“Temos em torno de 60 mil famílias acampadas no país”
Do Cinform
João Pedro Stedile, da Coordenação Nacional do MST, faz uma análise negativa do saldo deixado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva no enfrentamento aos problemas agrários e à distribuição da terra no Brasil.
"Infelizmente a situação é negativa, porque o programa de Reforma Agrária no último mandato do Lula não avançou. Temos no Brasil em torno de 60 mil famílias acampadas. Algumas estão assim há quatro anos.
Do Cinform
João Pedro Stedile, da Coordenação Nacional do MST, faz uma análise negativa do saldo deixado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva no enfrentamento aos problemas agrários e à distribuição da terra no Brasil.
“Infelizmente a situação é negativa, porque o programa de Reforma Agrária no último mandato do Lula não avançou. Temos no Brasil em torno de 60 mil famílias acampadas. Algumas estão assim há quatro anos. Em Sergipe, há cerca de duas mil famílias acampadas. Há um passivo da gestão anterior que o governo Dilma deve encarar como prioridade”, diz ele.
Na semana passada Stédile esteve em Aracaju e deu entrevista exclusiva ao Cinform. Jornalista Niúra Belfortt.
Cinform – Qual a expectativa do MST com o Governo Dilma Rousseff? Ao que parece ela possui um discurso mais duro contra as ocupações de terra.
João Pedro Stedile – Os governos refletem as forças sociais que os elegeram. A nossa expectativa é que o Governo Dilma tenha uma representação de apoio de forças populares mais ampla que o Governo Lula. Lula se comunicava direto com as massas por causa do seu carisma. Dilma precisa dialogar mais com os movimentos sociais e as forças populares para, de fato, cumprir com os seus compromissos de fazer um programa de combate à pobreza.
Cinform – A relação do MST com o Governo Déda é boa?
JPS – Eu sou gaúcho, olho de longe, mas pelo que acompanho na imprensa e pelos informes dos companheiros é uma relação boa, mas de autonomia como deve ser. Nós não consideramos o Governo Déda nosso inimigo. Inimigo são o latifúndio e as empresas transnacionais. Quando o Governo Déda ajudar na Reforma Agrária, ele será um aliado. Quando cometer erros, também devemos ter a sinceridade e a honestidade de criticá-lo.
Cinform – Como está hoje a situação do MST em números de acampados e assentados no Brasil? Qual a situação de Sergipe?
JPS – Infelizmente a situação é negativa, porque o programa de Reforma Agrária no último mandato do Lula não avançou. Temos no Brasil em torno de 60 mil famílias acampadas. Algumas estão assim há quatro anos. Em Sergipe, há cerca de duas mil famílias acampadas. Há um passivo da gestão anterior que o Governo Dilma deve encarar como prioridade. Nós vamos propor à presidente que faça o 3º Plano Nacional de Reforma Agrária e estabeleça uma meta de, no mínimo, 100 mil famílias assentadas por ano, através do processo de desapropriação.
Cinform – No Governo Lula, é possível afirmar que ‘agronegócio venceu’?
JPS – O que está acontecendo é que há forças poderosas do capital que são maiores que dos governos. E essa lógica do capital chegou à agricultura comprando terras e usinas nos últimos cinco anos. Em apenas três anos, 33% de todo o setor sucroalcooleiro foi desnacionalizado e isso trouxe uma concentração na propriedade da terra e na produção agrícola, uma contrarreforma agrária. O Governo Lula foi um governo de conciliação de classes, não afetou o interesse dos capitalistas que, como ele mesmo disse, ‘nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo’, e adotou medidas de compensação social com os pobres. Avançamos pouco nas desapropriações e muito em políticas como o Programa Luz para Todos, e o de Aquisição de Alimentos da Conab. Avançamos na construção de casas e no Programa da Merenda Escolar com a aquisição de 30% de produtos da agricultura familiar. Tudo isso são medidas necessárias, mas paliativas porque não afetam a estrutura da propriedade da terra.
Cinform – Hoje o MST é mais passivo na sua função inicial de agir pela conquista de terras? No Governo Lula, o MST se tornou refém do Governo?
JPS – Não. As estatísticas da Unesp revelam que nós mantivemos a mesma média, ao redor de 400 ocupações/ano. Estas aumentam ou diminuem influenciadas pela existência de latifúndio improdutivo numa região e há presença de muitos sem- terra. Naturalmente o sem-terra, um dia a mais, um dia a menos, com MST ou não, vai ocupar este latifúndio. Como o governo não acelerou as desapropriações, os sem-terra perceberam que a Reforma Agrária seria mais demorada e, por isso, a nossa base ficou um pouco desiludida. Outro fator é que o agronegócio comprou muitas áreas. Antes uma usina ia à falência, o Incra desapropriava. Saía da monocultura da cana e virava um assentamento. Agora uma multinacional compra e o Incra não tem coragem de desapropriar.
Cinforrm – Qual a dívida que o MST tem com o meio ambiente? As ocupações respeitam os espaços naturais?
JPS – Nós não temos dívida com o meio ambiente. Ao contrário: estamos denunciando permanentemente as agressões que o latifúndio faz ao meio a ele. Tanto que eles querem mudanças no Código Florestal e nós não. Achamos que o código é pertinente e necessário, sobretudo por exigir o reflorestamento à beira dos córregos, no topo das montanhas e a manutenção dos percentuais de reserva legal. Os latifundiários e ruralistas querem reduzir a Amazônia Legal e isso é agredir a natureza, é derrubar a
mata para eles terem mais lucro. Nós vamos apresentar para o Governo Dilma um programa de reflorestamento que chamaremos de Bolsa Floresta. Queremos um programa do governo que incentive o reflorestamento de, pelo menos, dois hectares por família assentada porque a maioria deles é em área degradas que precisa de uma recomposição da sua cobertura vegetal.
Cinform – Em que pé se encontram as dívidas dos assentados do MST? Estão sendo negociadas? Como está essa questão?
JPS – Isso é um grave problema, porque o obscurantismo do MDA não permitiu que nós tivéssemos uma negociação. O Pronaf não serve para o agricultor pobre, nem para o assentado porque ele é um adiamento de custeio. O agricultor acaba usando para sua
sustentação e não consegue pagar ao banco. Temos que mudar o modelo de crédito porque o Pronaf só serve para aquele agricultor médio que está integrado à indústria e ao mercado. O governo anterior não quis fazer essa discussão. Toda propaganda eleitoral do governo para a pequena agricultura era de que eles aumentaram o Pronaf e se disséssemos que tinham que anistiar as dívidas seria um atestado de que o Pronaf não servia para pobre. Agora, os movimentos sociais do campo vão se mobilizar para colocar na pauta a anistia das dívidas do pequeno agricultor. Se quiserem continuar com o Pronaf continuem, mas ele só atende cerca de 500 mil famílias que estão integradas ao mercado. Os 3 milhões de pobres do campo não podem e não acessam o programa.
Cinform – Qual o foco político eleitoral do MST hoje? Em 2012, vocês pretendem
lançar candidatos a prefeito ou só vereadores? Em que lugares?
JPS – O futuro a Deus pertence. O MST não é um partido político, é um movimento social. É claro que em todas as eleições, nós sempre procuramos apoiar aqueles candidatos a vereador ou ao prefeito que sejam a favor da Reforma Agrária. Essa linha política vai continuar em 2012. A nossa base identifica em cada município quem são os nossos aliados e nós vamos procurar elegê-los.