Integrante do MST boliviano explica sobre a luta pela terra no país

“Os sem terras bolivianos são indígenas”

Por Daniele Silveira e José Coutinho Júnior
Da Página do MST


Silvestre Saisari é indígena, camponês e integrante do Movimento dos Trabalhadores Camponeses e Indígenas Sem Terra da Bolívia, o MST do país. Em viagem pelo Brasil para conhecer os assentamentos do país, o militante conta como funciona o MST boliviano e aponta as semelhanças e diferenças presentes nos movimentos. Confira a entrevista concedida por Silvestre à Página do MST:

Qual a origem do MST na Bolívia?

“Os sem terras bolivianos são indígenas”

Por Daniele Silveira e José Coutinho Júnior
Da Página do MST

Silvestre Saisari é indígena, camponês e integrante do Movimento dos Trabalhadores Camponeses e Indígenas Sem Terra da Bolívia, o MST do país. Em viagem pelo Brasil para conhecer os assentamentos do país, o militante conta como funciona o MST boliviano e aponta as semelhanças e diferenças presentes nos movimentos. Confira a entrevista concedida por Silvestre à Página do MST:

Qual a origem do MST na Bolívia?

O movimento sem terra na Bolívia tem um nome mais específico: se chama Movimento dos Trabalhadores Camponeses e Indígenas Sem Terra da Bolívia. É um nome mais correto, porque na Bolívia nos identificamos primeiro como indígenas do que como camponeses. Nós somos Quechuas, Aimarás, Guaranis… os sem terras bolivianos são indígenas.

O movimento nasce igual no Brasil: por meio de uma reivindicação social para que haja uma Reforma Agrária verdadeira. Na América Latina, até agora não se fez Reformas Agrárias capazes de resolver os problemas principais das famílias do campo. Na Bolívia, há mais de 50 anos não se faz uma Reforma Agrária verdadeira.

Quando o movimento foi fundado?

O MST começa em 1999, é um movimento novo na Bolívia, mas com 13 anos de vida tem mais de 28 comunidades de assentamentos com territórios extensos, indo dos menores, com 300 hectares para 30 famílias, até os maiores, com 40 mil hectares para 100 famílias. Os assentamentos ficam em regiões diferentes da Bolívia, mas se concentram principalmente na região oriental do país. Além das famílias, jovens e mães solteiras também tem direito à terra.

Como é a comunicação entre o MST da Bolívia e do Brasil?

Essa comunicação se construiu quase imediatamente com a fundação do MST da Bolívia. Em primeiro lugar, porque as reivindicações são similares. Além disso, os objetivos, princípios e valores são parecidos, e isso nos une muito. Também fazemos parte da Via Campesina, que é o espaço de articulação internacional que nos junta como movimentos irmãos na América Latina.

Como é a demanda por assistência técnica nos assentamentos?

Uma Reforma Agrária não é simplesmente a entrega de títulos de posse. É preciso existir um acompanhamento técnico, econômico, jurídico inclusive, para consolidar aquele território. A assistência técnica é fundamental para viabilizar a produção de alimentos. 

Para nós e para os companheiros do MST Brasil, isso é muito difícil, e se não há assistência do estado e dos governos, essa iniciativa social pode fracassar. Mas por isso os nossos movimentos têm a capacidade de organização, de resistência, de permanecer no território pesem as condições difíceis, como falta de água, estradas e transporte, luz, escolas e postos de saúde porque é o único espaço onde podem viver e morar. É o local onde tem o alimento garantido.

Houve alguma diferença nas políticas de assentamento a partir do governo Evo Morales?

No início do governo Evo, começou-se a construir políticas que dessem um acesso mais seguro ao território. Mas durante o processo, os movimentos camponeses foram se decepcionando, porque uma coisa é aprovar uma lei, a outra é executar, aplicar essa norma para efetivar a Reforma Agrária. Aí temos um ponto de discordância com o companheiro Evo, pois ele tem muitas ilusões de fazer primeiro as leis. Mas quem aplica a lei, os seus ministros, são os que não permitem que a Reforma Agrária ocorra.

Quantos membros o movimento tem?

Quando foi fundado, tínhamos 50 mil sócios afiliados, mas quando começamos a debater o que significava o MST, a chegada à terra, a partilha do trabalho no território, aí começamos a diminuir a base, pois muitos companheiros que pensaram que era simplesmente reivindicar a terra, se esquecendo que é importante viver na terra. Muitos companheiros que vieram da cidade não aguentaram e acabaram voltando. Hoje em dia, o MST conta com 15 mil famílias assentadas e 5 mil organizadas para obter assentamentos e formar novas comunidades.

Há trabalhos de formação de base e educação?

Estamos iniciando esse processo. Em 13 anos, pode-se dizer que isso já deveria estar organizado, mas é difícil. O estado boliviano não permite uma abertura para que os cidadãos construam sua própria estrutura educativa. Hoje nós estamos pleiteando ao estado e ao governo boliviano um modelo educativo construído no campo e para o campo, visando a Reforma Agrária verdadeira. É uma proposta que estamos construindo recentemente, em oposição à educação estatal, que visa limitar o ser humano, e não a criar uma base social.

Quais as diferenças entre os movimentos no Brasil e na Bolívia?

Nós na Bolívia lutamos por uma recondução comunitária, que significa buscar uma propriedade coletiva: o título é comunitário, há somente um para todos. Mas dentro do território, as pessoas têm o seu direito individual e coletivo. Os assentados não são donos apenas da terra, mas do que há no território, como minerais, recursos fósseis, do solo e do subsolo. Essa é a diferença entre terra e território.

No Brasil, se luta por uma propriedade individual, e a propriedade individual significa uma parcela por família. Então há uma diferença inicial. Outra diferença é que no Brasil, para conquistar os assentamentos, os sem terra acampam. Na Bolívia, chegamos direto ao território. É um problema que temos, de não preparar bem nossos companheiros para chegar ao território, ao contrário daqui, onde se preparam muito e se conscientizam bem para se manterem firmes lá.

O MST do Brasil tem agora uma capacidade organizativa bastante forte para chegar ao território, aos assentamentos, manter e sustentar suas bases dentro dos assentamentos; pese as perseguições e ameaças, o MST daqui se organiza. Nós valorizamos muito isso, e acreditamos que ainda vamos chegar nesse estado de conscientizar antes de chegar ao território. 

Por que você entrou no movimento ?

Por uma necessidade. Porque sou indígena e camponês. Eu vivo na terra, e foi a terra que me levou ao MST.

Quando você entrou no MST da Bolívia e quando conseguiu se assentar?

Em 2001. Entrei no ano do Massacre de Pananti, que ocorreu em um dos primeiros assentamentos, no qual perdemos seis companheiros por mãos de jagunços contratados por latifundiários. Conseguimos o assentamento no mesmo ano, e nele produzimos milho, arroz, temos árvores para corte, fazendo o uso adequado do território, e praticamos a pesca.

Vocês vendem essa produção?

No começo, era só para a subsistência. Agora, já temos excedentes. Estou encarregado de fazer com que esse excedente chegue do produtor ao comprador local e nacional, e se tivermos mais, o mercado internacional. Esse é nosso objetivo depois de 13 anos de vida.

Há dificuldades para fazer com que o alimento chegue aos mercados?

Não vimos as dificuldades ainda porque não chegamos aos mercados grandes, mas tenho certeza que teremos muitos problemas. Estamos trabalhando nisso, inclusive conversando com o MST Brasil, e temos agenda para conversar com o governo brasileiro e boliviano.