Combater a pobreza é fazer a Reforma Agrária

Por Vanessa Ramos Da Página do MST Um levantamento suplementar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) aponta que a insegurança alimentar é maior na área rural do que na urbana. Enquanto 6,2% e 4,6% dos domicílios em área urbana apresentavam níveis moderado e grave de insegurança alimentar, respectivamente, na área rural as proporções foram de 8,6% e 7%. A pesquisa foi divulgada na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).


Por Vanessa Ramos
Da Página do MST

Um levantamento suplementar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) aponta que a insegurança alimentar é maior na área rural do que na urbana.

Enquanto 6,2% e 4,6% dos domicílios em área urbana apresentavam níveis moderado e grave de insegurança alimentar, respectivamente, na área rural as proporções foram de 8,6% e 7%.

A pesquisa foi divulgada na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Depois da eleição, a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) colocou como meta central do seu governo acabar com a pobreza no Brasil.

Como o governo Dilma pode combater a miséria? Para José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, a resposta é a realização de um processo massivo de Reforma Agrária.

“Se tem uma decisão política de resolver os problemas sociais, a Reforma Agrária tem que ser uma delas, direta ou indiretamente, assentando as famílias e desenvolvendo agroindústria, assistência técnica e crédito para as famílias que querem trabalhar na terra”, defende Batista.

Nesta entrevista à Pagina do MST, Batista faz um balanço do governo Lula e apresenta um conjunto de medidas que devem ser implementadas pela presidenta eleita, para avançar na Reforma Agrária para combater a miséria no país.

Como você analisa as experiências de Reforma Agrária?

No governo Lula, não teve um programa, um projeto estruturado de Reforma Agrária. Houve, no início do governo, uma proposta, um plano, um projeto de realização de Reforma Agrária. Esse plano não foi cumprindo, se perdeu no meio do caminho. O governo assumiu metas, que não foram cumpridas. Como houve muito diálogo com o Movimento nesse governo e abertura para discussão, nós cobramos em vários momentos. No segundo mandato, inclusive, como não tinha um plano, nós fizemos uma discussão com o governo sobre algumas ações importantes. Algumas eram compromissos que o governo assumiu com relação à Reforma Agrária na nossa marcha de 2005.

Nós não tivemos um plano estruturado com relação à Reforma Agrária assumido pelo governo. Não concluíram a atualização dos índices de produtividade, não assentaram todas as famílias acampadas, não construíram escolas nos assentamentos, não elaboraram um programa estruturado de agroindústria dentro dos assentamentos e não deram assistência técnica para os assentamentos. Estamos encerrando o governo e esses compromissos não foram cumpridos.

A maioria dos assentamentos divulgados foi feito na Amazônia. Mas a maioria das ocupações aconteceu nas regiões Sul e Nordeste. Por que isso aconteceu?

Isso já é consequência de não ter tido um plano estruturado com relação à Reforma Agrária. Não tendo um plano, metas e números para se cumprir, utilizaram-se a velha forma. Nós não somos contrários à regularização fundiária, mas isso não é uma realização de Reforma Agrária. E nem o segundo compromisso, que era o assentamento das famílias acampadas, foi cumprido. Então, se tem famílias acampadas, a maioria está no Nordeste brasileiro, outra parte no Sudeste, no Sul e Centro-Oeste. Ao realizar a regularização fundiária – ou assentamento, como eles chamam – só na região amazônica, não estavam nem respeitando orientação de uma estratégia de plano de Reforma Agrária nem cumprindo o que seria assentar todas as famílias acampadas. Elas têm nome e endereço e estão em todos os estados onde o movimento está organizado e concentrado, a sua maioria no Nordeste brasileiro. Esse dado de concentração na Amazônia já é resultado do não cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo.

Como você avalia o processo de regularização fundiária na Amazônia?

Isso não ajuda na realização da Reforma Agrária. Ou seja, só regularização fundiária é uma ação que não gera assentamento para as famílias que estão acampadas. È uma ação do governo com a justificativa de resolver o problema da Reforma Agrária. Essa é uma discussão que os companheiros da Amazônia estão fazendo, mas corremos o risco de legalizar a grilagem, principalmente depois que se criou o decreto de regularização de até determinado tamanho das áreas.

O que o governo poderia ter feito para desapropriar mais terras?

Bastava respeitar a Constituição Federal e, por exemplo, atualizar os índices de produtividade. Esses são mecanismos disponíveis. Outro mecanismo, de acordo com a Constituição Federal, determina que todas as áreas que não cumprem a sua função social seja desapropriada. Por exemplo, as áreas que tem trabalho escravo, as áreas que não respeitam as leis ambientais. No caso, é a maioria das propriedades no Brasil, que devem ser destinadas para a realização da Reforma Agrária. Além disso, deveria ser feita, no mínimo, a destinação das terras públicas, que existem em todos os estados do Brasil. São terras públicas pertencentes à União ou ao governo federal ou ao governo estadual, que também devem ser destinadas à Reforma Agrária. Criar mecanismo de destinação dessas terras para a Reforma Agrária é uma necessidade. Essa seria uma medida de arrecadar terras para as famílias acampadas resolver o seu problema.

Qual papel o Incra tem desempenhado no último período?

O Incra é um órgão importante na realização da Reforma Agrária e para isso que ele existe. Agora, ele não conseguiu se adequar às necessidades Inclusive, o Incra não conseguiu cumprir com o próprio papel que teria de assumir um compromisso do governo ou do Estado e agilizar o processo de Reforma Agrária. O Incra, por exemplo, continua com poucas unidades de verificação de terras improdutivas, de destinação para os assentamentos. Continua limitado por falta de orçamento. Ou seja, hoje se tem muitas áreas, o próprio Incra diz que tem muitas áreas prontas para serem destinadas ao assentamento e não tem orçamento para destinar essas áreas aos acampados. Então, o Incra continua limitado.

Qual o governo e os movimentos sociais de colocaram diante da expansão do agronegócio?

Foi combatido pelos movimentos. Pelo governo, o agronegócio foi valorizado. Teve um programa com bases e recursos do governo federal para o agronegócio, altos investimentos. Do ponto de vista de orçamento, houve um incentivo, inclusive as agroindústrias do grande capital, para resolver os problemas da produção do monocultivo, financiado pelo Banco do Brasil e pelo BNDES e por bancos públicos de outros estados.

O agronegócio não teve problema de orçamento, não teve problema de financiamento e não teve problema de agilidade dos órgãos, ou seja, do Ministério da Agricultura. Os bancos garantiram o seu financiamento. Assim, o agronegócio divulga altíssimo números de produção, milhões de produtos do agronegócio sendo que, quase 100 bilhões são financiamentos publico ou empréstimo de dinheiro público. Eles anualmente renegociam as suas dívidas acumuladas.

O Estado brasileiro e o governo brasileiro tem muitas formas de subsidiar e garantir crédito para desenvolver os projetos do agronegócio.

Qual seria a solução para resolver os problemas agrários?

Há uma necessidade de manter uma decisão política de resolver os problemas sociais, que é o caso do governo atual, que colocou na sua prioridade resolver os problemas sociais brasileiros. O novo governo está colocando como prioridade tirar o povo da miséria e a Reforma Agrária tem que entrar como uma dessas principais ações.

Se tem uma decisão política de resolver os problemas sociais, a Reforma Agrária tem que ser uma delas, direta ou indiretamente, assentando as famílias e desenvolvendo agroindústria, assistência técnica e crédito para as famílias que querem trabalhar na terra, essas se comprometendo, que é o caso das famílias assentadas hoje, em preservar o meio ambiente, problema hoje estrutural, global e mundial.
Produzir alimentos que hoje, dos poucos programas que este governo criou ou impulsionou, programas como do BNDES e da Conab, faz com que os produtos produzidos pelas famílias camponesas e assentadas chegue ate a população carente, chegue ate a população em geral.

Quais as políticas em curso você destaca que são importantes e devem ser fortalecidas

No caso, hoje nós estamos tendo a possibilidade de fornecer 30% da merenda escolar. Essas políticas públicas que já existem como nossa luta por moradia, implementar um programa especifico de moradia para o campo e atender todas as famílias assentadas também, as que já estão e as futuras. Esses programas sociais como garantia de compra de produtos e esses produtos serem destinados à população carente, à igreja.

E o próprio fornecimento da merenda escolar, nós estaríamos avançando em uma proposta estrutural para o campo brasileiro, inclusive, solucionar o problema que está ai hoje da concentração da terra, da concentração da renda no campo, na geração de empregos e mais, e produzindo produtos que só tem venenos. Nós só avançamos nesse último período no número de veneno que se consome na agricultura brasileira, mais de um bilhão de litros.

Colocando como meta do novo governo resolver os problemas sociais, a Reforma Agrária necessariamente precisa está incluída, precisa ter medidas como um programa estruturado, propostas estruturadas para resolver os problemas sociais das famílias acampadas e das pessoas que vão ser beneficiadas pelos espaços da Reforma Agrária. Para isso, precisa ter vontade política e ação concreta.
O governo precisa criar as condições, seja para o Incra ou dos órgãos responsáveis pela Reforma Agrária, para fazer avançar e não ter problema de orçamento, problema de crédito.

É preciso resolver problema de endividamento das famílias. Tem que estruturar o Incra e o próprio ministério responsável pela Reforma Agrária, que precisa cumprir os compromissos que o governo assumiu. É necessário vontade política e medida estruturada para que possa realizar Reforma Agrária.

Porque o número de ocupação caiu durante o segundo mandato?

No primeiro governo Lula, houve um grande número de famílias acampadas, porque se criou expectativa de que o governo iria fazer Reforma Agrária. Porque, historicamente, havia um compromisso. No segundo governo, houve uma diminuição porque muitas pessoas desistiram de ficar acampadas. Tem pessoas que estão acampadas desde o início do governo Lula.

As políticas compensatórias podem ter ajudado nessa desmobilização?

Não, porque você tem as políticas – digamos compensatórias – como uma medida emergencial, assim como as famílias acampadas que recebem as cestas básicas nos acampamentos. Além disso, as famílias também analisam a situação. O principal problema é que não houve um programa estrutural para resolver os problemas dessas famílias. Que belo que seria se todas tivessem sido assentadas, o que não é a realidade.

A gente reconhece que em alguns campos nós conseguimos avançar e furar alguns bloqueios. Por exemplo, nós não tivemos nesse governo uma orientação de não dialogar com os movimentos. Não tivemos problema de diálogo. O que não avançou de concreto foram os compromissos, que não foram consolidados. Não houve uma repressão orientada por parte do governo federal, embora repressões tenham ocorrido.