Cerimônia destaca importância da Reforma Agrária na Assembleia do Rio

Aos heróis, medalhas


Por Leandro Uchoas
Especial para a Página do MST


No auditório, eram mais de 500 lugares completamente tomados por homens de mãos calejadas, mulheres de rugas no rosto, e jovens de lágrimas nos olhos. Um mar de bonés vermelhos formava um desenho raro numa assembleia nem sempre tão popular quanto deveria ser.

Falas emocionadas, cânticos exaltados, encenações. Nenhuma arma apontada, nenhum antijornalista.

A homenagem ao MST, na quinta-feira, lotou a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Aos heróis, medalhas


Por Leandro Uchoas
Especial para a Página do MST

No auditório, eram mais de 500 lugares completamente tomados por homens de mãos calejadas, mulheres de rugas no rosto, e jovens de lágrimas nos olhos. Um mar de bonés vermelhos formava um desenho raro numa assembleia nem sempre tão popular quanto deveria ser.

Falas emocionadas, cânticos exaltados, encenações. Nenhuma arma apontada, nenhum antijornalista.

A homenagem ao MST, na quinta-feira, lotou a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Concedida pelo deputado estadual Paulo Ramos (PDT), a Medalha Tiradentes fez parte das atividades relacionadas aos 15 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás (PA).

“Tivemos dificuldades, aqui, de aprovar essa medalha ao MST. Nesse país, é mais fácil premiar um banqueiro do que um movimento social”, disse o deputado.

Em clara sintonia, as falas apresentavam o mesmo dilema à plateia: nunca a Reforma Agrária foi tão necessária, e jamais o MST foi tão fortemente criminalizado.

Uma a uma, as intervenções lamentavam o avanço político e econômico dos ruralistas, e a timidez com que os governos tratam o problema.

Última a falar, a dirigente nacional Marina dos Santos elencou quatro características de cada um dos dois modelos de desenvolvimento em disputa no campo: o agronegócio e a agricultura familiar.

O primeiro é caracterizado pela concentração de terra, pela produção crescente de agrotóxicos, pela dependência cada vez maior de crédito financeiro, e pela superexploração do trabalho.

Para sublimar os quatro elementos, Marina lembrou que o Brasil é o segundo país do mundo em concentração de terra, que cada brasileiro consome, em média, cinco litros de agrotóxico por ano, que para produzir R$ 120 bilhões o agronegócio empresta R$ 90 bilhões. E que o Rio de Janeiro é o campeão nacional em trabalho escravo.

As quatro características da agricultura familiar vão na contramão do outro modelo, do latifúndio monocultor: a produção de alimentos (80% do que consome o brasileiro são produzidos pelos agricultores familiares), a democratização da terra, a melhoria na qualidade de vida dos camponeses e a preservação da natureza.

Marina, entretanto, lamentou a criminalização crescente dos sem-terra. “Dos 1600 assassinatos ocorridos no campo, apenas 11 foram julgados. Ainda predomina a total impunidade no campo”, denunciou.

Cerca jurídica

O jurista Miguel Baldez também argumentou na mesma direção. “Não é apenas a cerca de arame farpado que impede o povo de chegar à terra. É também a cerca jurídica. A lei brasileira é um impedimento às conquistas do negro e do pobre. Mas o MST personaliza a luta por um outro Brasil”, disse.

A resignificação da vida do trabalhador também foi um elemento por muitos destacado. Através das ocupações, das manifestações e das atividades promovidas, o MST tensiona o meio político pela Reforma Agrária.

Com isso, alivia a superlotação das cidades e reconstrói a trajetória de famílias inteiras. “Esse movimento resgata a cidadania de milhões de trabalhadores negros que estavam à margem da sociedade brasileira”, disse, emocionado, o coordenador do Conselho Regional de Economia (Corecon-RJ), Sidney Pascotto, negro.

“Essa é a luta que, feita com grandeza, redesenha o destino desses povos”, afirmou o cônsul da Venezuela no Rio de Janeiro, Edgar Gonzalez.

Encenando um texto de grande beleza, a atriz Tuca Moraes construiu sua intervenção com arte, emocionando a plateia. A fala encontrou harmonia na apresentação teatral que ocorreu pelos corredores do Plenário Barbosa Lima Sobrinho, onde se deu a audiência.

Com música ao violão, os Sem Terra encenaram o plantio, a colheita, e a repressão do Estado. Na peça, o estímulo dos meios de comunicação à criminalização do movimento também foi lembrado.

Emanuel Cancella, diretor do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RJ), propôs uma articulação para enfrentar o problema. “A gente tem que fazer uma grande frente para furar o bloqueio midiático que criminaliza o MST. Os ataques são muito violentos no dia-a-dia”, disse.

Também estiveram presentes os deputados estaduais Robson Leite (PT), Marcelo Freixo (PSOL), Gilberto Palmares (PT), Jânio Mendes (PDT), e Inês Pandeló (PT).

Logo após a cerimônia, os militantes fizeram um bonito ato em frente à escadaria da Alerj. Faixas eram carregadas lembrando o Massacre de Eldorado dos Carajás e a urgência de se fazer Reforma Agrária.

Dezenas de Sem Terra seguravam cruzes, em respeito aos milhares de mortos na luta por terra. “O Brasil é o único país do mundo que ainda não passou por um processo sério de Reforma Agrária”, lembrou Renato Prata, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD).

Estela Santos, do Comitê de Solidariedade a Luta do Povo Palestino, lembrou da “Feira da Morte” – feira de armamento militar que se realizará essa semana no Rio de Janeiro –, associando-a à criminalização dos movimentos sociais.

Ensaiando gritos de luta, os militantes ainda organizaram uma caminhada pelo Centro do Rio de Janeiro. A tragédia do Pará não poderia ser lembrada senão com respeito, emoção e grandeza.