As novas perspectivas dos acampados em Pernambuco

 

 

Por Chico Ludermir*
Especial para a Página do MST

Antônio Alexandre da Silva, de 57 anos, começou a trabalhar no corte da cana-de-açúcar aos 11. Depois de mais de quatro décadas de uma rotina que o deixou com mãos calejadas e a pele talhada pelo sol, foi demitido sem receber um tostão. Junto com ele, outros tantos homens e mulheres foram mandados embora dos engenhos Chupati e Pixaó, sem ter o que mereciam.

Assim como Seu Antônio, muitos desses que moravam no próprio engenho e ficaram sem ter para onde ir depois da demissão em massa vivem hoje no acampamento Maria Paraíba. Organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, em São Lourenço da Mata, Pernambuco, o local conta com cerca de 200 famílias acampadas.

“Não tínhamos condições de pagar os aluguéis. Então começamos a passar necessidades. Foi aí que o MST nos procurou e perguntou se a gente queria ir para o acampamento”, explica Mariluce Porfírio, 43 anos, que também trabalhava no corte da cana. “A gente aceitou pelas nossas
necessidades. Hoje estamos aqui lutando para, pelo menos, ter um pedaço de terra para plantar e ter o nosso sustento”.

Desde 11 de fevereiro de 2010, Dona Mariluce e Seu Antônio estão acampados em barracos de pau a pique à espera da realização de um sonho em comum. Aguardam que cerca de 1400 hectares de terras sejam distribuídos entre eles e os companheiros, através do Incra, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, órgão governamental responsável.

“Agora já tenho pelo menos um barraco para colocar a família debaixo e terra pra trabalhar e me criar mais a família. É isso aí o que a gente quer”, explica seu Antônio, em consonância com outros três homens que estavam na mesma roda de conversa.

 “É tanta terra no meio do mundo e você não ter a terra para criar seus filhos. Terra que você pode produzir e dar de comer pros seus filhos. Os homens latifundiários têm um bocado e você não tem nada”, disse João da Silva, 49 anos. Através de sua fala, João define a luta do Movimento.

Para o MST, “sem reforma agrária não há democracia”, por isso os Sem Terra pregam a desapropriação de terras que não cumpram sua função social. Seguindo o lema “ocupar, resistir e produzir”, têm por objetivo a ocupação e a desapropriação de latifúndios para torná-los
produtivos.

As histórias destes três personagens, Antônio, Mariluce, João, fazem parte da trajetória de um movimento que levanta a bandeira da reforma agrária desde o início da década de 1980 e que há quase 30 anos problematiza a importância de ter sua própria terra. Esses questionamentos, que fazem pouco sentido para os que sempre viveram certezas e confortos, estão presentes no cotidiano dos acampados.

Segundo a pesquisadora Paula Reis, que estudou o discurso no assentamento Pedro e Inácio, em Nazaré da Mata, em Pernambuco, ter a posse da terra termina por representar rupturas maiores do que apenas ser dono do lugar. A conquista permite aos assentados experimentar novas relações sociais seja no trabalho, seja na moradia.

“Pela primeira vez eles estão livres do patrão; pela primeira vez eles vivenciam valores coletivos; pela primeira vez eles sentem que têm direitos e não só deveres; pela primeira vez eles participam de uma cooperativa, enfim, eles se encontram num processo em que começam a se ver, aos outros e ao mundo de outra forma”, explica Reis em sua dissertação de mestrado intitulada Discurso e recepção: o sujeito político na recepção das mensagens do MST.

Os percursos dos moradores do assentamento Pedro e Inácio e do acampamento Maria Paraíba são semelhantes. Nos dois casos eles estavam desempregados porque tinham sido expulsos dos engenhos onde moravam e trabalhavam. Nesses engenhos o que existia era uma relação definida
por Reis como de “exploração e dominação”.

A socióloga Maria Eduarda Rocha acrescenta que, além de tudo, a conquista das terras representa a quebra de um costume secular gerador de desigualdades. “A terra é o primeiro recurso socialmente
monopolizado na história do nosso País. Foi por aí que a desigualdade social começou”, diz, voltando ao processo de formação do Brasil. Para ela, contudo, a divisão de terras não é a única responsável para acabar com as desigualdades. Existem lutas por representação política,
por acesso à riqueza, aos serviços públicos. “Estar no que é seu, no entanto, mesmo que não seja a conquista da liberdade, é o fim de certa sujeição: a do ‘morador de favor’”.

Para José Ailton, de 29 anos, ter a terra “é mesmo que um paraíso. É a oportunidade de dizer aqui é meu e vou plantar o que eu quero e só saio quando eu morrer”. Mesmo sem serem os donos oficiais, os acampados já se sentem vitoriosos.

“Já visse um guerreiro perder? Eu não penso em perder. Já sinto como meu. Bom demais ter minha terra”, se alegra Josefa Lopes do Nascimento 54. “Aqui a gente não passa mais fome mais não. É uma macaxeira, um maxixe um quiabo, coco, e as crianças estão comendo”.

 

* Chico Ludermir é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco