Horácio Martins: Fome no mundo, resultante da especulação nas bolsas



Por Horácio Martins de Carvalho
Engenheiro Agrônomo e Cientista Social
Do Jornal Sem Terra


Por Horácio Martins de Carvalho
Engenheiro Agrônomo e Cientista Social
Do Jornal Sem Terra


 

 

 

Os meios de comunicação de massa noticiaram que a população mundial havia alcançado um total de 7 bilhões de pessoas. Essa notícia, afora os sensacionalismos que a acompanharam, destacava, ademais, que 1 bilhão de pessoas se encontravam em situação de desnutrição ou subnutrição. Isso quer dizer que estavam sofrendo, principalmente, de “fome oculta”, por não ingerirem a quantidade mínima necessária de calorias diárias.

Entretanto, nunca se produziu tantos alimentos como na última década. Há alimentos disponíveis no mundo para atender à demanda, mas essa população em situação de fome não possui rendimentos que permitam adquiri-los. São extremamente pobres. Fazem parte dos números sobre a pobreza que envergonham os povos, constrangem os mais apáticos e evidenciam a negação do mais elementar direito humano: o acesso à alimentação. Devido a essa pobreza e suas circunstâncias, registram-se 150 milhões de crianças subnutridas com menos de cinco anos de vida, sendo que 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano antes de completarem essa idade.

Para o período 2010-2011, o balanço mundial entre a produção e o nível de consumo de cereais deve atingir um déficit de 43,1 milhões de toneladas. Mas, as atuais reservas mundiais que oscilam em torno de 483 milhões de toneladas permitiriam satisfazer em 11 vezes esse déficit estimado (de acordo com artigo de Vicent Boix). E se levarmos em conta que em 2009-2010 o mundo cultivou 2,3 bilhões de toneladas métricas de cereais e, desse total, 46% foi para a boca de pessoas, 34% foi para animais e 18% foi para máquinas – biocombustível e plásticos (segundo entrevista de Joel E. Cohen), se poderá inferir que a fome é, antes de tudo, resultante da especulação mundial de estoques e preços sobre os alimentos por grandes empresas capitalistas como Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e ADM, entre algumas outras.

“A fome tende a se aprofundar na medida em que os preços mundiais dos alimentos estão batendo recordes consecutivos de alta nos últimos meses. Segundo a revista The Economist, os alimentos estão com os preços mais altos desde 1984. Relatório publicado em fevereiro pelo Banco Mundial revela que os preços dos alimentos continuam a subir. Entre outubro de 2010 e janeiro de 2011 aumentaram 15%. O aumento dos preços ocorreu principalmente com os alimentos básicos: trigo, milho, açúcar e óleos comestíveis”, afirma Eduardo Magalhães, em artigo.

Avanço das monoculturas

No Brasil, as iniciativas governamentais conseguiram superar a situação socialmente constrangedora de 1987, quando se constatou que aproximadamente 40% da população brasileira (50 milhões de pessoas) vivia em extrema pobreza. No entanto, ainda que seja um país com grande área agricultável, os dados evidenciam que esta área disponível para a produção de alimentos está sendo destinada aos monocultivos como a cana-de-açúcar e a soja, destinados preferencialmente à agroindútria e à exportação.

De acordo com estudos de Gerson Teixeira, “do ano de 2000 para 2010, a área colhida com lavouras temporárias no Brasil passou de 44 milhões para 58,3 milhões de hectares, significando um crescimento, no período, de 14,3 milhões de hectares. Basicamente, esse incremento na área colhida se deveu ao aumento verificado nas lavouras de cana e soja. Juntas, essas culturas cresceram, em área colhida, 14 milhões de hectares. Vale assinalar que a soja liderou com ampla margem essa expansão, com incremento de 9,7 milhões de hectares. Ou seja, somente a expansão de área colhida com soja, entre 2000 e 2010, foi quase quatro vezes maior que o total da área colhida atual de arroz, ou cerca de três vezes superior à área atual colhida com feijão”.

Os alimentos que compõem a base das dietas mundiais estão se transformando economicamente em ‘commodities’, mercadorias negociadas em mercados futuros e objeto internacional de especulação comercial. Esta é uma das principais causas da elevação dos preços dos alimentos. Mas, é a ausência de políticas de Reforma Agrária e de distribuição da renda e da riqueza que impedem a melhoria dos rendimentos de bilhões de pessoas em situação de extrema pobreza em todo o mundo.

A crise financeira global que está se avizinhando já indica que haverá recursos públicos disponíveis para salvar os bancos e as grandes empresas nacionais e transnacionais das consequências explícitas da especulação, da fraude e da sordidez em que os seus negócios se reproduziam e se reproduzem. Porém, mantida a concepção de mundo da ideologia capitalista, em que o valor central é a vida como negócio, será impossível eliminar as causas dos sofrimentos das pessoas pobres e subalimentadas. Para isso, é necessário romper com o paradigma de sociedade em que se vive.

A superação dessa desumanidade exige ação integrada dos povos que desejam encontrar e instituir uma solução global, portadora de uma diversidade que contemple outros paradigmas para as sociedades de todo o mundo, e capaz de canalizar as esperanças e desejos de superação das causas das desigualdades sociais, das discriminações étnicas e as de gênero e incorporem uma nova relação das pessoas com a natureza. A proposta de soberania alimentar da Via Campesina Internacional é uma das principais estratégias para a superação da fome no mundo.