A trajetória das famílias da primeira ocupação de terras no Maranhão

Barracos da primeira ocupação de terras no Maranhão, que completa 24 anos

 

Por Marcio Zonta
De Imperatriz (MA)
Para a Página do MST


 
Na parede da casa do senhor Luis Preto, uma foto com toda família reunida em frente a um barraco de taipa recorda os tempos difíceis da primeira ocupação de terra no Maranhão organizada pelo MST, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Imperatriz e outros movimentos sociais.

Barracos da primeira ocupação de terras no Maranhão, que completa 24 anos

 

Por Marcio Zonta
De Imperatriz (MA)
Para a Página do MST

 
Na parede da casa do senhor Luis Preto, uma foto com toda família reunida em frente a um barraco de taipa recorda os tempos difíceis da primeira ocupação de terra no Maranhão organizada pelo MST, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Imperatriz e outros movimentos sociais.

Emocionado, o assentado aponta para foto e relembra daquele dia 16 de julho de 1985. “Entramos aqui eram duas horas da manhã. Fazia frio e imediatamente ocupamos a sede da fazenda Itacira com cerca de 250 famílias”.

Nos dias que se seguiram à ocupação, o senhor Luis Preto ressalta que a organização foi a melhor forma de resistência. “Aqui viramos verdadeiros irmãos, formamos várias equipes, onde quem era encarregado de fazer a roça, fazia não só para ele, mas para todos e assim ia com todas as outras atividades”.

Todos contra

Luis Preto diz que não podiam sair para Imperatriz e que os acampados no Itacira sofriam represarias dos mais diversos tipos. “Rapaz era xingamento mesmo, ameaças, a população era totalmente contra”, conta.

O fato de ser a primeira ocupação do Maranhão não explicava esse comportamento de parte da população de Imperatriz. “Mas também porque era uma fazenda improdutiva da multinacional Sharp, onde um de seus maiores acionistas era o então presidente da República e dono do Maranhão, José Sarney”, revela Luis.

A imprensa também fazia uma grande campanha contra a ocupação: “os principais veículos de comunicação de Imperatriz denegria nossa imagem, nos chamava sem pudor  de vagabundos, ladrões, subversivos, marginais” comenta o assentado.

“Foi uma pressão terrível”, balbucia cabisbaixo o senhor Raimundo do Barracão, ao escutar a palavras de Luis Preto.

“Foram nove anos sem água potável, energia, escola precária”, acrescenta Raimundo, hoje com 74 anos e há 24 anos no local.

“Durante todo esse tempo nós fazíamos muitas vezes o papel do Estado, pois ele foi totalmente ausente, não queria entrar aqui. Portanto coletivamente resolvíamos desde os problemas que ia da falta de água, energia, segurança e educação”, complementa Luis.

Educação, produção e segurança

Assim, no começo a escola foi estruturada com duas professoras, uma no período da manhã e outra no período da tarde para atender cerca de 70 crianças.

“Não tinha jeito. Não podíamos deixar essas crianças sem estudo” diz a primeira professora do acampamento, Maria da Penha, que atualmente é diretora de uma das escolas municipais que se estabeleceu no assentamento atende 150 crianças.

“Como assentamento é dividido em duas vilas, Conceição I e II, temos duas escolas, duas creches e dois postos de saúde. Para quem não tinha nada…”, comemora a diretora.

Depois da ocupação, ele teve oportunidade de virar professora e se formar em pedagogia pela Universidade Federal do Pará, em uma parceria entre INCRA e MST.

A produção destinada para Imperatriz também se consolidou ao longo do tempo. “O feijão, a mandioca, o milho e principalmente o leite é escoado para a cidade”, enumera Luis. 

E o índice de violência é zero no assentamento. “Nem precisa ir para a delegacia perguntar. Nunca tivemos um assalto aqui e a única morte que teve não foi de um assentado atentando contra a vida de outro, mas de duas pessoas da cidade que se encontraram aqui e tinham uma rixa antiga”, comenta a assentada Letícia Viana Silva, que cresceu no local.

Criatividade

O inimigo era poderoso, a população era contra e a imprensa local ainda fazia campanha contra o projeto de assentamento que se estabelecia.

Diante disso, os moradores da ocupação decidiram que era hora de convidar os moradores da cidade para dentro do acampamento.

“Decidimos que todo sábado próximo ao dia 16 de julho iríamos começar o dia com um café da manhã convidando os moradores de Imperatriz para participar”, lembra Luis.

Hoje não só é oferecido um café da manhã, mas também almoço, janta e pernoite na casa dos próprios assentados na noite de festa da comemoração da primeira ocupação do Estado.

“Funciona assim: na entrada do assentamento distribuímos uma ficha para os visitantes, que vai indicar a casa onde essa pessoa vai se alimentar e dormir após a festa”, diz Raimundo.

“Quando chega em junho aqueles que nos odiava no passado já começam nos perguntar sobre o festejo. Detalhe, muitos vão embora só no domingo de noite”, afirma Luis Preto.

Asfaltado e arborizado com o trabalho ambiental desenvolvido pelos próprios assentados, o assentamento Itacira, também como é conhecido o local, chama atenção de quem vem de fora pela beleza e organização.

“Sou de Imperatriz, é a primeira vez que venho para uma festa no Itacira, recomendado pelo meu cunhado, que vem todo ano. É impressionante a lindeza do lugar e o planejamento” diz Manoel Pimentel, comerciante na cidade.

Muitas pessoas dizem que os assentados que moram ali tiveram muita sorte. O senhor Luis Preto pensa diferente. “Sorte não, resistência”, responde cansado de escutar essas palavras de quem vem de fora e percorre parte dos 6 mil hectares conquistados.

 

(Foto:Giulio Di Meo)