“Plano Safra não enfrenta o problema das dívidas da agricultura familiar”

 

Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST



O Plano Safra 2011-2012 para a agricultura familiar foi lançado em Francisco Beltrão (PR), com a presença da presidente Dilma Rousseff, na terça-feira (12).

 

Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST

O Plano Safra 2011-2012 para a agricultura familiar foi lançado em Francisco Beltrão (PR), com a presença da presidente Dilma Rousseff, na terça-feira (12).

Apesar dos elogios de Dilma aos pequenos agricultores, o plano não atende as necessidades do setor, especialmente porque não enfrenta o problema do endividamento.

A agricultura familiar ficou com R$ 16 bilhões para a safra 2011/2012, enquanto o agronegócio terá R$ 107,2 bilhões para financiamento de custeio e investimentos.

Adelar Pretto, da Coordenação Nacional do MST, avalia que o plano não resolve o problema do endividamento dos pequenos produtores, que barra o acesso a novos créditos.

Na última safra, a demanda de crédito pela agricultura familiar foi menor que o orçamento do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).

“Se o governo não resolver o problema do endividamento, a aplicação dos recursos será bem menor. Se o governo não tomar decisão política – e esperamos que isso aconteça – os pequenos agricultores não terão financiamento”, afirma Pretto.

Um documento restrito do governo aponta que o endividamento do Pronaf é de 19%, prejudicando especialmente as famílias assentadas em projetos de Reforma Agrária. “O Pronaf não é uma linha de crédito para a Reforma Agrária”, afirma Pretto. Ele cobra a criação de uma linha de crédito especial para os assentados.

Os movimentos da Via Campesina fizeram uma jornada de lutas para cobrar do governo a renegociação das dívidas. A partir dessas lutas, os movimentos apresentaram uma proposta e foi aberto um processo de negociação.

Abaixo, leia a entrevista da Página do MST com Adelar Pretto, que atua no Rio Grande do Sul.

Qual a sua avaliação sobre o Plano Safra 2011/2012 para a agricultura familiar?

O plano é rebaixado em termos de valor, porque é a mesma quantia do ano passado. Dos R$ 16 bilhões, foram utilizados R$ 9,5 bilhões. Ou seja, sobrou dinheiro. O grande motivo disso foi o endividamento. Se o governo não resolver o problema do endividamento, a aplicação dos recursos será bem menor. Se o governo não tomar decisão política – e esperamos que isso aconteça – os pequenos agricultores não terão financiamento.

Qual a razão do endividamento dos pequenos agricultores?

O Pronaf tem muitos limites. Um exemplo disso é a própria questão dos endividamentos. Se fosse um programa com sustentabilidade não teria o grau de endividamento que se criou em torno dos pequenos agricultores. Oficialmente, fala-se que não há endividamento. Mas tivemos acesso a um documento que o indica que o endividamento do Pronaf é de 19%. O maior número de inadimplência é em Pernambuco, onde 65% dos que pegaram empréstimos estão endividados. No Rio Grande do Sul são 12% de inadimplência. O diferencial é que em Pernambuco o valor da dívida não chega a R$ 1 bilhão. No Rio Grande do Sul, é de R$ 13 bilhões. Essa é a situação da agricultura: os inadimplentes não conseguem acessar mais crédito nem para custeio nem para investimento.

Por que o governo não reconhece as dívidas?

Se o banco passar de 5% de inadimplência, não consegue mais operar recursos por causa de um mecanismo interno. Com isso, o banco esconde o alto grau de endividamento. Isso faz com que o governo não reconheça a existência de uma grande inadimplência. Há uma articulação junto com o Ministério da Fazenda, o Ministério do Desenvolvimento Agrária (MDA) e o Banco do Brasil. Eles fazem toda uma artimanha, faz um contrato de venda da dívida para uma empresa privada – não chegam a vender, até porque ninguém vai comprar algo “podre” – e se a empresa receber do devedor, parte vai para ela e parte para o banco. Essas dívidas são trabalhadas como prejuízo, sendo que esse montante de dívidas chega a quase 30%. Mas aparecem no banco como prejuízo, e não como inadimplência do banco, porque foi vendida para a empresa. Ou seja, eles fazem umas artimanhas para dizer que não há inadimplência. Só que no dia-a-dia o agricultor vai até o banco, vive a inadimplência e não consegue acessar recursos . É por isso que o Plano Safra não irá resolver nada e ninguém será beneficiado.

Por que parte dos assentados não consegue pagar a dívida que contraíram com empréstimos?

Por exemplo: você pega 20 mil para investir no leite. Com esse dinheiro você compra vaca, ordenhadeira, constrói o estábulo etc. No máximo, tem três anos de carência, tendo que pagar em cinco. Aí o agricultor tem duas opções: ou se esforça e procura uma outra fonte de renda – para se manter e pagar as dívidas – ou decide entre comer ou pagar as dívidas – se a fonte dele for só essa. O normal é optar em viver uma vida pelo menos razoável. O tempo para pagar o empréstimo é curto, insuficiente. Não consegue produzir para pagar nesse pequeno período e tem de ter um subsídio maior. É isso que sempre questionamos do governo. A política do governo é para uma escalada de desenvolvimento de um empresário rural. O agricultor será excluído e vai para o Bolsa Família. Eles não admitem a negociação das dívidas porque seria admitir a falência do Pronaf.

Como está o processo de renegociação das dívidas?

Fizemos uma série de mobilizações. Nessa última que ocorreu no final de junho, conseguimos que o governo constituísse um grupo de trabalho. A primeira reunião será no dia 20 de julho. Acertamos que se constituísse esse grupo para parar as mobilizações e que não se cobrasse as dívidas por 90 dias. O governo aceitou por 60 dias. Assim, as dívidas de investimentos estão suspensas por 60 dias. As dívidas de custeio têm que ser pagas, mas as de investimentos terão esse prazo e não ficamos inadimplentes.

Nossa expectativa é de conseguir resolver isso nesse prazo. Se não faremos novas mobilizações. Não podemos nos conformar com o fato de 80% da agricultura familiar estar inadimplente e ficar por isso mesmo porque o governo não querer negociar. Quem está coordenando os processos é o Gilberto Carvalho [ministro da Secretaria Geral da Presidência], porque o MDA e o Ministério da Fazenda estão contra a renegociação das dívidas.

Qual a proposta dos movimentos sociais para resolver esse problema da agricultura familiar?

A proposta construída pelo conjunto dos movimentos do campo é que o governo junte todos os contratos em um único. A partir daí o agricultor dá um rebate de um determinado valor e o resto será pago nos próximos quinze anos, com dois ou três anos de carência. Seu eu pagar a proposta em dia, teria um bônus de 30% na parcela.

Essa é a proposta que o conjunto dos movimentos apresentaram e o governo até então não estava admitindo que tinha endividamento. A partir das mobilizações, o governo acabou admitindo que realmente havia um problema e que tínhamos que conversar. Agora vamos ouvir do governo sua contra proposta e dialogaremos a partir daí.

Como ficam os assentados da Reforma Agrária?

O Pronaf não é uma linha de crédito para a Reforma Agrária. Não se pode fazer com que os diferentes sejam iguais. O pequeno agricultor que já está na terceira ou quarta geração familiar é muito mais estruturado. É diferente do agricultor que sai de um acampamento com a família com a disposição de trabalhar e chega em um lote tendo que entrar na lógica do Pronaf. Se mal serve para o pequeno agricultor, imagine para os assentados. Tem que ter uma linha de crédito diferenciado para a Reforma Agrária.