“Transição agroecológica é o melhor caminho para produção”

 

Por Elizângela Araújo
Da Página do Sinpaf

 

 

Por Elizângela Araújo
Da Página do Sinpaf

 

A transição agroecológica é o melhor caminho na busca de uma produção de alimentos livres de contaminação por agrotóxicos. Essa foi a mensagem do pesquisador da Embrapa Hortaliças e presidente do SINPAF, Vicente Almeida, aos participantes da audiência pública que discutiu o uso de agrotóxicos no país, realizada nesta quinta (7/7), na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado.

Vicente falou como representante da Campanha Permanente Contra o Uso de Agrotóxicos e Pela Vida (que o SINPAF integra junto com outras entidades). Os demais debatedores foram o pesquisador Marcelo Augusto Boechat Morandi, da Embrapa Meio Ambiente; Luiz Cláudio Meirelles, gerente geral de toxicologia da Anvisa; e Eduardo Daher, diretor executivo da Associação nacional de Defesa Vegetal (Andef).

Como exemplo de sucesso da transição agroecológica, Vicente apresentou aos participantes da audiência a experiência do Assentamento Cunha, em Cidade Ocidental, no estado de Goiás. Segundo ele, antes do assentamento o local era destinado à produção de soja. “Foram dez anos de transição agroecológica sem o apoio de nenhuma política pública. Apesar de haver a participação da Embrapa e outras instituições públicas, o país ainda não tem políticas específicas de incentivo à agroecologia”, ressaltou.

Entre os resultados positivos obtidos pelos assentados, Vicente destacou a eliminação de substâncias químicas utilizadas pelo modelo anterior, aumento no número de postos de trabalho, diversificação da produção de alimentos com consequente aumento do coeficiente de segurança alimentar e comercialização por venda direta cooperativada. Segundo ele, os assentados conseguem inserir seus produtos nas feiras livres do Distrito Federal pelo menos duas vezes por semana.

O pesquisador lembrou que a necessidade de avanços num modelo produtivo e sustentável do ponto de vista econômico, ambiental e social já é consenso na academia. “A transição agroecológica é uma estratégia necessária e possível. Por meio dela podemos avançar para um modelo de agricultura livre de agrotóxicos”.

Ao falar sobre os riscos do uso de agrotóxicos, Vicente alertou para o fato de que a contaminação de alimentos por agrotóxicos põe em perigo a estratégia do governo federal de promover saúde por meio do consumo de frutas, verduras e legumes. “Além de haver um consumo abaixo dos 400 gramas diários indicados como ideais, precisamos resolver também o problema da qualidade desses alimentos, que em muitos casos estão com níveis de veneno acima do permitido e, nos piores resultados, estão impregnados com substâncias proibidas”.

Vicente lembrou, ainda, que o país ainda não possui regulação para a comercialização de agrotóxicos.

Inseticidas biológicos

O pesquisador Marcelo Augusto Boechat Morandi, da Embrapa Meio Ambiente, também defendeu a transição agroecológica como uma forma de diminuir os impactos negativos do uso de agrotóxicos. No entanto, considerou o uso de agrotóxicos fundamental para a agricultura de larga escala, com a ressalva de que precisam ser usados de “forma correta”.

“A agricultura brasileira teve um ganho de produtividade pelos insumos, pela expansão da fronteira agrícola, pelo melhoramento genético e pelas técnicas intensivas de produção. Se por um lado essa competitividade precisa deve ser estimulada, por outro é necessário proteger o meio ambiente e a saúde dos seres vivos”.

Para Morandi, qualquer modelo de agricultura provoca mudança no ambiente natural. “O desafio maior de qualquer modelo agrícola é criar um novo equilíbrio por meios naturais a fim de obter uma produção sustentável ao longo do tempo”, afirmou. Ele apontou os inseticidas biológicos como uma saída aos venenos tradicionais. “Embora seja um mercado pequeno tende a crescer. São produtos de baixa toxicidade, que não deixam resíduos”.

Estrutura de regulamentação e fiscalização precária
Luiz Cláudio Meirelles, gerente geral de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), falou sobre as dificuldades do órgão na fiscalização do uso dos agrotóxicos. Segundo ele, enquanto a Divisão de Agrotóxicos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos conta 859 técnicos altamente qualificados, a Anvisa tem apenas 23 técnicos para analisar, controlar e fiscalizar produtos e serviços, inclusive os agrotóxicos. Ainda segundo ele, juntos, os três órgãos responsáveis pela regulação de agrotóxicos no país (Anvisa, Ministério da Agricultura e Ibama) contam com menos de 80 técnicos.

Outro dado levado por Meirelles mostra que as taxas para o registro de agrotoxicos no Brasil não são caras. Enquanto o registro de um novo ingrediente ativo custa 630 mil dólares dos Estados Unidos, o mesmo serviço não custa mais de 53 mil dólares por aqui. Além disso, enquanto lá são cobradas taxas de manutenção anual do registro e de reavaliação de impacto ambiental, no Brasil os fabricantes são isentos. Para ele, essa receita que deixa de entrar é um ônus para o próprio estado, pois ela poderia ser revertida para a melhoria da estrutura responsável pela regulação e fiscalização.

Meirelles também falou sobre a concentração do mercado. “As 13 maiores fabricantes concentram 83% do mercado. É um cenário pouco mudou na última década”. O gerente da Anvisa também ressaltou a dependência brasileira do mercado internacional. Segundo relatórios da empresas produtoras e do Sindag (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola), o Brasil importou 266 mil toneladas de agrotóxicos do total de 789 mil toneladas que foram comercializados no país em 2009.

“Estamos consumindo o lixo que outros países rejeitam”, diz senador
O senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), um dos autores do requerimento para a audiência, ressaltou que a sustentabilidade e a saúde dos brasileiros devem ser prioridade na produção de alimentos. Ele lembrou que os agrotóxicos podem causar intoxicação, má formação fetal, cânceres e distúrbios neurológicos, entre outros danos ao ser humano. “O meio ambiente também é prejudicado com a contaminação da cadeia alimentar, da água, do solo e do ar”, observou o senador.

Valadares também lembrou que o Brasil recebe e utiliza agrotóxicos com substâncias proibidas em outros países. Como exemplo, ele citou o Edosulfan, banido em 45 países e ainda em uso no Brasil até 2013, conforme recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Estamos consumindo o lixo que os outros países recusam”.

O senador é autor de um projeto de lei que concede incentivos à agricultura orgânica, ainda com custos de produção altos, de modo que eles possam ser reduzidos. Para ele, a medida fará os preços ao consumidor cair e tornará os orgânicos acessíveis às populações com menor poder aquisitivo.

Também participaram da audiência os senadores Blairo Maggi (PR-MT), Waldemir Moka (PMDB-MS) e Ana Amélia (PP-RS). Para ambos, ainda é impossível produzir alimentos em grande escala sem o uso de agrotóxicos.