gabriel Brito
Do Correio da Cidadania.

Uma das grandes ameaças da atualidade à saúde do povo brasileiro, os agrotóxicos foram tema de seminário na Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada em Guararema, interior de São Paulo, e inaugurada em 2006, a partir de esforços empreendidos pelos movimentos populares do campo.

Com a participação de profissionais da ANVISA e professores de universidades federais, o encontro serviu de alerta para um retrato praticamente invisível de nossa agricultura.

“Antes de tudo, devemos colocar as coisas no devido lugar. A definição correta para os produtos que se têm utilizado na agricultura é agroveneno. Nada de ‘defensivo agrícola’ ou mesmo ‘agrotóxico’ como estamos acostumados, pois nem sempre dão a idéia exata do que significam”, introduziu Frei Sergio, liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores.

“Temos de reconhecer que o marketing desse setor é muito bom. Do início de sua expansão, quiseram chamá-lo de ‘agrobusiness’, o que não pegou, por um estranho resquício de nacionalismo nosso. Agora é a mesma coisa em relação a esses venenos”, completou.

Numa detalhada análise de conjuntura, os convidados do seminário trataram de todos os pontos da cadeia que envolve este proeminente setor da economia nacional, não somente em sua produção e comercialização, como também acerca dos tipos de atores que comandam de forma hegemônica o agronegócio – que no Brasil significou a progressiva decadência da agricultura familiar, cujos resultados podem ser verificados também nas cidades, com suas apinhadas e precárias periferias.

Frei Sergio apontou que tal processo “é a modernização do latifúndio, que tornou letra morta, definitivamente, o Estatuto da Terra. O Brasil é hoje em dia a maior reserva agrícola e ambiental do planeta, portanto, as empresas vão se interessar em vir aqui”.

“Essas empresas investem pesado em lobbies, participam abertamente da definição de marcos regulatórios do setor, interferindo até nas próprias agências reguladoras, que por sinal estão uma vergonha”, analisou o engenheiro agrônomo Horácio Martins, discorrendo a respeito da atuação das transnacionais, que já tomaram conta do mercado brasileiro, em poderosa aliança com os grandes grupos nacionais, não somente do campo.

Desse modo, como se explicou, a dinâmica da luta pela reforma agrária, tomando-se como referência a época da Lei de Terras de 1850, ainda do Império, foi alterada, pois os trabalhadores do campo agora têm de se defrontar com uma poderosa associação entre os grandes latifundiários e o capital industrial e financeiro sediado nas principais metrópoles do planeta.

Aliança esmagadora

“Antes, interessava à indústria uma reforma agrária, até pelo fato de que assim seria possível vender mais materiais necessários à agricultura, e que ela fabricava. Mas hoje em dia o próprio Bradesco e a indústria possuem grandes extensões de terras, e entram no negócio da agricultura exportadora da mais alta produtividade, que só pode ser alcançada de acordo com suas ambições através do uso de pesticidas, herbicidas, fertilizantes etc.”, esclareceu Frei Sergio.

Para uma inteira compreensão do processo que esmaga os pequenos camponeses e suas cooperativas, expulsando milhões deles para as cidades, é preciso ligar todos os participantes que fecham o círculo em torno de uma agricultura apontada como pródiga para a pauta exportadora brasileira, considerada responsável por resultados positivos em nossa balança comercial, fruto que seria colhido por toda a ‘ascendente’ sociedade do país.

Como fica claro através das opiniões de diversos e renomados especialistas do setor, não se revela o verdadeiro custo de tal ‘desenvolvimento’, desprovido de qualquer justiça social e econômica, além de atentatório à saúde de todos os consumidores brasileiros. É evidente que tamanha omissão conta com a colaboração da grande mídia, que brilhou pela ausência no encontro. Não surpreendeu a presença exclusiva de veículos do que se convencionou ‘mídia alternativa’.

“As cooperativas são controladas por grandes monopólios, vários internacionais, que mantêm as rédeas sobre toda a cadeia produtiva. Esse bloco formado por latifúndio, indústria e capital financeiro controla tudo: sementes, insumos, venenos e o mercado”, prosseguiu o Frei, “o que acaba numa mecanização pesada da agricultura, que tem sido crescente”, completou, oferecendo a explicação-chave para desmistificar o argumento de que o agronegócio gera empregos como nunca dantes em nosso campo.

Um perigo que pode se tornar irreversível

Nefasta conseqüência de todo o processo, e tema central do encontro, o envenenamento de nossos solos, águas e ares foi incessantemente denunciado nos três dias de seminários, com a exibição de diversas informações dando conta do comprometimento de nosso país com um caminho que pode revelar-se um desastre social nos próximos anos, arruinando a saúde de uma quantidade ainda imprevisível de brasileiros.

Evidentemente, os acontecimentos que levaram nossa agricultura a tal estágio de envenenamento não ocorreram sem que ninguém se desse conta e sem que atitudes radicais tivessem que ser tomadas, inclusive sobre as leis do país. “Por conta de seu poder e capacidade de lobby, diversas leis foram alteradas ou criadas, como a Lei de Cultivares (9456/07) e a concessão de patentes (Lei 9279/97), que reforçaram o acorrentamento aos grandes grupos econômicos de nossa produção agrícola”, pontuou Martins.

“Pelo interesse na alta produtividade, o país passou a permitir os monocultivos, cada qual em determinada região. Assim, os pequenos agricultores do entorno são obrigados a seguir o modelo, sob risco de irem à miséria. E não preciso ver só em livros, pois confiro pessoalmente que tal modelo só funciona à base de muito veneno, de modo a minimizar ao maior extremo as perdas tradicionais a toda colheita. Assim, os próprios agricultores já não acreditam que sejam possíveis cultivos sem veneno, por medo de quebrar”, disse Frei Sergio.

“O Brasil já é o maior plantador de soja transgênica (geneticamente modificada, o que aumenta a produtividade e baixa o custo) do mundo. E até 2012 os embriões modificados de verduras, legumes e frutas devem igualar-se à soja no Brasil, tendo apenas variedades regionais, que também serão produzidas com participação de produtos químicos”, denunciou Horacio Martins.

“As empresas investem cada vez mais na criação de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), parte de sua macroestratégia no setor, que inclui a venda de pesticidas para seus cuidados. Basta ver que foram 103,9 bilhões de litros de venenos utilizados no país no ano passado, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química”, completou o engenheiro do campo.

Como se vê, o país se vê algemado a um modelo de produção que alimenta toda a população (ou quase toda), cujas conseqüências são evidentemente alarmantes. Os trabalhadores do campo vão à ruína, as metrópoles se entopem além de suas capacidades, a violência no campo e a concentração de terras recrudescem e a saúde de qualquer consumidor é exposta a gravíssimas enfermidades, tudo em nome do lucro de basicamente a mesma casta de 20 mil famílias que suga metade da renda nacional.

“Entre os vários absurdos da transgenia, o maior é o patenteamento de seres vivos, algo inédito na humanidade”, assinalou o Frei. “‘Melhoramento’ genético, multiplicação de sementes, selecionadas para a colheita mecânica, e obrigatoriedade quase total de venda casada de sementes e agrotóxicos são o que resumem nosso quadro”, ressaltou.

“As plantas deixam de ser espécies para se tornarem unidades de produção de moléculas, o que terminará num futuro controle sobre a própria saúde. A produção de moléculas requer muitos cientistas, para que se chegue a novos princípios ativos, o que não se consegue sem grandes investimentos. Para se ter uma idéia, o custo de uma nova molécula que possa ser transformada num novo agrotóxico é de cerca de 200 milhões de reais”, conta Horacio.

Como não é difícil concluir, investimentos tão pesados não podem ser realizados por qualquer um, ficando a cargo de um seleto oligopólio, que, como exposto, controla toda a cadeia produtiva de nossas ‘commodities’. “O mercado de produção de moléculas está restrito a seis grandes empresas. E só a Monsanto já detém sozinha 25% do mercado de hortaliças, além de ser dona de quase tudo na esfera das sementes”, revela.

Como o leitor poderá ver em novas matérias sobre os agrotóxicos e sua incidência em nossa vida, “já há cidades com epidemias de câncer”, de acordo com as palavras de Frei Sergio, o que só tornará mais agudos os conflitos entre grandes empresas, nacionais e estrangeiras, e os movimentos populares que defendem a priorização da agricultura tradicional e familiar e a preservação do meio ambiente, cada vez mais deteriorado nos principais pólos produtores do Brasil.