Relatório acusa Monsanto de sonegar risco de câncer

 

Por Luciana Araújo
Do Opera Mundi

 

 

Por Luciana Araújo
Do Opera Mundi

 

Relatório de pesquisa divulgado nesta semana acusa a multinacional de agroindústria e biotecnologia Monsanto de saber, desde 1980, que o herbicida Round-Up – cujo princípio ativo é o glifosato – provocaria anomalias congênitas. Ainda de acordo com o estudo, a Comissão Europeia – órgão responsável pela regulamentação e aplicação legislativa nos países da União Europeia – também estaria sistematicamente ignorando as evidências de risco do produto pelo menos desde 2002.

O estudo de 52 páginas foi desenvolvido pela Earth Open Search, grupo de pesquisa científica colaborativa pró-segurança alimentar. O texto do relatório, em inglês, intitulado Round-up e anomalias congênitas: será que o público deve continuar às escuras? (em tradução livre), pode ser lido aqui.

O glifosato é um herbicida sistêmico de amplo espectro e ação cumulativa. Vários estudos apontam sua relação com o aumento da incidência de abortos em animais, desenvolvimento de pragas resistentes devido ao uso contínuo e anomalias congênitas. As conclusões são reiteradas no relatório.

Entre as propostas apresentadas pelos pesquisadores está a criação de um fundo de pesquisas independente em substituição ao atual sistema atual de regulação, baseado em estudos pagos pelas empresas. Os autores defendem ainda a exclusão das indústrias do processo de regulação, a divulgação obrigatória de todas as minutas dos estudos da Comissão Europeia e a garantia de transparência no processo decisório sobre a liberação de pesticidas.

O trabalho é assinado por Claire Robinson, pesquisadora da Earth Open Source; John Fagan, PhD em bioquímica pela Universidade de Cornell (EUA); Michael Antoniou, chefe do grupo de biologia nuclear do King’s College School (Reino Unido); Vyvyan Howard, da Universidade do Ulster (Irlanda do Norte); Richard Jennings, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), Carlo Leifert, da Universidade de Newcastle (Reino Unido); e dois pesquisadores brasileiros: Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib, biólogo e pró-reitor da Unicamp, e Rubens Onofre Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

O produto

Desenvolvido pela empresa em 1970, o Round-Up é o veneno do gênero mais vendido no mundo. A previsão da própria empresa é de que, neste ano, sejam produzidos e comercializados um bilhão de quilos do produto em todo o planeta. Em 2010, a empresa faturou mais de dois bilhões de reais só no Brasil com a produção e comercialização da linha Round-up, sementes convencionais e geneticamente modificadas.

A patente para venda do agente está vencida nos Estados Unidos desde setembro de 2000 e a confirmação dos malefícios causados pelo mesmo poderia levá-lo ao banimento.

Outro lado

A Monsanto aponta parcialidade do relatório. A multinacional informou em nota que seus especialistas estão revendo o relatório. Mas adianta que, numa análise inicial, o texto não traria nenhuma prova nova sobre a toxidade do glifosato. E diz ainda que entidades reguladoras e especialistas independentes ao redor do mundo discordam da relação entre o composto e efeitos reprodutivos adversos em animais adultos ou anomalias congênitas em crias de animais expostos ao agente, mesmo em doses muito superiores à usada na agricultura.

Para a Monsanto, os autores do relatório privilegiaram estudos que condenam o Round-up e ignoraram dados científicos que garantem a segurança do produto e atestam seus benefícios ambientais e econômicos.

Sediada no Missouri (EUA) e com atuação em 52 países, a Monsanto é a maior produtora de herbicidas do mundo.

Round-up no Brasil

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta e ainda permite a utilização de produtos banidos em diversos países. Só o Estado de São Paulo consome cerca de 20% de todos os compostos do gênero utilizados na agricultura.

Em março deste ano, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou projeto regulamentando o uso e descarte de embalagens destes venenos, proposta do então deputado estadual Raul Marcelo, mas o governador Geraldo Alckmin vetou integralmente o texto.

O engenheiro agrônomo Marco Antônio de Moraes acrescenta ao levantamento divulgado que “pesquisadores da Fiocruz estimam a ocorrência de cerca de 540 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil por ano, com cerca de quatro mil mortes”.

Já o professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp Edivaldo Domingues Velini declarou recentemente em entrevista publicada no portal da empresa no Brasil que “ainda não há um herbicida que possa ser comparado ao glifosato em termos de segurança de uso e benefícios para o agricultor”. Velini defende o uso sustentável do composto.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP José Juliano de Carvalho, “a única saída para essa situação é regular o agronegócio e não o pequeno produtor. E temos que questionar esse modelo de ‘desenvolvimento’, de inserção no comércio externo via commodities, que é muito precário e nos mantém numa condição subalterna, tirando inclusive a nossa soberania sobre a produção de alimentos e nosso solo”. Além de professor, Carvalho integra a Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária).

*Com informações do Huffington Post