Cutrale é condenada por grilagem e desrespeitar direitos em tribunal popular


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

“Usufruímos de bens que existem na natureza há bilhões de anos. A natureza não é nossa, e muito menos da Cutrale. Somos filhos da terra e não donos dela. O que A Cutrale faz é destruir a natureza visando lucro”. Foi assim que José de Arimatéa, dirigente estadual do MST e “promotor de justiça” definiu o papel da Cutrale na primeira sessão do Tribunal Popular da Terra em São Paulo, que colocou a empresa e o estado brasileiro no banco dos réus.

A ocupação da fazenda Capim pelo MST, em outubro de 2009, buscou levar à população as denúncias de que a Cutrale é uma empresa que se utiliza de terras griladas da União, explora seus trabalhadores e contamina o meio ambiente.

Desde 1995, o MST luta pela retomada das terras griladas no município de Iaras, na região de Bauru, interior de São Paulo. A repressão ao Movimento em 2009 foi grande, com forte presença policial e uma campanha midiática que fez de tudo para criminalizá-lo.

Durante o Tribunal Popular, mostrou-se por meio de dados e depoimentos os crimes cometidos pela Cutrale contra a população brasileira. Arimatéa disse que “São Paulo é uma cidade que homenageia os grandes barões da terra em suas ruas. Se continuar assim, ‘Cutrale’ será um nome de rua em pouco tempo”.

Willian Miranda, agricultor e membro do MST, em depoimento ao Tribunal, alegou que a violência policial na ocupação foi desmedida. “Participei da ocupação na Cutrale em 2009, pois os 30 mil hectares da empresa pertencem à União. Depois de emitido o mandado de prisão, 40 carros de polícia e um helicóptero foram enviados para prender 22 Sem Terra. Eu não fui preso porque corri de lá. A polícia, reprimindo o movimento, intimou as pessoas sem qualquer formalidade. Se o depoimento delas não fosse favorável à investigação policial, ele era modificado, e a pessoa forçada a assinar. A polícia invadiu casas, repreendeu famílias e confiscou seus bens, alegando que eram da Cutrale. Até hoje, mesmo apresentando nota fiscal, os bens não foram recuperados.”

A empresa tem mais terras acumuladas do que a quantidade total de terras destinadas à Reforma Agrária em SP. Arimatéa alega que “as terras da empresa são produtivas, mas o capital explora 250 mil pessoas com a monocultura, maquinários pesados e degrada o meio ambiente com a compactação do solo”.

Diversos pequenos e médios produtores de laranja na região perderam suas terras para a empresa ou vivem em uma situação na qual vendem seus produtos “a preço de banana”, pois a Cutrale – que controla por volta de 60% da produção nacional da laranja – diminui o preço deste produto e do suco, por meio de cartel com as outras grandes empresas do ramo. E como o produtor precisa escoar sua produção, não lhe sobra escolha além de aceitar as regras da Cutrale ou vender suas terras. Além disso, a tonelada de suco vendida no exterior tem preços abaixo do mercado, pois a Cutrale Brasil vende a laranja para sua sede nos EUA.

Segundo a dirigente do MST, Claudete Pereira, em depoimento ao Tribunal, a situação dos assentados na área também é precária, e se deve principalmente à morosidade do poder público. “Fazemos ações na região porque uma empresa como a Cutrale tem tanta terra e o poder público não faz nada. Você pode passar lá a qualquer hora do dia que sempre tem polícia fazendo a segurança da empresa. Muitos assentados trabalham na Cutrale porque não tem escolha. Se o Incra liberasse os créditos para os assentados, garanto que não teria gente trabalhando lá, e sim cuidando da sua terra”.

Os trabalhadores da empresa vivem condições de superexploração, pois recebem 29 centavos por cada caixa de laranja colhida, que pesa de 48 a 50 Kg e que devem ser carregadas por eles, o que causa problemas de coluna, Lesão de Esforço Repetitivo (LER) e outras doenças. Além disso, não há qualquer direito ou benefício para os trabalhadores.

Segundo o trabalhador Francisco da Silva, em depoimento, “eu trabalhei oito meses na Cutrale. Meu salário variava: eu tirava por volta de 250 caixas por dia, o que me deu problema de coluna, pois eu sempre carregava o dobro do peso que normalmente se carrega. A bolsa com 30 caixas que eu carregava chegava a pesar uma tonelada. Eles faziam revista na gente e chamavam de ladrão se achassem alguém com uma laranja. Quando saí de lá, não me pagaram tudo que deviam. Os dias em que chovia e o transporte da empresa não nos buscava foram contados como falta, assim como as minhas férias. Deveria ter ganho 1000 reais ao sair de lá, mas ganhei 300”. 

A Cutrale também é acusada de contaminar os rios e represas da região de Iaras. Apesar da aplicação de veneno na área existir antes da chegada da empresa, desde que as terras foram adquiridas pela Cutrale a quantidade de veneno aplicada aumentou: passa-se veneno nos laranjais pelo menos 22 vezes ao ano, com a presença dos trabalhadores na área, o que causa doenças respiratórias.

A trabalhadora rural Aparecida Maria da Silva, em depoimento, reforçou as péssimas condições de trabalho na colheita da laranja: “Trabalhei na colheita de laranja da Cutrale e recebia 29 centavos por caixa. Eu e meu marido colhíamos cerca de 30 a 35 caixas por dia, e ganhávamos no fim do mês de 300 a 400 reais. Eu tenho artrose, escoliose e artrite nos braços. Quando comecei a trabalhar na Cutrale, era leve, mas está mais grave agora. A Cutrale realmente aplica o veneno enquanto trabalhávamos na colheita. Todo dia chegava em casa com a garganta queimando. Só depois que paramos de trabalhar lá é que isso passou. As condições de trabalho eram péssimas: nosso tempo de almoço era pequeno, e acabávamos comendo laranja com veneno, pois a água para lavar ficava longe de onde trabalhávamos, e se perdêssemos muito tempo não colhíamos o suficiente”.

A produção de laranja da Cutrale é vendida em sua totalidade no mercado internacional (98%), o que movimenta 10 bilhões de dólares por ano. No entanto, esse lucro é exclusivo da empresa. Como ressalta Arimatéa, “A população brasileira não é beneficiada pela Cutrale; pelo contrário, a empresa se utiliza da infraestrutura e força de trabalho do país em seu benefício sem dar nada em troca”.

A Cutrale responde por 80% da produção mundial de suco de laranja concentrado, mas o governo dos Estados Unidos ameaçou, em dezembro do ano passado, suspender a compra do suco, devido à utilização do agrotóxico Derosal (carbendazim), proibido nos EUA mas largamente usado no Brasil.

Diante das provas, Arimatéa pediu que o povo brasileiro condenasse a Cutrale. “Peço a condenação da Cutrale, e que ela sirva de exemplo para todas as empresas que querem concentrar a terra, destruir o meio ambiente e explorar trabalhadores”.