Cancún: da terra à lua

Por Silvia Ribeiro Pesquisadora do Grupo ETC. Em La Jornada Há uma semana, representantes de governos de todo o mundo estão reunidos em um bunker de super luxo chamado Moon Palace (Palácio da Lua), supostamente para discutir as mudanças climáticas.


Por Silvia Ribeiro
Pesquisadora do Grupo ETC.
Em La Jornada

Há uma semana, representantes de governos de todo o mundo estão reunidos em um bunker de super luxo chamado Moon Palace (Palácio da Lua), supostamente para discutir as mudanças climáticas.

O lugar é longe dos hotéis e mais longe da cidade de Cancun o que, somado às abundantes barreiras policiais, significa investir de duas a três horas diárias em poucos quilômetros de ida e volta. Exceto para os delegados dos países ricos que, como se fosse outra forma de mostrar a injustiça climática, se alojam no Moon Palace a preços exorbitantes.

A maioria dos delegados da África, Ásia e América Latina estão em hotéis fora do complexo lunático e necessitam de horas para deslocar-se. Além de deixar os delegados do Sul esgotados, parece ser uma tentativa de evitar que cheguem à conferência os protesto do povo, vítima da mudança climática.

Milhares de ativistas e afetados pela crise climática, social e ambiental de todo o mundo chegaram a Cancun em seis caravanas, saídas de vários pontos do México, atravessando o país desde suas raízes, para conhecer e mostrar a verdadeira política ambiental do país, suas causas e a relação com a crise climática aqui e em outras partes do mundo.

Os testemunhos locais convergiram com os dos ativistas, camponeses e indígenas, irmãos de lutas de base nos Estados Unidos, Europa, América
do Sul, América Central e Índia.

Partiram de San Luis Potosí, Acapulco, Guadalajara, Oaxaca, Chiapas, convocados pela Vía Campesina, Assembléia Nacional de Afetados Ambientais, Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME) e Movimento de Libertação Nacional, aos que se somaram redes de justiça climática das Américas e da Europa, a rede Oilwatch e outras. As três primeiras caravanas convergiram na Cidade do México, onde realizaram um Fórum Internacional no auditório do SME, com mais de mil participantes e uma marcha no centro da cidade.

As caravanas pararam em vários pontos, onde ativistas e organizações locais os receberam com grande entusiasmo e solidariedade para compartilhar suas lutas e para somar-se. Expuseram, entre muitos outros, os casos de rios com enorme contaminação industrial, agrícola e urbana como o Rio Santiago em El Salto, Jalisco, onde uma criança morreu simplesmente por cair nele.

Apresentaram também projetos mineiros em San Luis, Guerrero, Oaxaca, Chiapas, que se fazem em todos os lugares devastando territórios contra a vontade das comunidades e pela ganância das transnacionais; projetos de megarepresas como Zapotillo e La Parota, que apesar da contínua oposição comunitária, o governo insiste em impor; zonas de altíssima contaminação de solos, ar e águas que provocam altas taxas de enfermidades, câncer e deformações genéticas nos moradores vizinhos,

Denunciaram os enormes lixões em Morelos, Tlaxcala, Edomex e Cidade do México, as megagranjas industriais, como as Granjas Carroll em Veracruz e Puebla, onde se originou a epidemia de gripe aviária e outras se gestam; contaminação petroleira e industrial, derrubada de bosques e sua substituição por grandes monocultivos e plantações para agrocombustíveis em vários estados; contaminação transgênica do milho nativo…

A devastação ambiental e social é enorme e mostra a verdadeira política “ambiental” no México, muito distinta das fotos que se mostram em Cancún.

Talvez o mais cínico seja o governo do México, que está usando essa devastação massiva para gerar lucros adicionais às transnacionais responsáveis pelos desastres, como parte de sua política sobre mudança climática, respaldando este desenvolvimento em projetos apresentados ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da Convenção de Mudança Climática.

O México é um dos países que mais usa esse perverso mecanismo, que se baseia em incentivos para que o desenvolvimento sujo recupere – supostamente – parte dos gases de efeito estufa que produz, ou que emita menor quantidade. Obtêm certificados de redução que se podem negociar nos mercados de carbono. Nem o México, nem o MDL consideram que se estes projetos não existissem, obviamente não emitiriam nenhum gás. A metade dos projetos apresentados pelo governo do México ao MDL são granjas aviárias industriais, como as Granjas Carroll, onde o esterco de milhões de porcos que crescem amontoados é uma fonte de contaminação sem fim.

A transnacional Smithfield, dona das Granjas Carroll, junto com a gigante do agronegócio Cargill e do broker de carbono Ecosecurities, apresentaram um projeto para converter uma mínima parte do metano que emitem as imensas lagoas de esterco em biogás para eletricidade. A outra metade dos projetos avalizados pelo México são a partir de enormes lixões como Alpuyeca, Morelos, grandes represas en Jalisco y Guerrero, desenvolvimentos petroleiros e da indústria de cimento com enormes
impactos.

Ou seja, a política que o governo apresenta como diminuição de carbono é na realidade alta devastação ambiental, morte e enfermidade para centenas de comunidades nesses territórios. Mas nem que se reúnam na lua podem parar as denúncias de organizações e comunidades em luta.

Desde sábado (4), se instala na Unidade Desportiva Jacinto Canek, no centro de Cancun, o acampamento Fórum Global pela Vida, pela Justiça Social e Ambiental, onde chegam as caravanas e mais organizações internacionais para dar testemunhos e dividir reflexões, denúncias, estratégias. No dia 7 de dezembro, a Via Campesina realizará o “Milhares de Cancun”, com manifestações em todo o mundo. Aqui na terra, sim se discutem as causas reais da crise climática e, com certeza, também as soluções.

(Tradução: Vinicius Mansur, para o Brasil de Fato)