Eike Batista ameaça assentamento no Rio


Por Marcos Pedlowski
Professor doutor da Universidade do Norte Fluminense
De Campos dos Goytacazes
Na Revista Somos Assim

 

 

Ao se completarem quinze anos do massacre de Eldorado dos Carajás, cujo saldo foi de 19 mortos e 69 feridos, a constatação que se pode fazer é que muito pouco mudou na forma com que o Estado brasileiro trata a questão da concentração da propriedade da terra.


Por Marcos Pedlowski
Professor doutor da Universidade do Norte Fluminense
De Campos dos Goytacazes
Na Revista Somos Assim

 

 

Ao se completarem quinze anos do massacre de Eldorado dos Carajás, cujo saldo foi de 19 mortos e 69 feridos, a constatação que se pode fazer é que muito pouco mudou na forma com que o Estado brasileiro trata a questão da concentração da propriedade da terra.

E pior, quando tem de intervir para resolver os conflitos causados por esta herança do Brasil colônia, o Estado intervém como um verdadeiro braço armado que não poupa os que se atrevem a desafiar o status quo fundiário. Tal situação é evidenciada pelo fato de que, no caso de Eldorado, apenas dois oficiais foram condenados pelo massacre  ocorrido em frente às câmeras de televisão, mas mesmos estes continuam em liberdade.

Ao analisarmos retrospectivamente o que foi feito durante os oito anos do governo Lula para aplicar o que determina a Constituição Federal brasileira de 1988 no que se refere à reforma agrária, o que se pode dizer é que o resultado foi no mínimo pífio. Isto se explica pelo fato de que o ex-metalúrgico e o PT decidiram colocar o seu governo a serviço do agronegócio agro-exportador.

Ao fazer a opção pelo latifúndio, Lula e o PT se desvencilharam por completo dos seus compromissos históricos de que realizariam um amplo processo de reforma agrária, e apoiariam o desenvolvimento de um modelo de agricultura que preservasse os interesses nacionais, especialmente no que se refere à segurança alimentar e à distribuição mais equânime da riqueza nacional.

Assim foi que ao longo de oito anos de governo Lula tivemos um investimento maciço para os grandes proprietários rurais, enquanto que para a agricultura familiar, e para os assentamentos de reforma agrária de forma mais específica, sobraram migalhas. Isto tudo à revelia do fato óbvio de que é da agricultura familiar que se origina a maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira. 

A conseqüência disto foi a manutenção de um processo constante de esvaziamento das áreas rurais, o que levou ao agravamento dos problemas de concentração da terra, e contribuiu para aumentar as tensões sociais nas periferias urbanas para onde migram os camponeses expulsos da terra.

Entretanto, as ações contrárias à consolidação da reforma agrária não se restringem à esfera federal. Aqui mesmo em Campos dos Goytacazes, município onde se concentra o maior número de assentamentos de reforma agrária do estado do Rio de Janeiro, o apoio dado pela Prefeitura é praticamente nenhum.

Isto ocorre em completa oposição ao tratamento que é dispensado aos latifundiários, que são beneficiados com constantes dragagens de canais cujo assoreamento é causado justamente pelas práticas anti-ecológicas que são utilizadas na monocultura da cana. Isto tudo se dá ao arrepio das evidências de que os assentamentos existentes no município se tornaram importantes celeiros de alimentos que abastecem até as regiões metropolitanas de Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte.

Além disso, se não bastasse a falta de apoio, agora estamos na iminência de um grave golpe à reforma agrária sob a desculpa de contribuir com a viabilização do Corredor Logístico do Açu, já que a prefeitura de Campos está planejando colocar o novo traçado da BR-101 dentro das terras do Assentamento do Zumbi dos Palmares, onde hoje mais de 500 famílias vivem e trabalham na terra.

A gravidade desta proposta fica evidenciada pelo fato do projeto do Grupo EBX para o chamado corredor logístico envolver o uso de uma faixa de terra de 400 metros de largura, o que, de cara, implicará na remoção de centenas de famílias dos lotes que hoje ocupam. Além disso, como a construção deste corredor será acompanhada de novos investimentos, a especulação de terras tratará de destruir o que ainda vier a sobrar do Zumbi dos Palmares.

A verdade é que este imbróglio mostra de forma cabal como o Estado brasileiro lida com a reforma agrária e os interesses do grande capital. Apesar das terras dos assentamentos estarem sob jurisdição de um órgão federal, o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) veio a Campos para se reunir com a prefeita Rosinha Garotinho, mas esqueceu de convidar os dirigentes do INCRA para a reunião. Tal omissão certamente não se deu por lapso de memória, e revela o caráter autoritário e ilegal desta proposta, cujo objetivo é claramente atender os interesses de Eike Batista e do Grupo EBX.

Mas um mérito esta situação possui, que é o de nos propiciar um debate mais profundo sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para a nossa região.  De um lado temos um mega-empreendimento cujos objetivos são guiados de fora e para fora da região e, de outro, temos outro que aponta para soluções de dentro para dentro.

Em outras palavras, o que queremos ver nas terras do Zumbi dos Palmares: alimentos ou dutos e trilhos que trazem materiais para alimentar a fome de aço da China?  E que ninguém venha chamar os assentados de violentos e bandidos se eles decidirem defender suas terras: a maior violência já está sendo cometida contra o nosso futuro ao se propor esta barbaridade.