Estudo demonstra a acumulação das usinas de cana com dinheiro público


Da Página do MST


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O estudo do professor Pedro Ramos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fala sobre a relação do processo de acumulação das Usinas de cana-de-açucar com dinheiro público e suas dívidas que nunca foram pagas.

O texto disserta sobre o apoio estatal à agroindústria canavieira do Brasil, na forma de financiamentos subsidiados, desde o final do período Imperial até a atualidade. Mostra que tais financiamentos, principalmente no período da passagem dos engenhos para as usinas e no do Proálcool, geraram dívidas que, em boa medida, não foram quitadas e, assim, oneraram os cofres públicos (dos estados e União).

Mostra que isto guardou relação com os ciclos dos mercados de açúcar e de álcool, o que pode indicar que – na atual expansão setorial, que tem contado com amplo suporte financeiro do BNDES – a história venha a se repetir.

Abaixo, leia a introdução do estudo e clique aqui para ver o artigo completo.


Introdução: uma síntese do período 1870-1965

A história de apoio estatal aos produtores de açúcar e de álcool no Brasil, no tocante aos financiamentos a eles concedidos, remonta ao final do Século XIX1. Foi principalmente entre 1870 e 1929 que se constituíram as fábricas que hoje são chamadas de usinas, mas que se tratam, fundamentalmente, de unidades agroindustriais semelhantes aos antigos engenhos, evidentemente maiores e mais avançadas em termos tecnológicos. Isso porque no Brasil foi derrotada a ideia de divisão de trabalho entre as atividades agrícolas e industriais, o que significou a derrota
no país do que se convencionou chamar de “centrais açucareiras”.

Tal derrota fez com que a maior parte dos beneficiários dos recursos do Governo Imperial e depois Republicano destinados à modernização da mencionada produção agroindustrial acabasse sendo os senhores de engenho do Nordeste, bem como os fazendeiros de café (e outros proprietários/ produtores) do Estado de São Paulo, já que, face à política de limitação da expansão da produção de tal bem, muitos deles passaram a montar engenhos e usinas no território paulista. Assim, os financiamentos subsidiados que foram ou deveriam ser destinados ao capital estrangeiro para a montagem das “centrais” (ou “engenhos centrais”) acabaram sendo concedidos diretamente àqueles proprietários que puderam constituir, modernizar, relocalizar e ampliar unidades integradas de produção.

Algumas daquelas fábricas acabaram sendo vendidas e/ou fechadas em decorrência de problemas relacionados ao abastecimento de cana ou de problemas técnicos e administrativos.

Em 1929, a grande crise justificou o aprofundamento do apoio do Estado brasileiro ao complexo canavieiro, com a criação de um sistema de planejamento de suas atividades3. Aqui convém chamar a atenção para apenas dois aspectos desse apoio: o primeiro deles é que o Estado, mesmo antes da criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (I.A.A.) em 1933, passou a conceder novos financiamentos aos usineiros para destinarem parte do caldo extraído da cana para a produção principalmente de álcool anidro para ser misturado à gasolina, o que significou a montagem de destilarias anexas às suas fábricas.

Outro aspecto foi que o I.A.A. assumiu a responsabilidade de retirar do mercado interno os excedentes de açúcar, o que significa que tal órgão muitas vezes exportou açúcar com preços gravosos, já que os obtidos no chamado “mercado livre mundial” foram, em boa parte dos anos entre 1930 e 1988, menores do que os que o órgão pagava àqueles produtores.

Da maneira assim sintetizada, a agroindústria canavieira do Brasil pôde expandir-se entre 1930 e 1965– com preços da cana-de-açúcar, dos diferentes tipos de açúcar e de álcool estipulados ou administrados pelo I.A.A. – em um mercado interno em grande crescimento. Como foi em São Paulo que tal mercado se concentrou, é claro que os usineiros locais situaram-se entre os maiores beneficiários de tal crescimento.