“Programa de agroindustrialização dos assentamentos é consenso no governo”

Cooperoeste, em Santa Catarina: 600 assentados e produção de 15 milhões de litros de leite por mês

 

Por Jade Percassi
Da Página do MST

 

Cooperoeste, em Santa Catarina: 600 assentados e produção de 15 milhões de litros de leite por mês

 

Por Jade Percassi
Da Página do MST

 

O MST realizou durante o mês de abril uma jornada de lutas para cobrar dos governos federal e estaduais políticas para a realização da Reforma Agrária e o desenvolvimento dos assentamentos rurais.

Nesse período, o Movimento realizou também audiências com diversos ministérios e com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para apresentar a pauta de revindicação ao governo Dilma Rousseff e discutir medidas para avançar na Reforma Agrária. No entanto, não houve avanços.

“Não tiveram nada de concreto a oferecer, a não ser a expectativa do novo governo. Receberam as pautas e tomaram conhecimento das demandas, que não são novas, mas dizem que o governo ainda está se estruturando”, disse Elias Araújo, integrante da Coordenação Nacional do MST.

O Movimento apresentou a demanda de criação de um amplo programa de  agroindustrialização dos assentamentos ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social, além do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), que avaliaram essa política como estratégica.

“Há consenso da necessidade de um programa de implementação de agroindústrias nos assentamentos. Mas o que existe em cada órgão, como no Incra e nos ministérios, é muito pouco”, afirma o dirigente do Movimento.

O novo presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Evangevaldo Moreira dos Santos, fez o compromisso de manter as políticas de compra de alimentos produzidos nos assentamentos.

“Se o governo não apresentar uma resposta concreta para as nossas reivindicações e propostas, o tom das próximas jornadas será de cobrança”, avisa.

Abaixo, leia a entrevista com Elias Araújo, que atua no Maranhão.

O MST fez 70 ocupações de latifúndios e 14 sedes do Incra, além de dezenas de atividades. Qual o balanço político da Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária?

Faço um balanço muito positivo da jornada, olhando por a disposição de luta dos trabalhadores. A jornada expressa que existe um passivo de ações públicas que não foi resolvido e uma certa expectativa de que é possível avançar no atual governo. A jornada não poderia esperar, nesse momento, respostas objetivas para esse passivo, por conta da mudança de governo.

Fizemos várias reuniões com os ministérios e com o Incra. Não tiveram nada de concreto a oferecer, a não ser a expectativa do novo governo. Receberam as pautas e tomaram conhecimento das demandas, que não são novas, mas dizem que o governo ainda está se estruturando. O orçamento deste ano foi aprovado no ano passado… Portanto, não tem nada de novo.

Da parte dos trabalhadores, cresce a disposição de luta. Em cada estado, acontecem mobilizações, inclusive olhando para além da agenda de lutas do Movimento. No Maranhão, o elemento que diferencia de outras realidades é a luta pelas terras quilombolas, além das lutas de posseiros e denúncias de trabalho escravo. Temos mais de 17 mil famílias de trabalhadores rurais em situação de conflito. 

O que foi discutido nas audiências com o governo?

No Ministério do Desenvolvimento Agrário, discutimos a questão dos acampados e de assistência técnica, além do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). No Ministério do Desenvolvimento Social, com a equipe da ministra Tereza Campello, a pauta foi o Programa de Aquisição de Alimentos, o Programa de Alimentação Escolar e a questão das pequenas agroindústrias para o interior do país.

No Ministério da Educação, discutimos a Educação do Campo. O ministro Fernando Haddad reconhece que o ministério ainda tem feito muito pouco e precisa ter um diferencial. O Ministério do Trabalho anunciou a possibilidade de ações no meio rural, principalmente no campo da qualificação profissional.

Com o Incra, que foi o que nos demandou maior tempo, foram sete horas de reunião de trabalho. O Incra é um órgão que ou se reestrutura ou não vai dar conta de implementar as ações do programa de Reforma Agrária do governo Dilma.

Em que medida a jornada representa avanços para as reivindicações do Movimento?

A jornada representou avanços na medida em que o grande número de ocupações ratifica que há interesse dos trabalhadores Sem Terra e não tem como o governo fugir da tarefa de realizar as ações de desapropriação.

Enquanto o conjunto do governo não compreender isso, não vamos avançar na pauta da Reforma Agrária. A luta do Movimento diante dos órgãos públicos é, antes de mais nada, uma pressão para que se reestruturem. Há uma urgência de que as instituições se reestruturem, pois isso impede ações concretas.

A jornada expõe uma situação que precisa ser enfrentada. Tanto o governo como a sociedade não podem deixar de tratar a Reforma Agrária como algo estratégico. Ver a Reforma Agrária como uma ação que onera o Estado é o maior erro dos governos anteriores. E pode vir a ser o maior erro do governo atual. 

O enfraquecimento de ações como a desapropriação de terras improdutivas ou que não cumprem sua função social não podem ter como justificativa uma razão financeira de falta de orçamento. Corre-se o grande risco de impedir o desenvolvimento em regiões em que a população rural é expressiva e a economia depende da agricultura.

O orçamento pequeno é um problema…

O governo pode dizer que a pauta dos movimentos é a pauta do governo, mas é necessário concretamente R$ 1,5 bi para resolver o problema da obtenção de terra para a Reforma Agrária. E está previsto apenas R$ 530 milhões. Isso precisa ser corrigido.

Do contrário, fica uma enrolação. A jornada cumpre esse papel também, não só de fazer com que o governo se pronuncie em favor da Reforma Agrária, mas apresente mudanças concretas. E mudanças concretas significa também mudar a prioridade de recursos.

Qual a perspectiva do governo ter um programa de reprodução de sementes?

Há uma sintonia com a proposta de montar um banco de sementes e há possibilidades concretas de avançar nesse tema. A reação do Ministério do Desenvolvimento Social foi bem importante, principalmente no que se refere às sementes crioulas. É um debate que o governo também está fazendo. No entanto, disseram que não tinham ainda naquela reunião condições de avançar.

Como fica o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)? Quais as expectativas em relação às políticas da Conab?

Do PAA, o mais importante é orçamento. É uma das áreas que, segundo o MDS, não sofrerá cortes. Há o compromisso assumido pela presidenta Dilma de que o orçamento vai ficar em torno de R$ 2 bilhões. O ministério vai trabalhar para aplicar o recurso até o final do ano. Eles estão avaliando uma série de inovações. Temos uma grande expectativa em relação ao Plano Plurianual, que ainda vai ser elaborado com essas mudanças, mas garantem a manutenção dessa política.

Com relação à Conab, não deu para avançar na discussão porque a companhia está se reestruturando, com um presidente novo e mudanças nas diretorias. Houve um compromisso do novo presidente de que as políticas de fortalecimento dos assentamentos, consolidadas na gestão anterior, seriam mantidas. Tínhamos uma preocupação de que essa reestruturação, com mudanças de servidores, prejudicasse os programas da Conab. No entanto, o novo presidente disse que os movimentos sociais não precisam se preocupar.

Como ficou o debate sobre a implementação de agroindústrias nos assentamentos?

A questão é como o governo vai se estruturar para trabalhar com isso, porque não há discordância. O Incra, o MDS, o MDA, além do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), consideram o programa estratégico. Há consenso da necessidade de um programa de implementação de agroindústrias nos assentamentos. Mas o que existe em cada órgão, como no Incra e nos ministérios, é muito pouco.

O programa de agroindústria do Incra, o Terra Sol, não atende as necessidades. No estado do Maranhão, há 956 assentamentos. O orçamento para agroindústrias em 2010 era de R$ 90 mil. Você não viabiliza nem uma agroindústria com 90 mil reais, muito menos um programa que seja significativo. E essa é a situação do país todo.

Os movimentos sociais e os ministérios ficaram de discutir uma proposta para o  programa de agroindústrias em assentamentos, inclusive fazendo do BNDES um parceiro importante dos ministérios e do Incra, por ter um volume de recursos maior e capacidade de operação.

O MDS já tem uma política de implementar pequenas agroindústrias até 15 mil reais, resolvendo questões pontuais, que vai continuar. Isso é importante, assim como as pequenas unidades de processamento de frutas, do leite, da cana…

Todos os ministérios levantaram possibilidades, mas ficaram de dar respostas mais concretas a partir de maio. É prematuro afirmar que vamos avançar na pauta das agroindústrias, mas a pauta foi recebida com uma certa expectativa.

A partir desse processo de lutas, quais as perspectivas?

As negociações não são o centro das nossas mobilizações, mas precisamos de respostas objetivas para as reivindicações dos trabalhadores, senão a vontade de luta também diminui. No entanto, a maioria das mobilizações aconteceu por razões políticas, com o enfrentamento político aos grandes grupos locais que controlam as terras. As mobilizações cumprem o papel aglutinador dos movimentos sociais do campo para que as mudanças ocorram, extrapolando a nossa pauta.

O resultado da jornada não se dará apenas no mês de abril. Colocamos em debate a nossa pauta, que não é nova e está amarela. Mesmo sendo um governo novo, não justifica dizer que não conhecia a pauta. Independente disso, cumprimos o papel formal de entregá-la.

Em maio, vamos colher as respostas. Isso vai influenciar o caráter das mobilizações de junho, julho, agosto. Se o governo não apresentar uma resposta concreta para as nossas reivindicações e propostas, o tom das próximas jornadas será de cobrança.

A jornada fez um contraponto aos veículos de comunicação de massa (como o jornal Estado de S. Paulo e a revista Veja), que têm se esforçado para criar uma imagem de desmobilização e esvaziamento do Movimento?

A jornada demonstra, sim, que não está havendo um esvaziamento. A gente sentiu uma grande disposição de luta dos movimentos. A jornada aponta que as organizações estão fortalecidas e mobilizadas. Chamar de esvaziamento o que está acontecendo é uma conclusão muito pobre, dentro do processo em curso na agricultura e nas organizações dos trabalhadores.

O que mudou na agricultura e nas organizações de sem-terra do governo Fernando Henrique pra cá?

No período FHC, vivíamos um outro momento, em que a pressão sobre as propriedades improdutivas se dava de forma diferente. Tinha acampamentos em algumas regiões de acordo com a lógica de funcionamento daquelas regiões. Houve muitos assentamentos feitos não com o objetivo de fortalecer a Reforma Agrária, mas para fortalecer outras políticas.

Hoje a Reforma Agrária disputa com o agronegócio. Portanto, desapropriar terras para Reforma Agrária é contraditório com o modelo de desenvolvimento em curso. É uma pressão que a gente não vivia nos anos de 1990 de forma tão expressiva como vivemos hoje. Mesmo regiões em que ocorriam desapropriações de forma massiva, como na região Norte, por exemplo, o processo parou. Os interesses hoje são outros. Crescem as áreas de eucaliptos, de cana, de soja… Com a expansão das monoculturas, ficou muito diferente. O governo sofre pressões dos grupos econômicos que estão no campo, que precisa não só da terra concentrada, mas também dos recursos públicos.