Modelo exportador do agronegócio obriga os brasileiros a importarem alimentos básicos



Por Bruno Rosa
Do O Globo

Alimentos populares como feijão, arroz e até a banana plantados em países asiáticos e europeus estão cada vez mais presentes na mesa… dos brasileiros. Celeiro agrícola no mundo, o Brasil registra avanço superior a 380% na importação de alguns desses alimentos básicos só neste ano. O mercado interno aquecido, o câmbio favorável e o elevado custo de produção entre os agricultores do país explicam o aumento das compras feitas no exterior. A alta, no entanto, já preocupa especialistas e representantes dos produtores.

De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), a importação de feijão, por exemplo, subiu 56% neste ano, após crescer 24% em 2010. O feijão chinês representa 31% das compras feitas pelo Brasil lá fora. A banana, símbolo do país tropical, também vem de longe: as importações, em alta desde 2008, avançaram 383% em setembro. Só a Tailândia respondeu por 50% dessas compras.

“O consumo está em alta, e a oferta interna não consegue se adequar em vários períodos do ano. Esse é um movimento novo e que vem ganhando força. Além disso, o foco dos produtores sempre foi a exportação. Mas, hoje, há um mercado interno comprador muito interessante. Assim como acontece com os carros e os eletroeletrônicos, os importados também chegaram aos alimentos mais populares, e isso é preocupante”, afirma Maurício Mendes, presidente da consultoria Informa FNP, especializada em agronegócios.

Varejo busca importados mais baratos que nacionais

Um sinal de alerta dado pelos especialistas é o preço. A rede de supermercados Zona Sul negocia com produtores do Chile a importação de maçã, kiwi e pera a preços mais competitivos em relação aos similares nacionais. O Hortifruti compra ameixa da Espanha, pera dos EUA e de Portugal, além de kiwi da Itália. Com a ajuda do câmbio, a empresa consegue fazer até promoções: está vendendo o quilo de maçãs da Espanha por R$3,99. Originalmente, o produto custa R$4,99. O Hortifruti ressalta ainda que compra do exterior quando não há safra no Brasil ou quando os produtos nacionais são de baixa qualidade.

“Estou comprando cebolas (que são da Espanha), e o preço está ótimo”, diz Katia Gama, que estava no Hortifruti, em Botafogo, na Zona Sul do Rio.

Omar Moisés Filho, corretor do Mercado do Feijão, diz que a tendência de importação só faz aumentar. Ele lembra que um saco de feijão, com 60 quilos, vindo da China, custa R$80, contra os R$90 cobrados pelos produtores brasileiros.

“A procura pela importação é também para baixar os custos. O cozimento do feijão chinês está melhor que o nosso porque há mais investimento lá. Hoje, a agricultura familiar está abandonando a cultura do feijão porque os custos de mão de obra são elevados, e a modernização de máquinas necessita de investimentos elevados”, endossa.

Além do feijão e da banana, chama a atenção a importação de limão de países como Espanha e Uruguai, que aumentou 26% em 2010 e neste ano aponta alta de 45,6%. Para os especialistas, o Brasil está perdendo competitividade no cenário internacional. Mendes, da FNP, cita as variedades específicas de frutas como laranja (que subiram 143% neste ano) e maçã (56,64%). Para ele, produzir determinados tipos de frutas no Brasil é mais caro, pois envolve determinado tipo de técnica:

“Há uma oportunidade para os produtores nacionais olharem com mais atenção o consumidor que procura mais variedade. Hoje, importam-se produtos que poderiam ser produzidos aqui. Claro que a produção brasileira é muito mais volumosa em relação ao que se importa. Mas é preciso ficar atento ao movimento”.

Além disso, especialistas ressaltam que, com Europa e EUA consumindo menos, parte dos produtos asiáticos encontra no Brasil um bom mercado consumidor. É o caso das laranjas da Tailândia e do arroz parboilizado da Índia.

“Em média, a importação de alimentos tem crescido 20% na companhia, inclusive os itens que têm correlação com a cesta básica, como o alho”, completa Samir Ruggiero, gerente de Comércio Internacional do Grupo Pão de Açúcar.

O professor Marcos Fava Neves, professor de Estratégia da FEA-USP, em Ribeirão Preto, considera o avanço lamentável. Para ele, o câmbio favorável, que permite a chegada de produtos mais baratos, e os altos custos de produção dentro do país são ainda fatores que ajudam a explicar a maior presença dos itens estrangeiros na mesa.

“O Brasil vem aumentando as importações de frutas e sucos de frutas. Temos condições excelentes de produzir quase tudo. A questão é ver o porquê de o país não conseguir atender. Existe um risco de essas importações aumentarem cada vez mais. Precisamos analisar e dar condições de competição à produção local”, afirmou Neves.

Compra de café e carne vermelha também aumenta

Mesmo argumento tem André Barreto, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Arroz (Abiarroz). Para ele, é preciso agregar valor se o Brasil quiser continuar disputando o mercado global:

“O Brasil está comprando arroz diferenciado, e aromático, da Índia e da Tailândia. Hoje, temos de agregar valor. Não temos arroz sofisticado. O Brasil está perdendo a corrida. Hoje, o que o país faz (produtos de baixo valor) ninguém quer”.

Prova disso é o que acontece com o café. O Brasil exporta café em grão bruto e compra o produto finalizado de Suíça e Itália, que não são produtores, diz Carlos Alfredo, analista agrícola do IBGE. Segundo dados do Mdic, a importação cresce pelo menos 50% há dois anos seguidos.

A renda em alta do brasileiro se reflete também nas compras de carnes vermelhas, com alta de 21% neste ano.

“Itens vindos da Argentina, Uruguai, Paraguai e Austrália chegam mais baratos aqui devido ao câmbio”, diz Alfredo.