Fernando Lugo fala sobre o agronegócio e o golpe no Paraguai

 

Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST

 

“Existe um poder à sombra. São esses os autênticos poderes que não mostram o rosto, mas que decidem.”

Sob esta percepção o presidente deposto do Paraguai, Fernando Lugo, realizou a coletiva de imprensa destinada a veículos de comunicação de caráter alternativo, nesta quinta-feira (2), em São Paulo.

 

Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST

 

“Existe um poder à sombra. São esses os autênticos poderes que não mostram o rosto, mas que decidem.”

Sob esta percepção o presidente deposto do Paraguai, Fernando Lugo, realizou a coletiva de imprensa destinada a veículos de comunicação de caráter alternativo, nesta quinta-feira (2), em São Paulo.

Dentro das análises feitas pelo ex-presidente, a que mais se destacou foi as forças políticas e econômicas por detrás do golpe de estado que aconteceu no Paraguai no último dia 21 de junho de 2012.

Bem como pontuara Lugo, o poder que está às escondidas. “Quando comecei na política (como presidente) me disseram que quase 70% do que se passa no Paraguai se decide fora do país. Eu não quis acreditar. Mas hoje em dia, pela experiência pela qual passamos, não descarto mais essa possibilidade”, ratificou.

Dentre as forças que não mostram a cara, de acordo com Lugo há um poder que se sobressai: o poder do agronegócio.

Sua observação se dá pelo fato de que as duas primeiras medidas econômicas tomadas pelo Ministério da Fazenda levam a refletir sobre a “ingerência desses poderes de fato na política paraguaia”.

A primeira decisão econômica anunciada pelo novo ministro, segundo Lugo, fora em relação a não tributação sobre as exportações de soja. “O Paraguai é o quarto país exportador de soja do mundo, e possivelmente é o único país que não se tem um imposto sobre a exportação da soja”, destacou.

A segunda medida foram as “boas vindas dadas a todo tipo de sementes transgênicas”, ironizou. De acordo com ele, em seu governo houve um trabalho em recuperar o cultivo de sementes nativas, medida combatida pelos grandes produtores de sementes transgênicas, que alegavam que este tipo de cultivo era ineficaz. “Entretanto, houve uma grande recuperação do milho, do feijão, do algodão, tudo com sementes nativas, nacionais. O que aconteceu foi um rechaço das empresas internacionais com o que se vinha trabalhando”.

“Essas multinacionais são as que têm poder de fato em nosso país. Lastimosamente, assim como em muitos países, a classe política atua como uma extensão desses poderes de fato”, denunciou.

A relação com os agrotóxicos – um braço dessas mesmas indústrias – tampouco é deixada de lado pelo ex-presidente.

Ao comentar que quase 70% dos agrotóxicos que entravam no país se inseriam ilegalmente, outra curiosidade é colocada por Lugo: a mudança do diretor do Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave) logo após o golpe: o empresário de agroquímicos Jaime Ayala tomou posse. Ele, segundo Lugo, é um dos que contrabandeava agrotóxicos. Além disso, Ayala foi responsável por, logo em seguida, liberar a comercialização de uma série de sementes transgênica, sobretudo da transnacional Monsanto.

Questão Agrária

Dentro da grave crise política pela qual passa o Paraguai, o presidente deposto coloca como o principal desafio do país alterar a estrutura político-econômica da propriedade privada da terra.

Para se ter uma ideia do problema agrário do país vizinho, o Paraguai é o país com maior concentração de terras do mundo, de modo que cerca de 2% dos proprietários rurais são donos de mais de 80% das terras agrícolas do país.

Sobre essa questão, Lugo apresentou um dado um tanto quanto curioso: dentro dos 406.752 Km² de extensão do país, somado todos os títulos de propriedade de terra chega-se aos absurdos 529.000 km². Ou seja, a quantidade de títulos de posse é maior do que o tamanho do próprio país, o que demonstra o quanto há de terras griladas por parte dos grandes fazendeiros no Paraguai.

“Tem que se ter uma coisa bem clara na folha de luta: o primeiro desafio é elaborar uma mudança estrutural da propriedade da terra no Paraguai. Não é fácil, mas não é impossível”, acredita.

Nesse sentido, Lugo fala sobre a necessidade de se convocar uma assembleia constituinte, uma vez que a constituição Paraguaia é a fotografia da atual situação de instabilidade e desigualdade no país.

Golpes e Recursos Naturais

“Há um tema que temos conversado muito na região e que tem uma grande conotação política: os recursos naturais. Eu não sei em que país será, mas o próximo golpe será onde as multinacionais quiserem ter acesso direto e livre aos recursos naturais na América Latina”, destacou.

Nesse sentido, Lugo pontuou a existência de diferentes blocos de países na América Latina, com características próprias, com lógicas econômicas distintas e posicionamentos ideológicos diferenciados, mas que toda essa movimentação da última década na tentativa de uma articulação e interação do continente provocou uma contrarreação de setores nacionais e internacionais antagônicos a essa nova proposta.

“Hoje, depois do Paraguai, acredito que qualquer país tem que estar alerta”, afirmou, ao colocar os recursos naturais enquanto um tema para se ter uma atenção especial.

“O mais importante é estarmos atento às novas formas e modos de golpe. O golpe tem muitos rostos hoje em dia. Uma multinacional pode conseguir do Congresso Nacional uma lei que a beneficie, ou pode mudar um presidente, em qualquer lugar”.