Jornada expressa a necessidade de um projeto popular para a agricultura


Do MCP


Do MCP

A Jornada de Lutas em Defesa da Agricultura Camponesa e Meio Ambiente, organizada entre os dias 4 e 6 de junho, reuniu 3.500 camponeses e camponesas de seis estados brasileiros. A mobilização cobrou o cumprimento da pauta do MCP ao governo federal. A jornada teve início com um acampamento na entrada do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que ficou montado até o último dia, foi a primeira vez que um movimento social do campo montou barracas e estrutura no local, bem como a primeira mobilização realizada pelo MCP a nível nacional.

O MCP não aceita o quadro de descaso com as famílias camponesas e elaborou uma pauta de reivindicações e propostas, consideradas centrais, para a construção de outro modelo de desenvolvimento para o campo: renegociação e solução definitiva das dívidas; seguro de renda; preços dos produtos e garantias de comercialização; crédito de reestruturação; programa de agroindústria cooperativada; programa de mecanização da agricultura camponesa; assistência técnica, capacitação e pesquisa; política leiteira; Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); fim dos impostos sobre a produção camponesa; educação no campo; moradia; água e cisternas; previdência social; políticas para as mulheres camponesas; energia; entre outros.

A jornada expressou a necessidade de um projeto popular de agricultura camponesa, com soberania alimentar, produção de comida limpa, diversificada e capaz de preservar a biodiversidade e identidade dos povos. Valores presentes na agricultura camponesa e combatidos pelo agronegócio. A atividade avançou nas discussões de políticas públicas para o fortalecimento da agricultura camponesa. Entretanto, o MCP considera que, até o momento, o governo não sinalizou com medidas consideradas estruturais para a construção de outro modelo de desenvolvimento para o campo, tendo como base a agricultura camponesa.

No Brasil, cerca de 800 mil famílias camponesas não têm condições de pagar aos bancos suas dívidas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e as intempéries estão agravando o endividamento. “O governo, até agora, não se mexeu para resolver a situação. As famílias vivem uma apreensão sem fim porque as formas de cobrança dos bancos vão desde o arresto de bens até o leilão das terras. Isto, para os camponeses, é motivo de vergonha. Aqueles que se encontram endividados procuram se ausentar de atividades coletivas, para esconder a real situação em que vivem. É uma situação humilhante”, afirma Altacir Bunde, da coordenação do movimento.

O MCP reconhece que nos últimos anos vários setores da sociedade tiveram conquistas econômicas e sociais significativas. “Quais foram as conquistas das famílias camponesas? A concentração de terra segue, a reforma agrária está estagnada, os agrotóxicos contaminam o meio ambiente e geram uma série de doenças, a pobreza e o analfabetismo permanecem. Os camponeses querem permanecer na roça cumprindo sua dupla função de produzir alimentos saudáveis e diversificados para si e para o povo brasileiro, além de cuidar do meio ambiente. Como conseguir isso com as políticas públicas ineficientes?” questiona a coordenadora Aline Nascimento.

O governo não valoriza a produção camponesa, pelo contrário, apoia o agronegócio, transferindo renda para as multinacionais através da compra de sementes, adubos, venenos e máquinas. Em agosto, o MCP vai participar de uma jornada de lutas em conjunto com outros movimentos sociais do campo, exigindo que o governo federal cumpra os compromissos assumidos em defesa da reforma agrária e da agricultura camponesa. A pressão continua até o governo federal cumprir as promessas. Confira os avanços na pauta de reivindicações apresentada ao governo.

Audiências e avanços

Com a jornada houve uma série de audiências nos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Cidades; Desenvolvimento Agrário; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Educação; Previdência Social. E nas secretarias Geral da Presidência da República; Nacional de Habitação e de Política para Mulheres.

No primeiro dia, foi realizada audiência no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), onde foram acordados pontos referentes ao PAA. A comercialização de sementes crioulas vai continuar sem chamadas públicas, diretamente com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), forma criticada pelo MCP. Houve avanços referentes à construção de cisternas em conjunto com moradias camponesas. Para isso, o MDS aguarda a conclusão do termo de cooperação com o Ministério das Cidades (MC). O MCP vai retornar à Brasília para conversarmos com a ministra Tereza Campelo, que se encontrava em viagem, para discutir outros pontos.

O Ministério da Previdência Social (MPS) se comprometeu a investigar denúncias sobre as dificuldades, especialmente das mulheres camponesas, para se aposentarem como seguradas especiais da previdência. As agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não repassam informações corretas, dificultando a aposentadoria. Milhares de camponesas e camponeses relatam serem vítimas de um esquema de máfia nas agências do INSS, onde durante o atendimento é repassado o contato de advogados que negociam a aposentadoria, em alguns casos, cobrando até dez mil reais, muitas vezes a serem pagos com os recursos recebidos nos primeiros meses de aposentadorias. O MCP também defendeu o aumento para seis meses do auxílio maternidade das mulheres trabalhadoras rurais.

Em audiência, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, prometeu revisar, junto ao centro de governo, o processo de renegociação das dívidas em andamento, um dos principais pontos da pauta de reivindicações. Pepe Vargas também se comprometeu em articular reuniões com todas as secretarias e com o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).  O MCP considera que foi aberto o diálogo com o ministro, mas que a melhor resposta do MDA, quanto ao atendimento da pauta, pode ocorrer com o lançamento do novo Plano Safra, no final deste mês. O movimento espera que o novo Plano Safra tenha mudanças significativas para as famílias do campo.

O ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em audiência, comprometeu-se a acompanhar o cumprimento das reivindicações. Em especial sobre a renegociação das dívidas, mecanização adaptada à realidade camponesa e denúncias sobre a máfia no INSS. O MCP vai sentar novamente com o ministro, nos próximos dias, para avaliar os possíveis avanços ou entraves. O ministro também se comprometeu a marcar uma audiência entre o MCP e a presidenta Dilma Rousseff.

A secretária nacional de habitação, Inez Magalhães, garantiu, em audiência, que o MC vai se esforçar para desburocratizar o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) e fazer com que o acesso ao programa seja menos difícil. Inez Magalhães também se comprometeu em discutir a redução de juros nos casos de financiamento e rever os subsídios dados ao financiamento, que atualmente é, bastante, injusto.

Coordenadoras e camponesas do MCP participaram de audiência na Secretaria de Políticas para Mulheres e cobraram intensificação nas ações de combate à violência contra as mulheres do campo. Visto que a questão ainda é camuflada e há dificuldade das mulheres camponesas terem acesso aos mecanismos de denúncia, como à Central de Atendimento à Mulher, pelo número 180, ou delegacias.

A questão das mulheres na agricultura camponesa é uma das prioridades de atuação do MCP. As discussões sobre gênero partiram da necessidade de reunir as camponesas para refletir sua importância na soberania alimentar. “Nós enquanto MCP somos um movimento misto de camponeses e camponesas, mas temos uma abordagem feminista”, explica Aline Nascimento.

O MCP avançou no diálogo com o Ministério da Educação (MEC) e discutiu o Programa Nacional de Educação no Campo (Pronacampo). Apesar dos avanços, o governo precisa retomar o programa de combate ao analfabetismo e maior articulação com os movimentos sociais para reverter o quadro atual. Aproximadamente 80% da população camponesa tem baixa escolaridade, em certas regiões do Brasil o alfabetismo no campo chega a 40%. As escolas são insuficientes e precárias. São 76 mil escolas no campo, 6,2 milhões de alunos matriculados e 342,8 mil professores, dos quais pouco mais da metade tem estudo superior.

O MCP propôs que o MEC crie uma força tarefa para erradicar o analfabetismo no campo até 2015, construção e melhoria de escolas nas comunidades rurais, políticas de acesso e permanência dos jovens camponeses nas escolas agrícolas de ensino médio, abertura de vagas específicas para os jovens camponeses nas universidades públicas através de cursos específicos.

Na audiência com o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Mendes Ribeiro Filho, ficou claro que o ministério se consolida como representante do agronegócio. Para o MCP, caso Mendes Ribeiro queira fortalecer a agricultura camponesa, duas coisas estão ao alcance: fortalecimento da Conab e fazer com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pague a dívida histórica que tem com as cerca de 4,5 milhões de famílias camponesas no país.

É preciso democratizar a Embrapa e fazer com que ela saia das mãos das grandes empresas e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). A Embrapa precisa destinar mais recursos para a pesquisa agroecológica. Atualmente, apenas 4% do orçamento é destinado a pesquisas voltadas para a agricultura camponesa. O MCP exige uma Embrapa 100% pública, com dinheiro 100% público e voltada aos interesses do país. É inaceitável que uma empresa pública atenda, exclusivamente, os interesses de grandes empresas privadas.

O MCP também cobra: criação da Embrapa Agricultura Camponesa e Embrapa Segurança e Soberania Alimentar; contratação de 500 pesquisadores e pesquisadoras, este ano, para desenvolver pesquisas voltadas à agrobiodiversidade e agroecologia; destinação de 25%, este ano, e 50%, a partir do próximo ano, dos recursos financeiros públicos para pesquisa voltada à agroecologia; possibilitar a participação do MCP nos Conselhos de Assessoramento Externa (CAE) e no Conselho de Administração da Embrapa; criação de uma comissão externa de controle social das ações de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa, no país e no exterior, com a participação dos movimentos sociais.

O MCP também exige que Pedro Arraes, defensor incondicional do agronegócio, saia da cadeira de presidente da Embrapa. Mendes Ribeiro ficou de responder, por escrito, estes pontos. Na próxima semana, diversas outras audiências serão realizadas como desdobramentos das ocorridas durante a jornada de lutas. Ficaram pontos pendentes, como o Programa Luz para todos e avanços junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre o programa de agroindústrias camponesas.