MST defende proibição da aquisição de terras por estrangeiros e pede mobilização contra retrocessos

 

 


A subcomissão da Câmara dos Deputados que discute a aquisição de terras por estrangeiros está num impasse desde o final do ano passado. O relator Beto Faro (PT-PA) e o presidente Homero Pereira (PSD-MT) divergem principalmente sobre as restrições a empresas brasileiras com capital aberto que tenham mais de 50% de capital estrangeiro. Faro defende que haja restrições para estas empresas. Pereira quer que não haja limites, desde que as terras sejam usadas para geração de empregos e renda. A subcomissão se reúne na manhã desta quarta-feira (28) para debater mais uma vez o relatório, cuja votação tem sido sistematicamente postergada.

Nesta terça-feira (27), a Agência Estado chegou a divulgar que o houvera um acordo para votar o relatório nesta reunião. O relator teria aceitado acabar com a limitação às empresas nacionais controladas por capital estrangeiro, o que foi interpretado pela ela como mais uma derrota imposta pela bancada ruralista ao Governo. Contudo, em entrevista ao Sul21, o presidente da comissão recuou, desmentindo a informação.

A aquisição de terras por empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro tem limites desde 2010, quando a Advocacia Geral da União (AGU) mudou seu parecer sobre uma parte da Lei 5709, de 1971, que rege a aquisição de terras por estrangeiros. A AGU é o órgão responsável por definir se leis anteriores à Constituição de 1988 estão compatíveis com ela. Na década de 1990, parecer da AGU dizia que a restrição a uma empresa com sede no Brasil era inconstitucional. Entretanto, a crescente aquisição de terras por estrangeiros, burlando os limites impostos, preocupou órgãos da União, como o Governo Federal e o MPF, e motivou um novo parecer em 2010, com a interpretação de que era constitucional impor limites a empresas brasileiras com controle estrangeiro.

Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, considera que a presidenta Dilma Rousseff tem demonstrado preocupação com o tema da aquisição de terras por estrangeiros. Entretanto, afirma que a proposta do Governo é “tímida” no combate à presença do capital estrangeiro nas terras brasileiras. O movimento defende a proibição da aquisição de terras por pessoas e empresas que não vivem ou não tem sede no Brasil. “A presidenta Dilma tem demonstrado preocupação com a ofensiva do capital estrangeiro sobre as nossas terras. No entanto, o governo tem uma proposta muito tímida. O controle sobre as nossas terras é fundamental para a soberania nacional e, por isso, defendemos a proibição”, diz.

Alexandre pontua que o Governo sofre forte reação do agronegócio às restrições, que consegue sobrepujar até mesmo interesses de médios e grandes proprietários brasileiros. “A reação do agronegócio é forte, fazendo frente ao Governo e, inclusive, se impondo sobre os médios e grandes proprietários, que não perceberam que perderão poder e suas terras na disputa com o grande capital”.

O integrante da direção do MST demonstra esperança de que a proposta do deputado Homero Pereira (PSD-MT) de não haver restrições para empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro seja barrada. “Acreditamos que o Governo e a sociedade vão barrar essa proposta dos ruralistas”, diz.

Conceição critica os ruralistas, que estariam impondo uma série de retrocessos ao país, como, por exemplo, a PEC que dá ao Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas. Também critica a presidenta, cobrando maior diálogo com os movimentos sociais. “Os setores mais conservadores do país estão aproveitando as fragilidades de um governo de composição de forças no Congresso para impor retrocessos à sociedade brasileira. Primeiro, aprovaram projeto na CCJ que passa para o Congresso a responsabilidade de demarcar terras indígenas. Agora, aprovaram esse projeto que vai contra a proposta da presidenta Dilma. O governo tem de sair das cordas a abrir um diálogo com os setores que derrotaram o Serra para desencadear um processo de lutas e mobilizações contra o retrocesso. Só com participação da sociedade e luta social será possível enfrentar esses setores”, conclama.

Parecer

“O parecer da AGU colocou limitações que inviabilizam projetos”, critica o deputado Homero Pereira. O parlamentar, que faz parte da bancada ruralista, também explicou que não quer liberar pura e simplesmente a aquisição de terras com capital estrangeiro majoritário. Segundo ele, deve ser pensado um mecanismo que garanta que as terras produzirão emprego e renda, e também, evidentemente, para evitar que se burle a lei. “O capital estrangeiro é bem-vindo na agropecuária, assim como é na indústria automobilística, por exemplo, desde que seja produtivo, que gere emprego e renda. Quero que o Brasil continue sendo atrativo para o capital estrangeiro, desde que não venha para especular. Estamos querendo é dar segurança jurídica para o capital estrangeiro no país”, disse.

Homero Pereira afirmou que a partir da lei o Governo pode, por meio de decretos, regulamentar as condições para a aquisição de terras pelas empresas sob controle de capital estrangeiro. E garantiu que não está defendendo um projeto “entreguista”. “O projeto de lei tem que ter dois pilares: garantir a soberania nacional — não vou defender um projeto entreguista — , mas estimular o investimento estrangeiro”, disse.

Gráfico mostra a legislação atual e as propostas do relator e do presidente da subcomissão | Arte: Agência Câmara

Relatório propõe mais limitações, mas também flexibilizações

A proposta de lei contida no relatório do deputado Beto Faro (PT-PA) impõe algumas restrições maiores à aquisição de terra por estrangeiros, mas também a flexibiliza em alguns casos. Pela legislação vigente, qualquer arrendamento ou compra por estrangeiro de mais de três módulos fiscais (medida que varia de 5 a 110 hectares, dependendo da região) precisa passar por autorização do INCRA. Faro propõe flexibilizar o limite para quatro módulos fiscais para compra e dez para arrendamento.

Para pessoa física estrangeira, o limite atual de compra é de 50 módulos fiscais, sem limite em hectares. A proposta do relator é manter os 50 módulos fiscais, mas restringir a no máximo 2,5 mil hectares. Para pessoa jurídica estrangeira, Faro propõe manter o limite atual de 100 módulos fiscais, mas com limite de 5 mil hectares. O presidente da subcomissão, Homero Pereira, divergia do relator neste aspecto, desejando que não houvesse nenhum limite para compra de terras por empresas ou pessoas estrangeiras. Entretanto, Pereira admite que sua discordância principal é quanto a empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro.

Por outro lado, o deputado do PSD propunha que se vedasse a aquisição de terras por ONGs estrangeiras e fundações pertencentes a empresas estrangeiras. O petista, por sua vez, propõe o limite de 100 módulos fiscais e 5 mil hectares. Uma das restrições que constam no relatório de Beto Faro é quanto ao arrendamento. A atual legislação não menciona o arrendamento para estrangeiros. A proposta de Faro é de que haja um limite de 30 anos. O petista também quer a manutenção da legislação atual que veda a doação de terras para estrangeiros pela União, estados e municípios.

No relatório, que discorre sobre pesquisas e audiências públicas sobre o tema, é possível notar o crescimento da aquisição de terras por estrangeiros, especialmente no Mato Grosso, estado do deputado Homero Pereira e uma das unidades federativas mais atrativas para a produção agrícola. O relatório aponta que o principal interesse das empresas asiáticas, europeias, árabes e estadunidenses é na produção de grãos, cana-de-açúcar e algodão, além de eucalipto para a indústria de celulose. No Mato Grosso, 180.581 quilômetros quadrados pertencem a estrangeiros, consistindo em 34% da área adquirida por estrangeiros no Brasil e 19,9% da área total do estado. “A competição com o capital internacional já elevou o preço das terras em cerca de 300% em algumas regiões no Centro-Oeste. Em Mato Grosso, a agropecuária O Telhar, com capital argentino, ocupa 1,8 mil quilômetros quadrados de terras para plantar soja, milho e algodão”, aponta o relatório.

O trabalho da subcomissão também mostra que o número de terras no país controladas por pessoas jurídicas é cada vez maior. O número de imóveis sob o domínio de empresas nacionais passou de 31 mil em 1998 para 67 mil em 2008 e a área registrada sob domínio empresarial, de 80 milhões para 177,2 milhões de hectares. “Uma das estratégias utilizadas pelo capital internacional para a compra de terras no país tem sido a criação de empresas brasileiras em nome de laranjas”, afirma o relatório.

(com informações do Sul21)